ahuaÁtila Alberti / GPP

Pinto acredita que teve a perna curada pela "água milagrosa" apanhada na gruta.

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Além de crença religiosa – uma questão de adesão pessoal e testemunho autêntico – a fé dos moradores da Lapa, e de muitos visitantes, é alimentada de lendas e do misticismo imbricados na gruta e na figura do monge João Maria D?Agostini. Um ditado popular lapiano diz que ?quem bebe a água do monge não vai longe?. ?As pessoas acreditam mesmo e sempre retornam. Vêm excursões só para pagar promessas e pedir outras graças?, afirma a diretora de Cultura do município, Ieda Maria Janz Woitowicz.

É o que fazem passageiros dos cerca de 40 ônibus que visitam o Parque Estadual do Monge na temporada, e dos 15 que chegam à serra, aos feriados e domingos. É também o que fazia Miguel Barbosa Pinto, de 75 anos, morador do bairro do Feixo, na Lapa, em um sábado, frio e úmido. Ele desceu os 154 degraus que levam até a fonte da ?água milagrosa? do monge para agradecer. ?Eu acredito que ele faça milagre. Eu mesmo já consegui. Tinha entrado aquele esporão na minha perna. Eu pensei: vou lá no monge e passo uma água. Vim orando, lavei e saiu por si só. E hoje eu vim ver como estava e passar mais um pouco de água na minha perna, que voltou a doer. Quem tem fé consegue?, conta.

Desde que o monge João Maria deixou a gruta, fugindo das autoridades locais, a gruta é visitada em busca de milagres. ?Até hoje as pessoas levam água, mesmo falando que é imprópria. A água é considerada milagrosa. Mesmo em tempos de seca, ela jorra continuamente?, afirma Ieda Woitowicz, que conta que as pessoas que mais procuram o monge são as mais simples. ?O monge é uma figura lendária e a gruta é um espaço cercado de misticismo, lenda e religião?, comenta Ieda.

Questionado sobre até onde todas essas crenças são positivas, o padre responsável pela Igreja Matriz de Santo Antônio, Gilberto Aurélio Bordini, afirma que não passa de fé popular, não vinculada à Igreja Católica. Ele conta que existem até pessoas que são batizadas no local, mas não-oficialmente. ?Vejo que o povo acredita em muitas coisas e vai atrás do que faz bem para o espírito. Eu, particularmente, não acredito?, afirma o padre, que acha pouco provável um processo mais sério de averiguação dos milagres atribuídos ao monge.

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Muletas, próteses, gesso, réplicas, fotografias, velas acesas. São tantas ofertas ao monge João Maria – o que comprova que muitas das conquistas dos fiéis são atribuídas a ele -, que a cada três meses a Prefeitura tem de fazer uma limpeza no local para que tenha espaço para mais agradecimentos, nas pedras da gruta, nas paredes da escadaria e ao pé da fonte. Nem a natureza agüentou e, de tantos visitantes, nas pedras é possível ver os degraus naturais que se formaram, mesmo o caminho até a gruta sendo de muitos obstáculos.

Igreja Católica desaprova as ?correntes?

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?Isto é uma novena que começou em 1950 e nunca se rompeu. No dia em que você receber, reze e faça uma pedido especial. Veja o que acontece no dia após seu recebimento. Atenção: Não rompa esta novena! Mande para doze pessoas.? Certamente, muita gente já recebeu, via e-mail, uma mensagem de ?fé? como essa, ou ainda encontrou na caixa de correio uma carta de oração que pede para que sejam tiradas cópias e repassadas, caso contrário algo iria acontecer. Até os padres não ficam de fora dessa ?corrente?. ?Uma vez recebi uma da Alemanha?, conta o opadre Primo Hipólito, da Igreja do Perpétuo Socorro. ?Eu já recebi vários?, afirma o padre Kleina, do Santuário Nossa Senhora do Carmo.

Por medo e falta de esclarecimento, o que muita gente pensa ao receber as mensagens é ?e se eu não fizer??. ?O ser humano cria a situação que assusta quem recebe, porque o brasileiro é cheio de superstição. Criaram-se místicas, entre as quais a de que se eu não fizer eu vou me dar mal. Isso é, desculpe falar, coisa do mal?, afirma o padre Kleina.

A igreja, que considera isso uma ameaça, sabe muito bem o que fazer com tais mensagens. ?Eu recomendo que se ignorem essas coisas; não condizem com nosso crescimento espiritual?, afirma Kleina. O padre Primo Hipólito completa dizendo que ?se ficarmos qualificando essas bobeiras a gente está perdido. Já temos tanto problemas, agora vamos ficar achando, quando tropeçarmos, que foi por isso??.

Mas afinal, o que são essas mensagens que muita gente considera um ato de fé? ?Não são coisas sérias. Não tem nada a ver com fé. Podem até ser feitas por católico, evangélico ou outro, mas essas pessoas precisam de esclarecimento?, afirma Primo. Padre Kleina denomina tal ato como ?devocionismo popular e ignorância? e que se trata de nada mais do que superstição.

Como explica o padre do Santuário Nossa Senhora do Carmo, a verdadeira novena é ?uma coisa muito séria? e são os nove dias de orações que as pessoas fazem, geralmente nas comunidades. Nessa comunidade, as novenas de quarta-feira reúnem cerca de dez mil pessoas. (NF)