O vaivém diário de milhões de carros de passeio, caminhões e ônibus no Brasil não revela uma guerra de mercado acirrada que vem sendo travada. De um lado estão os produtores de pneus novos, e do outro, fabricantes de pneus remoldados (usados que passam por um novo processo de industrialização). No meio dessa guerra está o problema causado ao meio ambiente por um grande volume dos produtos já abandonados, ou não tratados com uma destinação correta.
O problema começa com a legislação, pois o Brasil não tem uma lei específica para tratar o assunto. De acordo com o engenheiro agrônomo, advogado e doutor em Direito Ambiental, César Lourenço Soares Neto, o que existe ?é um monte de resoluções, normas infralegais, equívocos e remendos?. Segundo ele, isso tudo torna a fiscalização muito frágil, pois ocorrem mudanças a cada decisão judicial.
Foto: Aliocha Maurício |
Algumas empresas reciclam os pneus inservíveis, mas número é pequeno. Outras preferem abandoná-los. |
O que continua valendo é a resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) 258/99, que obriga os importadores e fabricantes de pneus novos a dar destino ambientalmente correto para os produtos. A proporção é a seguinte: para cada quatro pneus fabricados ou importados no Brasil, é preciso dar destino para cinco pneus inservíveis.
As empresas precisam comprovar o destino, caso contrário, podem ser multadas em R$ 400 por pneu. No entanto, ressalta Soares Neto, a fiscalização do cumprimento do decreto ?ocorre como toda a fiscalização ambiental no País, onde há falta de pessoal, entre outras burocracias?.
Ele acredita que pagar multas não significa quase nada para as grandes empresas. O eficiente mesmo seria embargar as atividades enquanto a obrigação não fosse cumprida.
Para os especialistas, muito além da briga de mercado declarada entre os fabricantes de novos e os remoldados, é preciso pensar no pneu como uma matéria-prima importante para diversos segmentos. Entre tantas utilizações, o pneu serve de base para petroquímicas, e, co-processado geram combustíveis alternativos. Quando reciclado, tornam-se, por exemplo, tapetes automotivos, correias, solados de calçados e asfalto; e nas mãos de artistas viram móveis originais, vasos, e muito mais.
Segundo o engenheiro florestal e membro do Departamento de Licenciamento Estratégico do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), Pedro Luiz Fuentes Dias, só no Paraná existem mais de 150 empresas licenciadas para trabalhar com pneus. Na opinião dele, aos órgãos ambientais pouco importa a briga de mercado.
?Nós estamos preocupados é com o destino final desses materiais?, disse acrescentando que é preciso ter consciência que o pneu não é lixo, mas sim um gerador de energia.
Resoluções tentam conter problemas
De acordo com a coordenadora-geral de Gestão da Qualidade Ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Zilda Maria Faria Veloso, a importação de pneumáticos usados é proibida pelas normativas do comércio exterior e pelas resoluções do Conama 23/96 e 235/98, só ocorrendo mediante decisão judicial. No entanto, pelo grande volume de decisões e a entrada desses produtos no País, uma nova resolução foi criada e, desde 2003, quem importa pneus com base em liminares tem as mesmas obrigações ambientais dos fabricantes de novos.
Segundo Zilda, o teor das liminares concedidas pelo Poder Judiciário, autorizando as importações sob a justificativa de uso como matéria-prima para a reforma de pneus em território nacional, não tem sido cumprida. ?O Ibama identificou nas ações de fiscalização a ocorrência da comercialização direta de pneus usados importados para uso como pneu meia-vida?, disse. Ela acrescentou que a legislação é aplicada de forma igualitária entre os fabricantes e importadores de pneus. Entretanto, ambos os setores foram autuados pelo Ibama pelo descumprimento da meta de destinação prevista na resolução 258.
Em relação ao destino final dos produtos, Zilda informou que a meta estabelecida para os importadores de pneus usados, de agosto de 2003 a agosto de 2006, em função do total importado, foi de 259.556,75 toneladas de pneus inservíveis a serem destinados. ?Entretanto, essas empresas apenas comprovaram ao órgão a destinação de 25.555,87 toneladas, ou seja, apenas cumpriram com 9,85% da meta?, disse.
Já a meta estabelecida para os fabricantes de pneus, no mesmo período, em função do total produzido, foi de 1.574.576,85 toneladas de pneus inservíveis a serem destinados. ?Essas empresas apenas comprovaram ao Ibama a destinação de 571. 234.52 toneladas, ou seja, apenas cumpriram com 36,28% da meta estabelecida pela resolução?, falou.
Números industriais são contestados
Em 2006, segundo dados da Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (Anip), a produção de pneus novos no Brasil atingiu 55 milhões de unidades, dos quais de 24 a 30 milhões foram para o mercado de reposição. O presidente da Anip, Eugênio Deliberato, afirma que só nos últimos dois anos entraram no País cerca de 17 milhões de pneus importados, o que refletiu diretamente no crescimento do segmento de novos. ?Deixamos de crescer cerca de 40%, pois só o setor automotivo cresceu perto de 10%?, lamentou.
De acordo com Deliberato, a reforma de pneus sempre existiu no Brasil, mas o grande problema tem sido os pneus importados que seguem para a remoldagem. ?Eles entram aqui a custo quase zero e logicamente interferem no mercado?, disse, acrescentando que a atividade é ?permissiva?. Em relação à destinação, o presidente da Anip garante que o setor de pneus novos tem destinado 47% dos inservíveis.
Mas o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Pneus Remoldados (Abip), Francisco Simeão, contesta esses números, e afirma que neste ano as empresas produtoras estariam recolhendo apenas 30% dos pneus, enquanto o setor de remoldados recolhe mais que o dobro desse índice. Segundo ele, o segmento conta com cerca de 70 empresas no Brasil, e que hoje estão sofrendo perseguição pela concorrência que trouxeram ao mercado.
Prova disso foi a última decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que derrubou uma liminar da Justiça Federal que autorizava a importação de pneus europeus usados, matéria-prima utilizada na fabricação de pneus remoldados. Para Simeão, se a decisão for mantida, muitas empresas que atuam no segmento ou fecharão as portas ou irão transferir suas sedes para outras localidades do Mercosul, cujos países têm autorização para exportar pneus usados para o Brasil.