A Campanha da Fraternidade deste ano, que será lançada no próximo dia 25, terá como tema central a segurança pública. Em entrevista a O Estado, o arcebispo metropolitano de Curitiba, dom Moacyr José Vitti, conta os motivos que levaram a igreja a escolher a criminalidade e a violência como discussões em 2009 e ainda fala a respeito dos desafios da igreja, considerando a perda de adeptos por conta de outras religiões e doutrinas. O arcebispo considera que a base para evitar problemas – sejam eles na segurança pública ou mesmo na questão da religiosidade – é a família.
O Estado – Quais os motivos que levaram a igreja à escolha do tema da Campanha da Fraternidade (CF) este ano?
Dom Moacyr Vitti – Esse tema foi escolhido depois de uma pesquisa no Brasil para saber quais os desafios que enfrentamos atualmente. O resultado foi a preocupação com a violência e o desemprego.
Diariamente, vemos fatos marcantes na nossa sociedade, consequências da violência. O que aconteceu com o casal que passeava em Caiobá, no litoral, é um exemplo.
Diante disso, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) achou por bem estabelecer a campanha tocando esse problema tão sério. É incrível a gente constatar quantas vidas são ceifadas pela violência. Com a campanha, queremos conscientizar as nossas autoridades e o povo. Todos devem cooperar para a melhoria dessa situação.
OE – Como a igreja pode contribuir com a diminuição da criminalidade e da violência?
DMV – Só o fato de a igreja organizar essa campanha já é uma grande contribuição para a sociedade. Nas celebrações, nas paróquias, nas comunidades, as pessoas podem dar sua contribuição para evitar a violência proveniente das drogas, da bebida, da miséria, da fome, da falta de educação, do abandono da saúde. A igreja tem como princípio fundamental a defesa da pessoa humana, da dignidade, e sobretudo obedecendo ao mandamento de Deus “não matarás”.
OE – Além da conscientização e da sensibilização, quais as medidas práticas que a igreja pode adotar – ou vem adotando – para amenizar a situação da violência?
DMV – O trabalho da Pastoral Carcerária nas prisões, por exemplo. Um trabalho que procura educar os que estão presos, para que tenham alguma conversão.
OE – Qual a grande preocupação da igreja nos dias de hoje?
DMV – A família. A maior parte dos casos de violência se deve à desestruturação da família. O abandono dos filhos, que vão procurar as drogas e, como consequência, vem a violência.
OE – Sabemos que a igreja vem enfrentando vários problemas, como a “fuga” de adeptos que acabam procurando outras religiões ou doutrinas – até pelo crescimento das igrejas evangélicas em todo o Brasil – ou ainda a falta de padres. O que a igreja está fazendo para resolver esses problemas?
DMV – Não há dúvida que a falta de padres está grande, proporcionalmente à população. Infelizmente os contra-valores que estamos vivendo na sociedade criam a dificuldade para despertar jovens para a função sacerdotal. Mas aqui em Curitiba nossa arquidiocese foi privilegiada nos últimos anos. No ano passado, em fevereiro, eu ordenei oito padres diocesanos, o que é expressivo. Este ano já ordenei um e vou ordenar mais três. Temos o número de padres suficiente para responder à nossa necessidade.
OE – Por que faltam padres? Seria pela falta de interesse dos jovens na vida sacerdotal?
DMV – A desestruturação da família leva a isso. Onde uma família é bem unida, vive bem a fé cristã, cria-se um ambiente propício para surgir uma vocação sacerdotal. Agora, onde a família é desunida, onde não existe amor, é claro que é um ambiente muito difícil para isso.
OE – Ainda em relação à cultura da paz, a igreja considera o aborto como uma das piores formas de violência. O assunto &e,acute; polêmico. Como estão as discussões sobre esse tema? A igreja poderia repensar suas concepções? E as células-tronco, como estão as discussões?
DMV – Com relação ao aborto, a igreja mantém o seu princípio de defesa da vida. Existe o mandamento de Deus “não matarás”, e todo aborto é tirar a vida de uma pessoa. Sobre as células-tronco, os princípios éticos da igreja não mudam. Existe uma equipe internacional que faz estudos sobre isso. Não há provas, ainda, de que essas experiências possam trazer cura. Pelo contrário, já aconteceram consequências negativas dessas experiências.
OE – E os métodos de concepção in vitro ou todos aqueles que são de reprodução assistida? Como a igreja vem avaliando isso nos últimos anos?
DMV – Penso que, se os métodos forem desenvolvidos dentro da ética do casal, é claro que a igreja aceita. Mas é preciso respeitar os direitos sagrados do matrimônio.
OE – Com relação aos contraceptivos, a igreja sempre manteve sua postura radical contrária. Mas sabemos que a proliferação de doenças sexualmente transmissíveis é grande. Como a igreja vê esse impasse?
DMV – A igreja é muito prudente, ela vai com calma, estudando devagar. Mas ainda o posicionamento é contra. Sobre as doenças, a posição da igreja é sempre prevenir antes. Não há dúvida de que, quando existe a perversidade, a imoralidade, as doenças aparecem. A igreja procura prevenir através da sacralidade do casamento, procurando preparar os jovens para manterem a dignidade antes do matrimônio.
OE – Qual o maior desafio da igreja daqui para a frente?
DMV – O maior desafio é fazer com que Jesus Cristo seja mais conhecido e mais vivido, pois poucas pessoas o conhecem. Jesus Cristo veio para estabelecer o reino do amor, da fraternidade, da justiça, da solidariedade. E a igreja tem que mostrar ao mundo todo o caminho para essa transformação e que, para que de fato o reino de Deus aconteça, é preciso a presença de Cristo no coração das pessoas.
OE – Qual a sua opinião sobre as religiões cristãs, mas não católicas?
DMV – Quanto a isso precisamos distinguir bem quais são as igrejas cristãs sérias, históricas. Claro que há igrejas não católicas muito positivas, que fazem um trabalho apreciado. Mas infelizmente há seitas pouco religiosas que mais exploram as pessoas do que propriamente anunciam Cristo. E o pior é que algumas usam o nome de Cristo para os próprios interesses. A grande preocupação da igreja hoje é o ecumenismo; temos procurado fazer essa aproximação.