Gagueira, um mistério a ser desvendado

No calendário, entre tantas datas a serem lembradas, está o Dia Internacional da Gagueira, dia 22 de outubro. Durante aquela semana, 21 estados brasileiros, entre eles o Paraná, participaram da campanha deste ano: Gagueira não tem graça. Tem tratamento. A data já passou. Porém, algumas questões devem, segundo os profissionais, serem constantemente recordadas. Esclarecimento, conscientização e informação sobre o problema são sempre parte da solução.

A gagueira, como explica a presidente da Associação Brasileira de Gagueira (AbraGagueira) Daniela Zackiewicz, ?é um distúrbio na fluência da fala. O que acontece é que alguns sons são pronunciados em um tempo maior que o habitual e a pessoa com gagueira reage a esse tempo utilizando-se de força para falar ou repetindo seguimentos da fala até o som ser liberado?.

Enquanto a definição é pontual, as causas da gagueira podem ser várias e, segundo a professora de fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Leomara Bürgel, ?existem várias teorias diferentes sobre a gagueira. Entre três grandes grupos de estudo sobre o problema têm-se os que a tratam como algo de ordem orgânica; os que a tratam pela fonoaudiologia a partir da psicologia, como algo que foi aprendido errado; e os que a estudam a partir da psicanálise, como um sintoma que denuncia problemas a serem trabalhados?, explica. A professora segue este último grupo.

Como lembra Leomara, não existe 100% de fluência na fala, ou seja, ninguém fala sem nunca ter titubeado. ?Em toda fluência normal há disfluência, seja por questões motoras, estresse, cansaço. Todos têm uma gagueira. Porém, em alguns casos, isso causa sofrimento, atrapalha as relações sociais. Essa é a gagueira dos gagos?, diz a professora da PUCPR.

De acordo com a presidente da AbraGagueira, o fato de não conseguir falar incomoda muito o gago. Porém, a reação dos interlocutores é que aumenta esse sofrimento. ?Nem sempre são compreensivos, ficam apressando, interrompendo ou satirizando a pessoa que gagueja?, diz Daniela. Ela conta que o que para muitos é engraçado e motivo de piada, para quem tem o problema, ou seja, para o gago, é um grande transtorno. Nessa situação há muito o que é melhor para se fazer. ?O melhor a fazer é dar mais atenção ao que está sendo dito, o conteúdo, do que à forma, fluência ou gagueira?, esclarece.

Enigma

Segundo a professora de fonoaudiologia da PUCPR, a gagueira é um enigma. ?Não existe, no gago, qualquer problema de fisiologia ou respiração, tampouco neurológico, pois a fala é normal. Também não se trata de um problema de fala e sim algo que se expressa na fala. Apenas dizer que é emocional não explica o problema. A gagueira é algo a ser interpretado?, completa Leomara.

Os tratamentos, que tanto Leomara quanto Daniela afirmam existir, é tão vasto quanto as definições de causas para a gagueira. ?Acredito que tem cura. A cura se dá a partir do momento que o problema não causa mais sofrimento à pessoa. A forma de tratamento depende da definição que a pessoa tem da gagueira?, diz Leomara.

Segundo as profissionais, o ideal é que o gago procure ajuda profissional, especializada na área e muita informação. Aos ouvintes, por outro lado, é ideal que também se eduquem e cooperem. ?É preciso se colocar no lugar do outro, não tentar ajudar – sem ser solicitado -, não completar. Apenas relaxar e escutar, seja pessoalmente ou por telefone?, conclui Leomara, que é fonoaudióloga, mestra em psicanálise.

Associação informa o melhor a fazer

A Associação Brasileira de Gagueira (AbraGagueira) existe há 5 anos e desenvolve atividades junto a fonoaudiólogos, psicólogos, médicos, pais e pessoas com gagueira. A presidente Daniela Zackiewicz lembra que a organização mantém um site atualizado sobre o assunto. ?Também promovemos encontros mensais de pessoas com gagueira, os chamados grupos de apoio?, afirma.

A entidade não tem fins lucrativos, por isso depende do apoio de terceiros para levar à comunidade as informações necessárias para lidar com a gagueira. ?Os interessados em conhecer mais sobre a associação ou se associar podem enviar um e-mail para abragagueira@abragagueira.org.br. Nosso site é o www.abragagueira.org.br?, diz Daniela.

A presidente da AbraGagueira conclui dizendo que ?uma das coisas mais importantes é a detecção precoce e o atendimento especializado o mais cedo possível. Desta forma estaremos possibilitando que a pessoa tenha estratégias produtivas para atingir a fluência, não tendo experiências ruins com relação à fala que, infelizmente, geram impactos sociais e emocionais negativos?.

Crianças podem ser afetadas no desenvolvimento da linguagem

Segundo a autora do livro Gagueira Infantil – risco, diagnóstico e programas terapêuticos, a professora de fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Cláudia Furquim de Andrade, na infância é muito comum as crianças passarem por ?períodos de gagueira?.

?Durante a infância, em decorrência do complexo processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem, é comum as crianças terem hesitações, repetição de sons, sílabas ou palavras. Nessa época da vida é comum o distúrbio aparecer?, explica.

Segundo Cláudia, para cerca de 80% das crianças ?essas disfluências são normais e tendem a desaparecer em cerca de seis meses. Porém, em crianças que têm antecedentes familiares de gagueira; outras desordens de comunicação associadas; características psicológicas como timidez, baixa resistência à frustração, ansiedade, perfeccionismo, etc.; ou com famílias que tenham traços lingüísticos desfavoráveis, essa disfluência pode evoluir para um quadro crônico: a gagueira do desenvolvimento?.

Assim como as demais profissionais, a fonoaudióloga da USP lembra que não é uma única causa que leva à gagueira, também infantil. Há algumas coisas que os pais devem saber sobre esse problema. ?Os pais devem saber que não são responsáveis pela gagueira da criança, que não podem acabar com o problema, mas podem mudar as próprias atitudes, prestando atenção nos filhos. Eles devem estar atentos porque a gagueira do desenvolvimento não desaparece com o tempo e não adianta evitar entrar em contato com o problema. O principal é buscar o tratamento fonoaudiológico correto, especializado e com forte base científica não permitindo que seu filho seja tratado por métodos não comprovados cientificamente. Dessa maneira, eles estarão agindo corretamente para tentar amenizar o problema?, alerta Cláudia.

O mais importante, segundo a profissional, ?é que os pais não permitam que a criança seja ridicularizada e discriminada na família e na escola, situações que podem ocorrer?. ?É importante saber que as dicas – calma, pensar antes de falar, relaxar, etc – pioram a gagueira porque não modificam o padrão motor da fala?, indica Cláudia.

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