Ex-funcionária denuncia esquema na PGE

Ao solicitar a abertura de uma sindicância interna para apurar por que cheques em nome da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) eram depositados na conta pessoal de uma funcionária da área administrativa, a procuradoria não imaginava a versão que a ex-assistente iria contar à polícia. Presa no último sábado (15), Jozani Prado Santos apresentou denúncias que, se comprovadas, podem comprometer toda a PGE – inclusive o procurador-geral do Estado, Sérgio Botto de Lacerda. Na versão contada a seu advogado, ela revela um suposto esquema milionário, comandado por procuradores fiscais e articulado para cobrar honorários advocatícios indevidos na quitação de dívidas atrasadas pelos contribuintes desde 2002.

A Procuradoria nega, mas, se realmente as cobranças foram feitas ilegalmente, quem quitou suas dívidas com o Estado nesse período poderá pedir na Justiça o ressarcimento dos valores referentes aos honorários – que em um só dia chegavam a somar cerca de R$ 1 milhão, segundo a ex-funcionária.

Com base no depoimento de Jozani, um novo inquérito foi instaurado para apurar a participação de procuradores e oficiais de Justiça no caso. O esquema funcionava assim: no caso de dívidas ativas (impostos vencidos), a Procuradoria só tem o direito de receber honorários, previsto em lei, quando existe uma cobrança judicial sobre o contribuinte. Antes de ir parar na Procuradoria Fiscal, no entanto, tal processo não existe, estando ainda em trâmite administrativo. Com isso, o acerto de contas não inclui os honorários, que só entram em cena quando a procuradoria também entra. ?Mas o que eles faziam era uma cobrança amigável no caso de dívidas não ajuizadas, cobrando 10% em cima da dívida. A exigência era por pagamento em dinheiro e à vista?, conta o advogado de Jozani, Dálio Zippin, citando a versão apresentada pela cliente.

A exigência teria fundamento, segundo a versão de Jozani, a partir do momento em que o parcelamento da dívida só é possível quando existe a ação judicial. ?Por isso, uma das funções dela era tentar fazer com que os devedores pagassem em dinheiro, promovendo facilidades?, afirmou ainda o advogado, sobre o depoimento da ex-assistente. Quando isso não acontecia, no entanto, os cheques paravam na conta pessoal dela. ?Isso era feito a pedido de duas procuradoras do Estado. E a maior parte desse dinheiro não entrava na caixinha da associação (Associação dos Procuradores do Estado do Paraná). Era feita uma segunda caixa, que ia apenas para alguns procuradores fiscais?, afirma o advogado, com base nos relatos de Jozani. A caixinha do Estado a que ele se refere é o Fundo de Reoquipamento da Procuradoria de Justiça, regualamentado desde 2003, para onde é destinado cerca de 10% do valor dos honorários. O restante é dividido entre os 144 procuradores. A associação seria a responsável pela distribuição do dinheiro.

Envolvimento

Segundo Zippin, há uma série de recibos referentes aos pagamentos assinados por procuradores. E, conforme dita a lei, a fiscalização deveria ser feita pelo próprio procurador-geral do Estado, Sérgio Botto de Lacerda – que, assim como os demais procuradores, entra na partilha dos honorários. Isso significa que, mesmo sem ter conhecimento do esquema, o procurador recebia do dinheiro advindo de honorários – o qual, segundo a funcionária presa, foi em cerca de 90% recebido ilegalmente durante todos esses anos.

O advogado questiona ainda a legalidade da lei que permite pagar honorários à advocacia pública (n.º 14234 de 2003). ?É como chamar a polícia e ter de pagar pelo atendimento.? As pessoas que quitaram dívidas ativas no período citado devem ficar atentas. É o caso de Onir Braghini, da transportada Braghini Limitada, que quitou dívidas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em 2002. ?Parcelei a dívida e apresentei o recibo para fazer isso?, lembra. No caso dele, que não teve acesso à informação de sua dívida ter sido ou não homologada pelo juiz -o que só então justificaria os honorários -, vale pedir certidão das ações ajuizadas contra a empresa.

Associação desmente acusações

O presidente da Associação dos Procuradores do Estado do Paraná (Apep), Roland Hasson, diz que a funcionária presa não está falando a verdade. Segundo ele, os processos só chegam à Procuradoria no momento em que são ajuizadas as ações – e, nesse caso, a cobrança de honorários seria um direito da procuradoria. ?Ela (Jozani) tinha obrigação de emitir boleto para quando houvesse pagamento, de forma que o devedor o pagasse no banco. O que ela fazia era dizer que o sistema estava fora do ar. A pessoa deixava o cheque e pegava um recibo, sob promessa de que ela fecharia depois que o sistema retornasse?, afirma.

Foi quando o banco desconfiou dos cheques depositados em nome da funcionária e foi aberta a sindicância. De acordo com Hasson, a alegação de Jozani de que o devedor procurava a procuradoria após verificar suas dívidas da Receita Estadual não confere com a realidade. ?Se o contribuinte for à Procuradoria no momento em que o processo ainda é administrativo (ação ainda não ajuizada) – não existe nada, porque o Estado não toma conhecimento do mesmo senão depois de exaurido todo o procedimento administrativo.? Para ele, procuradores não participariam do esquema, uma vez que estariam desviando recursos deles mesmos. Hasson acredita que Jozani burlava a fiscalização da contabilidade. ?Se ela não emitia boletos e o contribuinte pagava diretamente a ela, nem o banco nem a Procuradoria poderiam ter controle sobre isso?, defende. Ele acredita que as acusações da ex-funcionária têm vistas à delação premiada. Os honorários legais, segundo Hasson, variam entre R$ 1,5 mil e R$ 2 mil mensais – diferente do que aponta Jozani, dizendo que o esquema aumentava a renda dos procuradores em até R$ 20 mil.

PGE

A PGE emitiu ontem nota oficial reafirmando que as denúncias de Jozani são falsas e ressaltando que foram os próprios procuradores os ?promoventes da investigação do esquema criado e executado pela denunciante e outros, a qual busca, só agora, vingar-se de uma instituição séria como a PGE?. A nota cita ainda que ?tais manifestações, claramente maliciosas, nem mesmo se prestam a servir de tese de defesa para a referida ex-funcionária. Tão logo procedeu-se a quebra judicial de seu sigilo bancário, houve a confissão levada a efeito em sedes administrativa e policial?. O procurador-geral do Estado, Sérgio Botto de Lacerda, foi procurado pela reportagem para comentar as denúncias, mas não foi encontrado.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo