Uma verdadeira guerra está sendo travada entre os fabricantes de pneus remoldados e os produtores de pneus novos. De um lado está a Associação Brasileira da Indústria de Pneus Remoldados (Abip), do outro a Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (Anip), que veicula desde o mês passado uma campanha publicitária contra a rival. No fogo cruzado, sobrou até mesmo para as altas esferas do principal órgão de fiscalização ambiental no país, tanto em Brasília quanto no Paraná.
No último dia 8, o presidente da Abip, Francisco Simeão, ajuizou uma representação criminal contra os presidentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Marcus Luiz Barroso Barros, da Bridgestone/Firestone, Eugênio Carlos Deliberato, da Goodyear do Brasil, Eduardo Fortunatto, e da Pirelli do Brasil, Giorgio Della Ceta. Barros ainda é acusado de crime de prevaricação. Simeão acusa essas empresas de não cumprirem a Resolução 258/99 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que trata da destinação de pneus inservíveis. O Ibama é citado por fazer vistas grossas a essas irregularidades.
Segundo Simeão, o órgão ambiental defenderia os interesses das multinacionais através de perseguições às empresas filiadas à Abip. ?Acabo de sofrer a quinta devassa fiscal em apenas 2 anos. Não acredito que isso seja normal?, afirma o empresário, que também é presidente da BS Colway, empresa situada na Região Metropolitana de Curitiba que remodela pneus usados. Para Simeão, o crescimento expressivo das vendas nos últimos anos seria o principal motivo da perseguição.
Sem perseguição
Por meio de sua assessoria de imprensa, o Ibama informou que não se trata de perseguição e que fiscaliza as empresas remodeladoras e produtoras da mesma forma. Já Vilien Soares, diretor-geral da Anip, da qual as empresas citadas fazem parte, disse que as companhias não receberam notificação oficial, mas que tomarão as medidas judiciais cabíveis. Afirmou ainda que o Ibama já tem as certificações que provam que as produtoras estão em dia com o que determina a resolução. ?Cumprimos integralmente o que determina a resolução?, diz.
Mas, segundo o Ibama, as empresas da Anip só apresentaram as certificações de que cumpriram a resolução em 2003 na última quinta-feira, com quase um ano de atraso. Segundo o órgão, elas têm até o próximo dia 31 para apresentar as certificações de 2004. As empresas da Abip, confirma o Ibama, cumpriram suas obrigações. O argumento da Anip para não cumprir a resolução, acusa Simeão, é de que é impossível cumprir a resolução.
O Ibama admite que as empresas produtoras não se esforçam como deveriam e que ainda estuda as medidas punitivas que irá tomar. A resolução estabelece que as sanções são as mesmas estabelecidas na lei 9.605, que trata de ações contra o meio ambiente, e podem ir desde multa até prisão do responsável e término de suas atividades comerciais.
?Complementares?
Quanto à campanha publicitária que veicula desde fevereiro, o diretor-geral da Anip explica que a idéia é esclarecer o consumidor. ?Queremos apenas que fique claro à população que pneu remoldado não é pneu novo?, explica Soares. Para ele, não existe ?guerra dos pneus?. ?A indústria de remodelagem é um setor válido e complementar ao nosso.?
Mas para Simeão, a campanha denigre a imagem dos associados da Abip ao sugerir que o produto não tem qualidade. ?A verdade é que nosso mercado cresce 65% ao ano e estamos incomodando eles?, diz o empresário.
Importação é grande polêmica do setor
Mais do que interesses financeiros, essa guerra esconde interesses ambientais. O governo brasileiro, em diversas ocasiões, deixou claro que é contra a importação de pneus usados para reaproveitamento. O Ibama acusa as empresas remodeladoras de serem ?importadoras de lixo industrial?. A portaria número 8 de 1991 do Departamento de Operações de Comércio Exterior (Decex) do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, proíbe a importação de qualquer produto usado, incluindo os pneumáticos.
As empresas da Abip trazem seus pneus de países da Europa por meio de liminares judiciais. Preferem não utilizar os usados nacionais por serem muito ?castigados?. ?Não consideramos o produto como sendo lixo. É matéria-prima?, afirma Simeão. Com esse argumento conseguem as liminares. Já o Ibama do Paraná não concorda. Quando a BS Colway conseguiu uma licença de importação do órgão em 2002 para trazer os pneus, o diretor Luiz Antônio Mello acabou afastado das atividades por três meses sem receber salário.
Segundo o Departamento de Planejamento e Desenvolvimento do Comércio Exterior, a BS Colway importou, em 2004, 2.715.761 pneus. A empresa não nega esse número e informa que a maioria deles vem da Alemanha. Informa ainda que foram fabricados e vendidos, no mesmo período, 1,2 milhão de unidades. Nas contas da empresa, em média, de cada 200 pneus velhos que chegam ao País, 74 são descartados. Seguindo essa média, seria necessário aproximadamente 1,904 milhão de usados para chegar na produção de 2004. Sobrariam 811 mil unidades alemãs em solo brasileiro para serem destruídas. A empresa garante que os pneus descartados recebem a destinação ecológica correta. A reportagem de O Estado não conseguiu apurar se esse número vale para o cumprimento da resolução 258.
Mais usados
Além dos pneus usados, o Decex também proíbe a importação de modelos remodelados. A União Européia (UE) já avisou ao Itamaraty que pretende entrar com uma ação na Organização Mundial do Comércio. Os europeus se baseiam no argumento de que o Uruguai é o único país que pode vender o produto no mercado brasileiro. Para a UE, só deveria valer a proibição para usados. O Itamaraty alega que o motivo é evitar o aumento do passivo ambiental no país.
A UE também tem normas rígidas quanto à questão. Além de só aceitar importação de remodelados entre os países membros, proibirá a partir do ano que vem aterros sanitários com pneus triturados, aumentando o problema do que fazer com os inservíveis no continente. (DD)
O que diz a resolução
A Resolução 258/99, elaborada em 1998, estabelece a contrapartida ambiental pela venda de pneus no Brasil, sejam eles importados ou fabricados no País. Exige a coleta e destruição de pneus inservíveis, na mesma proporção dos que são colocados no mercado.
Em 2002, essa proporção era de um inservível para cada quatro vendidos. Em 2003, caiu de um inservível para cada dois. No ano passado era de um para um e agora, em 2005, para cada 4 vendidos, 5 devem ter alguma destinação. As fabricantes recolhem os pneus e contratam empresas terceirizadas que os trituram. Os pedaços servem como matéria-prima para a construção civil e setores que possam aproveitar seus componentes. (DD)
