As famílias que moram à beira-mar dos balneários de Pontal do Paraná, no litoral do Estado, terão de deixar as casas. O Patrimônio da União já notificou, para saírem do local, trinta das cerca de cem famílias que construíram as casas na orla. As primeiras notificadas tinham prazo até a última sexta-feira para saírem, sob ameaça de terem as edificações derrubadas. No entanto, o Patrimônio da União resolveu dar mais um prazo para os moradores, já que ainda não existe um local definido para a realocação das pessoas. Mas o órgão federal alerta que a desocupação pode acontecer a qualquer momento.
As primeiras notificações informando que os moradores terão que abandonar as casas foram entregues no dia 22 de dezembro no balneário de Ipanema. No local, as famílias estão indignadas com a situação, pois alegam que não têm para onde ir. Até porque, durante a temporada não existe imóvel para alugar por mês. ?Ninguém tem condições de pagar R$ 80 ou R$ 100 a diária de uma casa?, diz Cosme Antônio Amarim, que mora há 15 anos na beira-mar em Ipanema. Ele conta que foi de Curitiba para o litoral porque o cunhado tinha uma canoa, e quando ele morreu, assumiu a atividade.
Cosme divide o terreno com outro parente, Josiel da Silva Freire Filho, que está na área há 23 anos. Nesse período Josiel conta que já viu a União derrubar outras casas. ?Isso aconteceu há 10 anos. Eles retiraram as casas de veranistas e pousadas e deixaram ficar apenas quem era pescador?, lembra. Mas agora Josiel não tem esperança de ficar na área, já que teve a informação de que todas as casas serão retiradas. ?Na época eu fiquei porque morava com meu pai, que era pescador. Agora se tiver que sair, não tenho para onde ir?, relata. Os dois moradores afirmam que têm condições de pagar um pouco por mês por uma casa em outro local, mas até agora não lhes foi passada nenhuma opção.
Grávida de nove meses, Valdirene da Silva Gomes nem imagina qual será o futuro do seu segundo filho. ?Eu moro aqui desde que nasci, e hoje a única coisa de concreto que tenho é essa notificação dizendo que terei que sair da minha casa?, lamenta. Ela também presenciou a desocupação que aconteceu há 10 anos, e acredita que se naquela época eles tivessem instalado os pescadores em outra área, nada disso estaria acontecendo. ?Meu marido até me disse que quando for para o hospital ganhar o bebê é para eu ficar por lá, pois se voltar vou ter que morar com ele na canoa?, comenta.
Catarinas
Há 12 anos, Laci Lamor de Borba deixou Santa Catarina e veio morar em Ipanema. Ela investiu R$ 10 mil na casa de material, que hoje transformou em uma peixaria. Laci e o marido trabalham o ano todo fornecendo produtos para um comprador em Guaratuba. Ela diz que não tem para onde ir, mas tem esperança que a Prefeitura irá ajudar os pescadores. ?Se não tiver outro jeito, vou sair. Sei que não será melhor, mas se eles derem amparo e organizarem os pescadores, o problema será amenizado?, avalia.
Nem tão conformados estão Marcos Paulo da Rocha e Priscila Guedes, que moram em Ipanema há 2 anos. Eles também vieram de Santa Catarina e afirmam que estão ocupando uma casa que foi deixada por um parente, que estava há 15 anos no local. ?Acho que tão mexendo com a gente só porque somos pobres. Quero ver eles tirarem as casonas que estão em Praia de Leste?, declara Marcos. Ele também reclamou da abordagem feita no dia que receberam as notificações. ?A Polícia Federal desceu armada e os turistas ficaram olhando. Aqui não tem bandido, é tudo trabalhador?, protesta.
Despejados há três anos vivem em situação precária
Em meados de 2002, uma ação do Patrimônio da União também retirou cerca de 20 famílias que moravam na beira-mar em Matinhos. As famílias receberam da Prefeitura um terreno para construir uma nova casa. Três anos depois, muitos não conseguiram se reerguer, e vivem em condições precárias na chamada Vila dos Pescadores. Outros venderam os imóveis e deixaram a cidade.
O cuidador de carros Jorge Mansur Centeno lembra muito bem daquela manhã de 8 de junho, quando os policiais chegaram batendo nas portas e derrubando tudo com tratores. ?Eu tinha quatro quartos e vivia de aluguel. Hoje moro em uma de um cômodo só, que construí com o que sobrou da demolição?, conta. Ele diz que desde aquela época sua situação ficou muito pior.
A ambulante Maria Gorete Machado faz a mesma reclamação. ?A Prefeitura deu esse terreno, que era um matagal cheio de árvores. A gente teve que desbravar a área para poder colocar a casa?, relata, acrescentando que só após dois meses é que conseguiu se mudar. Os dois moradores contam que a grande maioria das famílias vendeu os lotes e foi embora da cidade. E foi de um primo desabrigado que Natália Oliveira comprou o terreno na Vila dos Pescadores. ?Eu vim de Curitiba porque aqui é mais tranqüilo e ele foi para o Mato Grosso?.
Já Divanira Januário está há mais tempo na vila. Ela foi retirada da beira da praia porque a casa estava ameaçada com as ressacas. Antes de ir para a casa pré-fabricada, que ganhou da Prefeitura, morou um ano em um ginásio de esportes. ?O local era horrível. Quando chovia, molhava tudo e os meus filhos pegaram pneumonia por dormir em colchão molhado?, recorda. Apesar da situação estar melhor agora, Dijanira ressalta que o loteamento não tem nenhuma infra-estrutura. ?Em frente à casa tem muito barro, e ao lado, tem um matagal de onde vem muitos bichos. Um dia até matei uma cobra na cozinha?, lembra. Como as casas foram construídas em cima de uma região que já foi uma espécie de aterro sanitário, freqüentemente Dijanira acha na terra material hospitalar e restos de utensílios domésticos.
Prefeitura promete encontrar local
A administração de Pontal do Paraná afirma que não será omissa nessa situação, e irá disponibilizar um local para assentar as famílias. Inicialmente irá concluir um cadastro dos moradores para identificar quem é pescador, para depois definir onde colocar essas pessoas. O secretário de Obras e Urbanismo, Aramis Calixto, diz que a idéia é realocar as famílias em uma área próxima para que a atividade pesqueira não seja inviabilizada. Ele diz que entre os pescadores existem muitas pessoas que estão apenas explorando comercialmente o local, e essas terão um tratamento diferenciado. Calixto afirma que as invasões na beira-mar são apenas uma das diversas ocupações irregulares que existem no município. ?Temos até pessoas que invadiram a beira do canal, mas tudo isso será resolvido com o tempo?, promete.
União alega que há exploração comercial na área
Segundo o gerente regional do Patrimônio da União no Estado do Paraná, Dinarte Antônio Vaz, não adianta os moradores reclamarem, ?pois mais cedo ou mais tarde terão que deixar as casas, que serão derrubadas?. Ele informou que até o mês de fevereiro as cerca de 100 famílias que moram na orla de Pontal do Paraná serão notificadas, e em março, começa a retirada definitiva.
Apesar do documento entregue em 22 de dezembro dar 15 dias ?irrevogáveis? para a saída das famílias, Vaz explica que o órgão resolveu esperar até que a Prefeitura defina um local para abrigar as pessoas. Além disso, ?uma ação dessas poderia não ser bem vista pelos veranistas?. A retirada das famílias é necessária, de acordo com o gerente, porque a área pertence a União e é de uso comum de todos as pessoas, portanto, não pode ser explorada.
Ele também cita que diversos proprietários de imóveis em frente à praia reclamaram da proliferação de casas na orla. Segundo Vaz, apesar do problema existir há anos, a medida foi tomada agora porque é durante a temporada que aumentam as invasões.
Mas o grande problema na região, afirma o gerente do Patrimônio da União, é a crescente exploração comercial. Ele estima que menos da metade dessas famílias são de pescadores, acrescentando que está ocorrendo um comércio ilegal de peixes. ?O pescador, quando vem do mar, vende rápido o que traz na canoa. Mas o que a gente observa é que tem peixe para vender no local o dia todo, e nós encontramos até congrio rosa, uma espécie que não é originária da região?, aponta.
De acordo com o gerente, a medida tem como intenção restabelecer a ordem no local e acabar com o comércio ilegal. Ele assegura que o órgão vai atuar em conjunto com o município no desenvolvimento de projetos que protejam os pescadores. Ele informa que está prevista a construção de uma peixaria comunitária e um local adequado para abrigar os equipamentos de trabalho, como barcos e redes.