Até uma década atrás, algumas das principais decisões políticas que afetavam o estado do Paraná aconteciam não no Palácio Iguaçu, sede oficial do governo estadual, localizado no Centro Cívico de Curitiba. Elas eram tomadas a alguns quilômetros de distância dali, mais precisamente no município de Pinhais, em meio à tranquilidade de uma das principais áreas de preservação ambiental da Região Metropolitana. Foi em 2010, último ano da gestão de Roberto Requião como mandatário, que a Granja do Canguiri deixou de ser a residência oficial do governador do estado.
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Desde então, o imóvel permaneceu desocupado na maior parte do tempo (era usado esporadicamente para reuniões) e foi alvo de especulações em torno de seu destino, sem que nenhuma decisão oficial fosse tomada. O ex-governador Beto Richa, que não quis se mudar para o local, chegou a tentar colocar o imóvel à venda, mas desistiu diante da repercussão negativa. Durante a campanha eleitoral, o atual governador Carlos Massa Ratinho Júnior (PSD) também prometeu negociar a propriedade, sob o argumento de acabar com “mordomias e desperdícios”. Também foi demovido da ideia.
Após dez anos, no último dia 28 de julho, enfim o local ganhou uma nova destinação. Ratinho Junior assinou um documento que formaliza a transferência do imóvel para a Secretaria de Educação e do Esporte, que será responsável por transformá-lo na Escola Agrícola 4.0. Trata-se de um projeto piloto que visa criar um espaço voltado à inovação e ao uso de tecnologias na agricultura familiar. A área de 27 mil metros quadrados funcionará como um laboratório e dará suporte às atividades do Colégio Estadual de Educação Profissional (CEEP) Newton Freire Maia, que fica próximo à propriedade.
Um dos envolvidos no projeto, o capitão Diego Nogueira, da Casa Militar, explica que o primeiro passo para a concretização do projeto é o Pense Agro, um hackathon online promovido pela Federação dos Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares do Estado do Paraná (Fetaep) em parceria com o governo estadual. Estudantes, professores e startups poderão participar, propondo soluções tecnológicas para o ensino profissionalizante e a agricultura familiar. “Ao invés de implantar algo de cima para baixo, vamos ouvir a comunidade de forma qualificada e colher sugestões de como podemos trabalhar a inovação e criar algo com vistas aos próximos dez, vinte, trinta anos”, afirma.
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Segundo Nogueira, o trabalho de coleta e análise das sugestões deve ser conduzido até o final do ano, visando à implantação do projeto em 2021. Além do ensino técnico, a Escola Agrícola 4.0 deverá servir também como apoio aos agricultores de toda a região, que compreende os municípios de Pinhais, Piraquara, Colombo e Quatro Barras. “É um projeto que visa aproveitar um espaço que estava sendo subutilizado, juntamente com a vocação para a agroecologia que já existe ali”, reforça Nogueira. Junto à granja funciona, desde 2005, o Centro Paranaense de Referência em Agroecologia, que promove ações de ensino, pesquisa e capacitação.
Campo de concentração
A história da Granja do Canguiri remete a quase um século de existência. Ela foi construída no final da década de 1930, durante a segunda gestão de Affonso Alves de Camargo como presidente do Paraná (cargo equivalente ao de governador à época). Segundo historiadores, o local funcionou como uma espécie de campo de concentração na década de 40, abrigando imigrantes japoneses, obrigados a manter uma distância de pelo menos 100 metros do mar por medida de segurança nacional.
No livro Ayumi – Caminhos Percorridos, os pesquisadores Claudio Seto e Maria Helena Uyeda relatam que um grupo de japoneses foi levado à Granja do Canguiri, onde, alguns anos antes, imigrantes orientais já haviam iniciado a produção agrícola. Com a Segunda Guerra Mundial, porém, os japoneses foram alojados em galpões-currais, submetidos a trabalhos forçados e expostos à humilhação pública. Em sua obra, Seto diz que não há muitas informações sobre a experiência, já que poucos se dispuseram a falar sobre o assunto. Eles teriam permanecido no local até o fim da guerra, em 1945.
Em 1964 foi construído na região o Parque de Exposições Agropecuárias Marechal Humberto Castelo Branco, que durante décadas abrigou os principais eventos do gênero no estado, como a Expotiba e a Feira Paraná. Com a criação da Bacia do Iraí e a construção de barragens para abastecimento de água, foram necessárias medidas de preservação ambiental, que inviabilizaram as exposições agropecuárias a partir de 1998. Em 2002, foi inaugurado no local o Parque da Ciência Newton Freire.
Centro de discussões políticas
Há registros do uso da residência oficial do governador na Granja do Canguiri na gestão de Paulo Pimentel, entre 1966 e 1971. Na biografia Paulo Pimentel, Momentos Decisivos, escrita pelo jornalista Hugo Sant’ana, o ex-governador relata um episódio ocorrido em 1969, quando o então presidente Arthur da Costa e Silva ficou três dias no Paraná, despachando no Palácio Iguaçu. Nesse período, Pimentel mudou-se para a Granja do Canguiri e cedeu sua casa para acomodar o presidente.
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Os ex-governadores Jaime Canet (1975-79) e José Richa (1983-86) também fizeram uso da residência oficial, mas foi Requião quem permaneceu por mais tempo, usando-a não apenas para moradia, mas também para encontros políticos. Ao assumir seu segundo mandato como governador, em 2003, mudou-se para o Canguiri e lá permaneceu até 2010, quando deixou o Executivo para concorrer ao Senado. Costumava receber na residência, para almoços e jantares, deputados, prefeitos, governadores e até o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nas horas de lazer, gostava de cavalgar pela propriedade.
Quando Beto Richa assumiu o governo, em 2011, dispensou a residência oficial. Usava-a vez ou outra para reuniões. Em 2015, um projeto de lei enviado pelo Executivo à Assembleia Legislativa solicitava autorização para vender dezenas de imóveis, entre eles a Granja do Canguiri, avaliada à época em R$ 5,2 milhões. Na sequência, o imóvel foi retirado da lista, sob alegação de que a inclusão teria sido um erro. Não se falou mais no assunto.
Residência de veraneio, Ilha das Cobras também vai abrigar escola
Em uma ilha na Baía de Paranaguá está um outro imóvel, que no passado abrigou governadores em períodos de lazer, mas há anos se encontrava ocioso. A exemplo da Granja do Canguiri, a residência oficial de veraneio da Ilha das Cobras vai ganhar nova função, também se transformando em um espaço para ensino e profissionalização. A Escola do Mar, como foi batizado o projeto, será uma escola de gastronomia e hotelaria, voltada principalmente para a população do litoral.
Assim como a Granja do Canguiri, a residência da Ilha das Cobras deixou de ser utilizada após o governo de Roberto Requião. Seu sucessor, Beto Richa, se hospedou lá duas vezes em 2011 e, depois, manteve o local fechado. Em setembro de 2018, ainda na gestão de Cida Borghetti, a ilha foi transformada em unidade de conservação de proteção integral, nascendo assim o Parque Estadual Ilha das Cobras. Ali, já havia a intenção de usar o espaço para educação ambiental e pesquisa.
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Em dezembro do ano passado, governo estadual e União renovaram o contrato de cessão da área pelo período de 20 anos. No início do ano começaram as obras de reforma da casa de veraneio, a fim de transformar o imóvel em uma escola. Sebrae e Senac serão responsáveis pelos cursos, que deverão abordar gastronomia regional, turismo, hotelaria, aquicultura (produção de ostras, mariscos e camarão) e educação ambiental. Existe ainda a perspectiva de abrir a ilha para receber turistas e instalar no local um restaurante-escola, que servirá comidas típicas caiçaras. O governo estadual pretendia iniciar os cursos no primeiro semestre, mas com a pandemia do coronavírus, não há previsão para começar as atividades.
Com 52 hectares de área remanescente de Mata Atlântica, a Ilha das Cobras começou a ser utilizada em 1855, quando foi fundado no local o Lazareto da Ilha das Cobras, para onde eram enviadas pessoas suspeitas ou acometidas de febre amarela. Em 1937, o então presidente Getúlio Vargas mandou construir no local um presídio, para onde pretendia enviar o que denominava “caterva comunista”, contrária ao regime do Estado Novo. Mas o interventor do estado, Manoel Ribas, preferiu usar o local como reformatório para menores infratores, apelidado de “mansão do diabo”.
Em 2006, foi assinado o contrato de cessão de uso gratuito entre a União e o governo do Paraná, transformando a ilha em base de apoio aos portos de Paranaguá e Antonina. Ao mesmo tempo, era usada pelo então governador Roberto Requião como residência de veraneio. Até hoje, não é permitida a visitação pública.