A vida da empregada doméstica Maria Aparecida Zacarias, 45 anos, nunca foi fácil. Aos sete anos de idade, ela começou a trabalhar na lavoura para ajudar a família, em Foz do Iguaçu. Com quinze anos já estava casada e, aos 35 anos, mãe de oito filhos, ficou viúva. O filho mais novo tinha apenas quatro anos quando o marido de Maria morreu. No entanto, bem antes disso acontecer – quando ele ficou doente – ela teve de assumir a responsabilidade da casa. Desde 1990 Maria sustenta a casa com o salário de empregada doméstica.
Depois da morte do marido, a situação piorou. A filha mais velha, que tinha 15 anos na época, engravidou. Desde então, a família não parou de crescer. Maria teve 20 netos -oito deles morreram. Em sua casa, moram quatro filhos com os netos, genros e noras. São 10 pessoas e Maria sustenta todos eles, com os R$ 240 que ganha por mês. ?Faça chuva, faça sol, eu estou trabalhando. Sempre batalhei para cuidar da minha família e não deixar faltar nada. Como não tenho estudo, trabalho muito e ganho pouco. Não queria que os meus filhos tivessem uma vida como a minha, por isso sempre insisti para que eles estudassem. Mas é sempre assim, o filho nunca ouve a mãe?, lamenta.
A história de Maria se repete entre milhões de brasileiras que hoje celebram o Dia Internacional da Mulher. Nunca, no Brasil, houve tantas mulheres chefiando famílias. De 1993 a 2003, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cresceu em 30% o número de mulheres nesta situação. No Sul do País, o aumento foi ainda maior: 40%.
Em muitos aspectos, elas superam os homens. São maioria da população, vivem mais, estudam mais e, no entanto, ainda ganham menos. Segundo o IBGE, as mulheres ganham 30% menos que os homens.
Conforme Sandro Silva, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), as causas do crescimento no número de mulheres chefiando famílias são o alto índice de divórcios e separações e o crescimento nos casos de gravidez na adolescência. De acordo com o IBGE, de 1993 a 2003, houve um aumento de 31% no número de separações e de 56% no número de divórcios. No mesmo período, a taxa de gravidez na adolescência caiu em 6,5%. Mas a região Sul destoou do restante do País. Aqui, a quantidade de mães adolescentes passou de 5,5% em 1993 para 6,9%, em 2003.
Inimaginável
A professora Andrea Cristina Barbosa, 31 anos, se casou com 20, teve a primeira filha com 21 anos e, quando estava grávida da segunda, aos 24 anos, o casamento terminou. E foi assim, sem aviso prévio, que ela se tornou chefe de família.
Mesmo com toda dificuldade, Andrea seguiu em frente. Ficou em casa até a filha mais nova completar três meses e voltou a lecionar. ?Minha família toda mora longe e não tive escolha. Coloquei uma empregada para ficar com as meninas e voltei ao trabalho?, conta.
Pensando no futuro das filhas, Andrea voltou a estudar. Trabalhava um período, ficava com as filhas em outro e, no terceiro, ia para a faculdade. O esforço foi recompensado. Depois de concluir o curso normal superior, Andrea ainda fez pós-graduação e hoje é coordenadora administrativa de uma escola em Curitiba.
?Meu esforço em estudar foi por dois motivos: o primeiro, porque sempre sonhei em me formar. E o segundo, porque tinha que ganhar melhor, para garantir um futuro melhor para as meninas?, diz. No entanto, mesmo com o salário um pouco mais alto, a situação da família é apertada. As crianças recebem pensão do pai mas, mesmo assim, Andrea diz que nem sempre consegue fazer as vontades das filhas. ?Procuro sempre explicar para elas, mostrar que precisamos fazer escolhas. E elas entendem?, afirma.
Você sabia?
O dia 8 de março passou a ser considerado Dia Internacional da Mulher em 1975, depois do reconhecimento da Unesco. Nesta data, em 1857, um protesto por melhores condições de trabalho resultou na morte de 129 mulheres, em Nova York. Elas faziam uma manifestação pela redução da jornada de trabalho de 16 para 10 horas e pediam também o direto à licença maternidade. Além disso, elas ganhavam cerca de 1/3 dos salários dos homens. A polícia, chamada para conter a manifestação, trancou as mulheres dentro da fábrica. Houve um incêndio e todas elas morreram. A versão oficial da história diz que o sinistro foi acidental mas indícios apontavam para um incêndio criminoso, provocado pelos policiais.
Camponesas também lutam por um pedaço de terra
Mais de 800 mulheres de todo o Paraná que participam do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) estão reunidas em Curitiba para lembrar o Dia Internacional da Mulher, comemorado hoje, como um símbolo de luta pelos seus direitos. O encontro começou no domingo e hoje será marcado por audiências no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e no governo do Estado. Há pelo menos 25 mil mulheres em assentamentos e acampamentos no Paraná.
Uma das organizadoras do evento, Solange Parcianello, que mora em um assentamento na cidade de Paranácity (Noroeste do Paraná), explica que as mulheres vão reivindicar a melhoria de infra-estrutura nos assentamentos na reunião com o Incra. ?É preciso investir em toda a infra-estrutura de um assentamento. Faltam postos de saúde, energia elétrica, rede de água e educação. Nossos filhos vão estudar na cidade porque não tem escolas no campo?, afirma.
Já na audiência com o governo do Estado, o assunto será a agroecologia. O poder público tem um projeto para disseminar esse tipo de técnica agrícola e as mulheres do MST querem participar do programa. No intervalo entre a reunião do Incra e a do governo, o grupo fará uma passeata pelas ruas de Curitiba. As manifestantes também vão pedir políticas públicas para as trabalhadoras rurais.
O encontro também aborda a questão da igualdade das mulheres perante os homens no campo. ?Uma das nossas lutas para fazer disso uma realidade é para que o documento de posse da terra saia em conjunto, no nome do homem e da mulher. Ela deixaria de ser uma dependente. Isso permitiria que as mulheres participassem das decisões do assentamento e também do próprio movimento?, comenta Solange. Para ela, as mulheres sem terra e as assentadas já conseguiram espaço. Solange frisa que a violência doméstica também é um dos problemas vividos pelas mulheres na zona rural. (Joyce Carvalho)
Mulheres dividem espaços
Pouco a pouco, as mulheres estão tomando posições na sociedade e dividindo o espaço com os homens. Na política, isto vem acontecendo bem devagar. Conforme o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a participação das mulheres na eleição 2004 foi 1% superior comparada às eleições de 2000. Dos eleitos em 2004, 12,65% foram mulheres. Em 2000, esse número foi de 11,61%.
Roseli Bandeira de Assis Cavalli entrou na política por acaso. ?Casei com um político e quando vi, já estava envolvida?, conta. Hoje ela é secretária de Meio Ambiente, Agricultura e Abastecimento de Colombo. Antes disso, foi vereadora na cidade por duas vezes consecutivas. Nas últimas eleições, no entanto, não conseguiu se eleger. E não foi por falta de votos. Roseli conseguiu mais de três mil – um recorde histórico para os parâmetros do município -, mas o partido dela não formou legenda.
Casada e mãe de três filhos, Roseli é advogada. Ela conta que, enquanto era vereadora, atendia a população de graça em seu escritório de advocacia. ?Dividia o tempo entre a Câmara, o escritório, a casa, os filhos e o marido. Vida de mulher é assim. A gente trabalha três vezes mais que o homem. Mas não reclamo. Adoro o meu trabalho e acho que não sei mais viver longe da política?, afirma.
De acordo com o TSE, o Brasil tem hoje duas governadoras, nove senadoras, 319 prefeitas, 44 deputadas federais, 130 deputadas estaduais e 6.992 vereadoras. (SR)
Violência doméstica: calar pode significar consentir
Medo, dor, humilhação e vergonha. Sentimentos como esses muitas vezes calam milhares de mulheres que são espancadas pelo marido ou namorado, fazendo com que os agressores continuem impunes. Já aquelas que criam coragem em pôr fim ao sofrimento e os denunciam à polícia estão contribuindo para que venha a conhecimento público os números alarmantes desses crimes. A Sociedade Mundial de Vitimologia estima que, no Brasil, a cada quatro minutos uma mulher é agredida. Em Curitiba, essa realidade não é muito diferente, uma vez que no ano passado mais de 1,6 mil denunciaram a violência sofrida dentro de casa.
A Delegacia da Mulher de Curitiba possui uma lista de aproximadamente 40 modalidades de delitos que podem ser cometidos contra a mulher. Desse total, a lesão corporal apresentou o maior número de ocorrências em 2004: 1.622. Somente em janeiro deste ano foram registrados 179 casos. O segundo crime que mais atingiu a curitibana no ano passado foi o de ameaça, totalizando 1.242 ocorrências. Em seguida estão os de injúria e difamação, as conhecidas ofensas verbais, que somaram 444 casos.
Os números referentes a apenas esses quatro delitos equivalem a 87% do total de ocorrências registradas na delegacia especializada em 2004. Isto é, dos 3.760 boletins de ocorrência, pelo menos 3.308 são referentes à violência ocorrida dentro do ambiente familiar. Isso comprova a constatação feita pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que afirma que 70% dos casos de agressões são cometidas por namorados, amásios ou maridos das vítimas.
Medo
Os números só não são mais altos, porque, de acordo com o Movimento Nacional dos Direitos Humanos, 52% das mulheres que sofrem agressões domésticas deixam de ir à delegacia registrar queixa. Não é apenas por medo de sofrer represálias que elas se calam, mas porque, na maioria das vezes, o homem é o provedor da casa. A insegurança de não ter para onde ir ou condições de sustentar os filhos faz com que o silêncio e a omissão se tornem muito maiores do que a dor. Além desse fator, a paixão também tem um lugar nesse cenário.
Segundo Vera Lucia Bartz, presidente da Associação das Mulheres Donas de Casa e Consumidoras do Paraná (Ampar), que presta assistência às vítimas de violência doméstica, algumas mulheres ainda são apaixonadas pelo marido e, por isso, acabam suportando tanto a violência psicológica quanto a física. Outras não têm provas contra as injúrias e difamações sofridas, por isso acreditam que de nada adiantaria levar o caso à polícia. Além disso, a falta de coragem ou iniciativa em denunciar o companheiro ainda gera outro grave problema. Para Vera, a maioria das mulheres que sofre calada se torna depressiva. (Patrícia Cavallari)
Os números da violência contra a mulher
De acordo com a Organização Mundial de Saúde – 2000
46% das mulheres são espancadas há mais de 10 anos.
O risco de uma mulher sofrer violência
em casa é nove vezes maior do que na rua.
Mais de 40% da violência resulta em lesões corporais graves, causadas por socos, tapas, chutes, amarramentos, queimaduras, espancamentos e estrangulamentos.
De acordo com o Movimento Nacional dos Direitos Humanos
Segunda-feira é o dia de maior procura nas delegacias da mulher.
66% dos homicídios de autoria conhecida cometidos contra a mulher são realizados por infra-familiares.
De acordo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento
No mundo, um em cada cinco dias de falta de trabalho é decorrente de violência sofrida por mulheres em suas casas.
Na América Latina e Caribe, a violência doméstica compromete 14,6% do PIB (Produto Interno Bruto) da região, ou seja, cerca de
US$ 240 bilhões. O Brasil é apontado como o país que mais sofre com esse problema, perdendo cerca de US$ 104 bilhões anuais.
Mulheres do Brasil
50,76% da população
Têm esperança de vida
na casa dos 75 anos
Casam-se com 27 anos, em média
Separam-se com 39 anos
Chefiam 28,8% das famílias
Têm 2,3 filhos
cada uma, em média
Estudam cerca de 7 anos
55% das mulheres que trabalham têm, pelo menos,
o ensino fundamental
49% das mulheres ocupadas ganham até um salário mínimo
Elas têm rendimento 30% menor que dos homens
DAS MULHERES QUE TRABALHAM:
41,6% são empregadas;
18,6%, trabalhadoras domésticas;
17,5%, conta própria;
10,1%, não-remuneradas;
9,5%, militares e estatutárias;
2,7%, empregadoras.
FONTES: IBGE (Censo 2000 e Síntese dos Indicadores Sociais 2003), Fundação Perceu Abramo 2001, BID