Fugindo da escola

Evasão escolar traz graves consequências para o futuro

O aluno falta à escola uma vez, duas, três. A baixa frequência vai se intensificando, até que as ausências levam à reprovação, configurando abandono escolar. No ano letivo seguinte, o estudante está tão desmotivado que sequer faz a matrícula ­ aí se dá a evasão. Deixar de frequentar uma instituição de ensino e renunciar ao direito à educação é uma decisão que traz graves consequências futuras, como salários mais baixos e maior dependência de programas governamentais, aponta a promotora de justiça da Promotoria de Proteção à Educação do Ministério Público do Paraná (MP-PR), Hirmínia Dorigan de Matos Diniz.

O problema do abandono escolar tem seu ápice do final do Ensino Fundamental para o início do Ensino Médio. Em 2014, 3,8% dos estudantes matriculados no 9º ano do Ensino Fundamental da rede pública de Curitiba reprovaram por falta, enquanto que 7,5% dos matriculados no 1º ano do Ensino Médio perderam o ano por se ausentar da escola. A taxa de abandono geral do ensino fundamental, envolvendo todas as séries, ficou em 1,7%, e a do ensino médio, 6,4%.

O fato de a maioria dos alunos desistentes se concentrar no início do ensino médio se dá por um efeito progressivo, explica a promotora: “As próprias falhas do sistema de ensino, tanto o precedente, municipal, quanto o presente, o estadual, se somam e se potencializam. No ensino médio, o conteúdo é mais complexo, existem questões voltadas à personalidade e aceitação própria do aluno, e tudo isso se potencializa pelas falhas pedagógicas anteriores. Há um percentual elevado de semialfabetizados e de alfabetizados funcionais, que leem mas não têm capacidade de compreensão. Toda essa carga de não-aprendizado reverbera num índice maior de abandono e de evasão no ensino médio”.

Prevenção reduz problema

O problema da evasão atinge mais forte as escolas situadas em comunidades carentes, indica a diretora do Departamento de Ensino Fundamental da Secretaria Municipal da Educação, Leticia de Mara Meira. Para reduzir o abandono ainda no ensino fundamental, a rede municipal apostou na aproximação dos pais. “Quando a criança tem baixa frequência, contatamos a família, chamamos para reunião. Se ela continua faltando, notificamos o Conselho Tutelar através da Ficha de Comunicação do Aluno (FICA), e junto ao órgão vamos fazer a busca ativa dessa criança”, diz, citando os programas intersetoriais Abrace e Equidade, que envolvem também o MP-PR.

Para desenvolver o programa Equidade, a rede municipal selecionou, do total de 185 instituições, 48 escolas em comunidades com maior vulnerabilidade social. “Cada escola organizou um plano de metas e estabeleceu estratégias. Com a implantação de diferentes ações, conseguimos reduzir em 50% o nível de evasão no ensino fundamental de 2014 para 2015”, comemora a diretora. 

Programa na Itacelina Bittencourt foi criado no ano passado. Foto: Felipe Rosa. 

Escola criou o ‘faltômetro’

Na Escola Municipal Itacelina Bittencourt, no Guaíra, o programa Equidade foi implementado a partir de junho do ano passado, no fechamento do primeiro semestre. “Passamos a fazer um combinado com os professores: quando o aluno completava três faltas, eles comunicavam a diretoria e a gente fazia contato telefônico com os pais. Se o problema persistisse, convocávamos os responsáveis dos alunos que tinham acumulado mais de 30 faltas”, descreve a vice-diretora da instituição, Viviane Hoeldtke Ribas. Na reunião presencial, a direção explicava que o estudante poderia ser reprovado se at,ingisse 51 faltas, e que os pais poderiam ser acionados pelo Conselho Tutelar por negligência.

Dos 80 pais convocados no ano passado, 28 não compareceram. “A direção da escola, junto com o Conselho Tutelar, foi até a residência desses estudantes, andou na favela, procurando a criança que não estava vindo. Muitos retornaram, descobrimos que outros já tinham sido transferidos para outras escolas. Isso reduziu bastante o número de FICAs”, afirma Viviane. A escola implantou também o “faltômetro” nas salas de aula, uma lista com o nome de cada aluno e os número de 1 a 51. “Íamos marcando as faltas e sempre salientávamos que o estudante não podia chegar ao número 51”, conta. 

Quanto mais cedo, melhor

Para a promotora do Ministério Público do Paraná (MPPR) Hirmínia Dorigan de Matos Diniz, as políticas públicas para combater a evasão devem começar na educação infantil. Segundo ela, a deficiência de vagas nesse período escolar leva ao ápice do abandono, que ocorre no ensino médio. “No Brasil, há uma ausência de 59% de vagas para educação infantil. Apenas 41% das crianças dessa faixa etária têm vaga garantida. Quase 60% das crianças vão ter seu primeiro contato com a escola só no primeiro ano do ensino fundamental, quando começa a alfabetização, sem ter o estímulo prévio necessário”, explica.

De acordo com estudos da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Provinha Brasil, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), frequentar o ensino infantil faz com que a criança tenha resultados muito melhores em matemática e português no futuro, diz a promotora. “O grande erro está lá atrás, não só no momento da evasão, mas quando se negligencia o direito à educação quando a criança mais precisa. Temos que agir antes, e assegurar o direito de frequentar a educação infantil. Quando a criança chegar ao ensino fundamental, estará preparada e estimulada, inclusive neurologicamente, para aprendizados mais complexos”, diz, afirmando que o boom neurológico de um ser humano ocorre aos 4 anos de idade. 

Creches em obras

Segundo a Secretaria Municipal de Educação, a educação infantil de Curitiba tem uma fila de espera de 10 mil crianças. São atendidos 47 mil alunos, sendo que estudam em período integral 98,7% das crianças de 0 a 3 anos e 59,2% das crianças de 4 a 5 anos. Para atender à demanda da fila de espera, há 25 Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs) sendo viabilizados (três foram inaugurados em março, 13 devem ser inaugurados até o fim do primeiro semestre e nove estão em construção). 

Foto: Everson Bressan/SMCS

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