Falta de recursos provoca concentração de pacientes

Os hospitais de Curitiba estão fazendo um número de internações acima do índice de 30% reservado para pacientes de outros municípios do Estado. De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde (SMSA), o índice já chega a 42%. No período de janeiro a abril de 2003, foram registrados 1.153 atendimentos a pacientes de fora da capital. No mesmo período desse ano, esse número saltou para 3.180 casos.

A solicitação de leitos para a central da SMSA também mostra o crescimento na internação de pacientes de fora de Curitiba. De acordo com a Secretaria, na última segunda-feira, foram feitas doze solicitações de leito, sendo oito de Matinhos, duas de Paranaguá, uma de Araucária e outra da Lapa.

Esses números demonstram apenas uma parte do problema no sistema de saúde do Estado e do País. O fechamento de leitos do Sistema Único de Saúde (SUS), a desorganização do sistema, o descaso com a administração do dinheiro, brigas políticas e outros pontos são algumas das causas desse impasse.

O panorama se agravou nas últimas semanas, com a confusão envolvendo os planos e seguros de saúde. Muitas pessoas que eram assistidas pelos planos deixaram essa alternativa para enfrentar a fila de espera por um atendimento pelo SUS. A SMSA não soube precisar em números, mas informou que ocorreu um aumento nesses casos.

Todas essas dificuldades geram polêmica e uma extensa discussão dos governos municipais e estaduais, para tentar buscar alternativas. Doze cidades do Paraná estão sob gestão plena de saúde (Curitiba, Maringá, Londrina, Dois Vizinhos, Pato Branco, Francisco Beltrão, Foz do Iguaçu, Terra Boa, São Jorge do Patrocínio, Umuarama, Mandaguari e Apucarana), ou seja, recebem recursos diretamente do governo federal. Essas cidades são pólos regionais e acabam absorvendo um contingente de pacientes de outros municípios em busca de atendimento de alta complexidade. Os demais 387 municípios recebem o dinheiro que o Ministério da Saúde (MS) repassa para o Estado.

Em abril, a Secretaria Estadual de Saúde (Sesa) estipulou o repasse financeiro às instituições, determinado pelo número de atendimentos ao mês. A decisão causou dificuldades em várias unidades do Estado, que alegaram realizar um número maior de atendimentos do que o recurso cobria. Algumas encaminharam pacientes para as cidades de gestão plena, causando uma sobrecarga.

Segundo Gilberto Martins, diretor dos sistemas de saúde da Sesa, o passo fundamental seria a organização do sistema como um todo. Para ele, as normas operacionais do SUS como conceito teórico são reconhecidas como das mais bem estruturadas do mundo. O que falta, segundo ele, seria um salto de qualidade – além de implementar o que está na lei: “Não seria necessariamente mais dinheiro. O negócio seria organizar o fluxo do sistema”, afirma.

Gilberto cita exemplos como unidades de oncologia (tratamento de câncer) e UTIs neonatais. Ele explica que é necessária a criação de pólos onde essas unidades estariam instaladas. O diretor acredita que não é preciso criar um sistema especializado em todos os hospitais do Estado, pois isso requer uma grande quantidade de recursos: “Se tivermos uma gama enorme de instituições querendo prestar serviços, não haverá dinheiro suficiente. A oferta acaba se tornando maior do que a procura. Acaba virando um comércio, com concorrência e tudo”, diz.

Recursos

Os recursos do SUS repassados ao Estado este ano ficam em torno de R$ 60 milhões. Desse total, aproximadamente 26 milhões foram encaminhados aos 386 municípios sem gestão plena. Os R$ 30 milhões restantes foram divididos entre os 13 municípios de gestão. “O volume por mês é bem razoável. O problema é que são muitas instituições. Tem municípios de 24 mil habitantes com três hospitais oferecendo o mesmo serviço e partilhando do mesmo recurso”, lembrou. “Temos que observar o problema sob a ótica da necessidade do paciente, e não de quem está prestando o serviço”, conclui.

Redução do SUS e planos de saúde elevam demanda

De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde (Sesa), existem no Paraná 511 hospitais. São 469 os que prestam atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), contra 42 descredenciados. Em abril, quando dez instituições se retiraram do SUS, o movimento foi removido para os maiores hospitais da capital. Na época, a SMSA informou que todo o contingente foi atendido, e que o panorama estava normal.

No momento, porém, conforme relata a secretária municipal Edimara Sait, a situação está complicada. Ela informou que o volume de pacientes buscando atendimentos nas instituições de Curitiba está grande. Uma das razões para esse impacto seria a procura das pessoas que eram assistidas pelos planos e seguros de saúde. “Sem dúvida, com toda a questão das mensalidades, muitas pessoas preferiram deixar os planos e passarem a ser atendidas pelo SUS. Mas isso acaba gerando mais pressão no sistema”, diz.

Edimara informou ainda que, além dos atendimentos, o número de leitos e a manutenção dos equipamentos também requer uma adequação financeira. “São serviços essenciais que demandam um gasto. Não podemos prestar atendimento sem uma estrutura de qualidade. E isso acaba reduzindo os recursos”, ressalta.

Edimara contou que participou de um encontro com o ministro da Saúde, Humberto Costa, na última segunda-feira, quando ele esteve na capital, e que também conversou com o governo do Estado sobre a situação de Curitiba. “A grande maioria dos municípios com gestão plena estão em situação crítica, com uma sobrecarga nas instituições. Em Londrina e Maringá o caso não é diferente. Uma das alternativas seria otimizar o sistema”, disse.

O secretário municipal de Saúde de Maringá, Paulo Mathias, concordou que a situação nas instituições é crônica, e que precisa passar por uma reformulação. “Em muitos casos, falta espaço inclusive para pacientes de Maringá, que tinham que ser transferidos para outras cidades por causa do excesso de pacientes da região, que vinham se internar”, explica. Segundo o secretário, o repasse feito pelo SUS é de R$ 2,6 milhões por mês. Mas ele afirma que seria preciso R$ 3,2 milhões para que todos os atendimentos fossem prestados sem déficit.

Dívida

As instituições de Maringá cobrem cinco regionais do Paraná, num total de 1,6 milhão de habitantes. A dívida com as instituições chega a R$ 6 milhões. “Falta recurso para cobrir essas despesas. O número de atendimentos supera o limite financeiro repassado pelo SUS, e mesmo assim continuamos com os serviços”, contou.

Paulo referiu-se ainda ao Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – Samu -, que deve ser implantado ainda este ano na cidade, e acredita que a ação já demonstra uma melhora na região. “Curitiba e outros municípios já estão à frente, com o Samu implantado. Mas, com essa novidade, o panorama começa a melhorar. Já é um diferencial de qualidade nos atendimentos, já é um começo”, reconhece. (RCJ)

Contrato mensal é alternativa para o HC

Com 2 mil atendimentos registrados por mês, o Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba, tem tido sérias dificuldades para atender à grande quantidade de pacientes que procura a instituição. De acordo com o diretor da instituição, Giovani Loddo, nos últimos dois anos, a procura vem aumentando.

O quadro se agravou quando algumas instituições se descredenciaram do SUS no início do ano. Todo o contingente desses locais foram removidos para aqueles que continuaram prestando os atendimentos. Um desse casos ocorreu no Hospital Nossa Senhora das Graças, no bairro Mercês, em Curitiba, em abril. Na época, a instituição já era a décima a deixar de atender pelo SUS.

Giovani concorda com o discurso da Sesa, de que o sistema tem que ser organizado. Ele destaca que desde os primeiros procedimentos até os mais complexos, toda a estrutura deveria ser revista. Casos de saúde mais simples poderiam ser solucionados nas unidades de saúde 24 horas, considera o diretor: “Dessa maneira, seriam evitadas as filas que se formam nos hospitais. Procedimentos simples podem ser resolvidos nos postos, e os casos que precisam de um atendimento especializado teriam preferência de internação nas instituições”.

Giovani explica que estruturar o sistema já implantado é um procedimento lento, e requer um trabalho em conjunto com a prefeitura e o governo, hierarquizando o que já existe e exigindo uma infra-estrutura maior. A pressão no HC aconteceu principalmente nos serviços de oncologia e hematologia: “Os casos de urgência são atendidos, é o nosso trabalho. Mas trabalhamos com o espaço físico e com o teto financeiro no limite”, destaca.

O HC é referência em acompanhamento de gestação de alto risco. A cota realizada pela instituição era de 250 atendimentos por mês, mas foi ultrapassada e já chegou aos 400 atendimentos. E, mesmo fazendo todos os procedimentos, o valor repassado à instituição é referente aos 250 serviços. “O recurso em cada município tem de ser bem aplicado e administrado. Muitas vezes sai barato comprar ambulância e encaminhar para a capital, mas quem acaba pagando pelo atendimento é Curitiba. Isso tem que ser revisto, reavaliado e reorganizado”, observa.

Uma das alternativas para reduzir o problema, que está sendo elaborada pelo Ministério da Saúde (MS) e o Ministério da Educação (MEC) para as instituições ligadas às universidades seria um contrato global. Giovani informou que esse contrato seria feito em parceria com várias fontes públicas, e garantiria um valor global mensal a esses hospitais. “É necessário uma organização. O espaço e o teto foi extrapolado, e enquanto não estiver esgotado, acabamos trabalhando de graça. Esperamos que esse contrato seja elaborado o mais rápido possível”, conclui. (RCJ)

Situação nas Santas Casas chega a ser calamitosa

O caso das Santas Casas não é diferente das demais instituições. Os problemas e as limitações financeiras causaram o fechamento de uma unidade no litoral do Estado. No início do ano, outro hospital correu o risco de fechar as portas. A Santa Casa de Misericórdia de Paranaguá ainda está sob intervenção do Estado, e deve voltar a funcionar na próxima semana. No início de junho, a entidade parou os atendimentos por problemas financeiros. O hospital recebia R$ 120 mil por mês da Prefeitura Municipal, mas, com a falta do recurso, teve que ser fechada.

No final de janeiro, a Santa Casa de Misericórdia de Guaratuba também passou por problemas, acumulando uma dívida de R$ 100 mil. A instiuição recebia recursos por meio dos internamentos pelo SUS e por convênio com a Prefeitura. Segundo o presidente da Federação dos Hospitais do Paraná (Fehospar), José Francisco Schiavon, as instituições requerem alguns investimentos, embora isso dependa da representação do município. “São questões entre as entidades e os municípios. O pior é que quem perde é a população, que não é atendida, ou adquire um serviço sem qualidade”, comentou.

Um dos últimos problemas envolvendo instituições de saúde ocorreu também no litoral, dessa vez em Matinhos. O Hospital Nossa Senhora dos Navegantes ficou fechado por cinco dias, por causa da falta de recursos para manter os equipamentos e os salários dos médicos. O prefeito da cidade informou que dependia da liberação de uma suplementação orçamentária por parte da Câmara dos Vereadores para manter a instituição aberta. A maioria dos parlamentares votou contra a liberação, porque a representação municipal ainda não havia apresentado a prestação de contas sobre outros recursos. Para evitar o caos, o prefeito decretou calamidade pública e reabriu o hospital com dinheiro existente em caixa, e que não precisou passar pela votação dos vereadores.

Mais um

Outro caso ocorreu no Hospital São Judas Tadeu, o mais antigo da cidade de Rolândia, na região de Londrina, no Norte do Estado. A instituição não abriu na sexta-feira em virtude de problemas financeiros. O atendimento já estava suspenso para os adultos, e as crianças que dependiam do SUS tiveram que ser levadas para outras cidades. E assim se realimenta o ciclo. (RCJ)

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