Foto: Ciciro Back/O Estado |
Jurandir Virmond: ?É a mesma coisa que um divã de psicólogo?. continua após a publicidade |
Quase sempre alaranjado e com detalhes em preto, um táxi em nada lembra um confessionário. Tampouco os bancos do veículo têm qualquer semelhança com as poltronas de analista. No entanto, é apenas na aparência que as diferenças aparecem. Considerando tudo o que ouvem e vêem, os taxistas durante uma simples corrida extrapolam a tarefa de dirigir. Eles escutam de tudo, têm que dar conselhos e soluções aos problemas pessoais dos clientes, quando não presenciam situações que muitos duvidam.
?Uma vez, eu peguei um passageiro na frente de um estabelecimento, o qual ele tinha acabado de roubar. Ele entrou no táxi e me confessou: ?Olha, eu acabei de praticar um assalto, eu preciso sair daqui?. Ele me falou isso e ainda mostrou o maço de dinheiro. O que eu ia fazer? Tirei ele de lá. Ele foi conversando, naturalmente, o caminho todo?, conta a taxista Dóris Cordeiro, de 50 anos.
Fábio Alexandre/O Estado |
Dóris Cordeiro: ?Os clientes entram com vários problemas?. |
Dóris é uma das poucas mulheres a dirigir táxi em Curitiba. Ela está na profissão há 11 anos. Sendo mulher, as histórias que já viveu revelam um pouco no preconceito que ainda existe. ?Uma vez chamaram um táxi pela central e fui fazer a corrida. Peguei um rapaz numa empresa. Ele iria passar em casa para pegar seus pertences, pois ele estava se separando da esposa. Quando chegamos na casa, ele pediu para eu esperar, enquanto pegava as coisas. De repente, saiu a esposa dele e começou a agredir o rapaz e a mim. Ela pensou que eu era um caso do rapaz. Foi preciso até os vizinhos intervirem?, lembra Dóris.
Além de passar por essas situações – pouco comum a outras profissões -, os taxistas têm que se comportar, às vezes, como verdadeiros analistas. ?Os clientes entram com problemas de família, de emprego e pedem conselhos. Eu sempre respondo, principalmente quando o assunto é família. Eles começam a falar e confiam na gente. Não sei explicar porquê, mas acontece muito?, diz a taxista.
Ciciro Back/O Estado |
Eliseo de Souza: ?As pessoas falam de tudo, tem muita história?. |
Para Jurandir Virmond, de 50 anos, isso já faz parte do cotidiano. ?É a mesma coisa que um divã de um psicólogo. Escutamos muitas coisas e, como é confidencial, não posso nem contar?, afirma. Taxista há 16 anos, ele conta que o mais comum é as pessoas contarem suas vidas durante a corrida. O colega de Jurandir, Eliseo de Souza, de 47 anos, mais do que assumir o papel de psicólogo, já foi um verdadeiro anjo da guarda. ?As pessoas falam de tudo. Têm muita história curiosa. Eles abrem a caixa de ferramenta e lavam a roupa suja. Uma vez peguei um casal que já entrou no táxi brigando muito. O cidadão estava bêbado e a mulher dele estava com uma faca e tentou esfaqueá-lo. Tive que fazer todo um trabalho de convencimento. Fui tentando acalmar os dois até a casa deles. Ela tentava acertar ele e eu tinha que guiar o carro e ainda segurar a faca dela?, conta Eliseo.
O taxista ainda tenta entender e explicar essa situação. ?É muito antigo esse costume. Quando o passageiro te paga uma corrida, se acha um pouco dono e se sente em casa?, explica Eliseo.
?Existem várias situações que a gente encara no dia-a-dia. Tem mulher que está brava com o marido e desconta no motorista. Teve até um parto que um dia eu já tive que fazer no táxi. Uma vez tive que ir buscar uma senhora e o filho em um terreiro, passava da uma da manhã. Eles entraram no táxi e, de repente, no caminho, o rapaz recebeu uma entidade e queria me agarrar?, conta Laertes Rodrigues, de 59 anos, taxista há seis anos. ?Fazemos o papel de taxista, psicólogo, enfermeiro?, sentencia Júlio César Romano, taxista há 20 anos.
Carência, fetiche, exibicionismo ou apenas falta de alguém de confiança para simplesmente escutar os problemas. As psicólogas Denise dos Santos Campos e Andressa de Barros Cordeiro afirmam que são muitas as explicações para as situações pelas quais têm que passar os taxistas.
?Hoje em dia, a gente percebe que as pessoas estão muito carentes e facilmente desabafam. Elas não ignoram que tem outra pessoa ali, mas vêm nela uma possibilidade de alguém que a escute?, explica Denise. Andressa completa, dizendo que o fato de o taxista ser um estranho ajuda. ?Se você contar para um desconhecido não dá tempo de a pessoa te julgar. Por isso é mais fácil?, diz a psicóloga.
Sobre as situações de brigas e discussões dentro de um táxi, Denise afirma que ?às vezes as pessoas estão tão envolvidas na briga que fariam isso em qualquer lugar. Entra o fator passional: o casal não liga para quem está vendo?, completa Andressa.
No entanto, as psicólogas alertam: o fato de os taxistas estarem sempre escutando o problema dos outros não significa que eles estão sempre prontos a fazê-lo. ?Às vezes, a pessoa não está pronta para ouvir e acaba carregando o problema dos outros, sem saber como se livrar disso depois. Quando os problemas são muitos, seria mais saudável e produtivo procurar profissionais da saúde, o psicólogo ou o psiquiatra?, orienta Andressa.
Mas não é preciso se preocupar, pois desabafar é algo bastante comum. ?Todo mundo já passou por essa situação de dar uma desabafada com alguém que não conhece. Somente quando isso começa a virar rotina é que podemos considerar uma patologia?, conclui Denise.