Febre virtual mundial sob investigação

Quando o funcionário da Google, Orkut Buyukkokten, criou um site de relacionamentos, queria apenas comprovar a Teoria dos Seis Graus de Separação, que diz que todas as pessoas no mundo podem ser conectadas a qualquer outra por uma rede de no máximo cinco intermediários. Porém, ele não imaginava que isso viraria uma febre mundial. No início, em janeiro de 2004, quem não era convidado para participar se sentia excluído. Nos Estados Unidos teve gente que até chegou a vender os convites por US$ 20 e, pior, ganhou dinheiro com isso. Hoje, com 17 milhões de perfis lá dentro – 72% são de brasileiros -, muitos começam a se questionar se realmente vale a pena a exposição. Vírus, mensagens falsas e incentivo ao crime organizado, tem feito com que muitas pessoas cancelem seus perfis e deixem a comunidade – o que já ganhou o apelido de "orkutcídio". Até mesmo a polícia está de olho nesse negócio.

Nesta semana o delegado titular do Núcleo de Combate aos Ciber Crimes (Nuciber), Demétrius Gonzaga de Oliveira, pediu à Justiça a quebra de sigilo dos dados telemáticos (quebra de sigilo de dados da web) de 56 perfis de cadastros do Orkut. Segundo o delegado, esses perfis fazem apologia à pedofilia, ameaça, calúnia, injúria e crime contra a honra. O delegado também encaminhará requerimento aos escritórios do Google no Brasil e nos Estados Unidos. Desde o mês de abril, o Grupo de Combate a Crimes Cibernéticos, do Ministério Público Federal de São Paulo, também está pedindo a quebra de sigilo de 17 comunidades do Orkut que tratam de pedofilia e racismo. Como não obteve resposta, o MPF pediu à Justiça Federal a abertura de inquéritos policiais para apurar a responsabilidade dos diretores da Google Brasil pelos crimes de desobediência e favorecimento pessoal.

Arquivo/O Estado
Fácil acesso, mesmo sem conhecer conteúdos, num simples clique.

Mas será mesmo que não vale a pena continuar na rede? O professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, mestre em Telemática e consultor em tecnologia Java e Segurança e Sistemas, Leandro Batista de Almeida, diz que ainda é muito cedo para avaliar o que pode acontecer, já que o Orkut é uma ferramenta nova e agora que os problemas começaram a aparecer, seus responsáveis terão que gerar soluções. Segundo ele, algumas situações que não eram previstas acabaram acontecendo. "As pessoas não vão mais para o Orkut achar pessoas. O site virou uma ferramenta de comunicação, onde elas marcam compromissos, recebem notícias de grupos, e até se relacionam", comentou.

Orkutcídio

Além disso, empresas já utilizam o site para selecionar e até mesmo espionar os funcionários. E esse assunto está no livro Orkut.com – como você e sua empresa podem tirar proveito do maior site de relacionamentos do Brasil, do publicitário curitibano André Telles. Segundo ele, o Orkut é uma ferramenta de oportunidade de negócios, onde é possível avaliar perfis demográficos e psicológicos. Por isso é importante as pessoas pensarem bem antes de aderir a comunidades, como as "eu odeio isso ou aquilo".

Para Leandro Almeida, o Google não deverá abrir os perfis, pois estariam criando precedentes para mais solicitações. Em outros países, como a China, alguns sites acabaram sendo processados pela abertura de sigilo. "Acho que o Google teria condições de monitorar esses perfis, cancelar seus cadastros, sem quebrar o sigilo", comentou Almeida.

Em relação aos vírus que estão sendo difundidos pelo site, Almeida disse que isso também acontece com os e-mails e MSN, "e nem por isso foi preciso acabar com essa ferramenta". Em relação as páginas clonadas, Almeida falou que essa falsificação já acontece com páginas de bancos ou órgãos oficiais. O Orkut só virou mais um meio para isso. Nesse sentido, afirma que é preciso criar leis específicas para punir e inibir o crime.

Superexposição também preocupa autoridades

Chuniti Kawamura/O Estado
Delegado Demétrius Gonzaga de Oliveira alerta os pais.

Mas um grande risco que o Orkut oferece, avalia o professor Leandro Batista de Almeida, é o fato de as pessoas se exporem demais. "Quem quer privacidade não entra no Orkut. Mas quem entrou, precisa ter cuidado para não se tornar uma vítima de pessoas mal-intencionadas", comentou.

Por isso, ele aconselha a deixar disponível as informações somente para os amigos, e não colocar fotos de família, bens ou outros dados que possam criar situações perigosas. O mesmo conselho dá o delegado do Nuciber, Demétrius Gonzaga de Oliveira – que já teve perfil no Orkut e cancelou pela exposição. Ele acrescenta que para os menores de idade, os pais devem ficar atentos, pois as regras de participação no site – que normalmente ninguém lê ao entrar – dizem que só podem entrar pessoas com mais de 18 anos. E ele vai mais longe: "Se um menor cometer um crime na internet, isso pode gerar uma penalização para os pais".

E foi pensando nessa exposição que a bióloga Rosana Adamowicz resolveu cancelar o perfil no Orkut. "Eu relutei em entrar porque achava uma perda de tempo. Depois de insistência dos amigos, fiz o cadastro. No começo até achei interessante, mas depois, comecei a ler sobre vírus e fiquei com medo de infectar o computador, onde tenho muitos documentos", falou. Mas a decisão pesou mesmo quando ela pensou na sua privacidade invadida. A professora Elizabeth Raffo Setti recebeu um cartão virtual da filha, e acabou infectando o computador com um vírus, pois se tratava de uma página clonada. Porém a situação mais grave foi a de ser envolvida em uma briga entre facções. "Eu participava de uma comunidade que começou a levantar polêmica, e a situação foi tão longe que algumas pessoas da comunidade chegaram a ser intimidas pelo Ministério Público. Depois disso, criei um perfil apenas para observar", finalizou.

 

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