Um estudo internacional de pesquisa clínica relativo à doença glicosúria renal familiar, que conta com a participação de um médico endocrinologista de Curitiba, pode dar origem a uma nova droga voltada ao combate do diabetes tipo 2 (cujos pacientes não são dependentes de insulina). O medicamento, que está em fase de testes em pacientes voluntários, será mais um no arsenal terapêutico de controle da enfermidade e pode ser colocado no mercado dentro de um período mínimo estimado de cinco anos.
Há alguns anos, o médico endocrinologista pediátrico do Centro de Diabetes Curitiba (que funciona dentro do Hospital Nossa Senhora das Graças), Mauro Scharf, que também é responsável pela área de endocrinologia do laboratório Frischmann Aisengart/Dasa (Diagnósticos da América S/A), atendeu em seu consultório uma garota de sete anos portadora de glicosúria renal familiar.
“A glicosúria renal é uma doença hereditária, causada pela mutação de um gene. É extremamente rara – atualmente, existem apenas 25 casos descritos e comprovados no mundo – e faz com que os pacientes tenham perda de glicose pela urina, sem que haja elevação do açúcar no sangue, como acontece entre as pessoas que têm diabetes. Porém, não gera muito danos à saúde de seus portadores”, explica Scharf.
Devido à raridade do caso que tinha em mãos, o médico começou a realizar alguns estudos e a entrar em contato com profissionais estrangeiros que também atendiam pacientes com glicosúria renal. A partir daí, cada médico realizou a descrição da mutação causadora da doença em seus pacientes, sendo que a alteração relatada pelo brasileiro foi considerada inédita. Com base nas diversas descrições, entre elas a de Scharf, começaram a ser testadas duas drogas desenvolvidas para estimular a eliminação de açúcar pela urina em pacientes com diabetes.
“As drogas emitem a mutação da glicosúria renal familiar. Ao eliminar açúcar pela urina, como fazem as pessoas que têm glicosúria, pacientes com diabetes tipo 2 podem ser beneficiados, sendo reduzidos os níveis de glicemia no sangue”, comenta o endocrinologista. “O novo medicamento, se aprovado, não irá representar a cura do diabetes. Porém, será mais um a auxiliar no controle e no combate do mesmo.”
As duas drogas originadas das descrições das mutações estão sendo testadas em pacientes voluntários de diversos países do mundo. No Brasil, o início dos testes está em análise regulatória pelo Comitê Nacional de Ética em Pesquisas. Em todo mundo, cerca de mil pacientes com diabetes devem ser submetidos aos testes. Em julho do ano passado, um artigo de Mauro Scharf sobre a glicosúria renal familiar foi publicado na revista científica norte-americana Nephrology Dialysis Transplantation (NDT).
Treze milhões têm a doença
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Mauro Scharf é o endocrinologista paranaense que faz parte do estudo. |
Atualmente, em todo Brasil, cerca de 13 milhões de pessoas têm diabetes, sendo que muitas delas ainda não tiveram a doença diagnosticada. O diabetes tipo 1, de acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes, é uma doença autoimune, caracterizada pela destruição das células beta produtoras de insulina. É verificada em jovens e faz com que os pacientes sejam dependentes de insulina.
Já o diabetes tipo 2 costuma ser mais comum em pessoas com mais de 40 anos de idade e está bastante ligado à obesidade e ao sedentarismo, o que faz com que o tratamento en,volva dieta e exercícios físicos. O tipo 2 da doença tem fator hereditário maior do que o tipo 1 e não faz com que os pacientes sejam dependentes de insulina.
Para que o diabetes seja diagnosticado, de acordo com o endocrinologista Mauro Scharf, deve ser comprovado excesso de açúcar no sangue (glicemia em jejum acima de 126 mg/dl ou acima de 200 mg/dl sem a pessoa estar em jejum). Os sintomas clínicos do problema são excesso de urina, sede excessiva, emagrecimento (mesmo que a pessoa não modifique a alimentação) e visão turva.
“A prevenção do diabetes se faz através de uma alimentação equilibrada, prática de exercícios físicos e combate à obesidade, sendo que pessoas com histórico familiar da doença devem ficar mais atentas”, diz Mauro. “Se mal controlado ou não tratado de maneira adequada, o diabetes pode gerar perda de visão, amputações, problemas cardiovasculares e doenças renais.”
Processo pode levar 12 anos
O desenvolvimento de um novo medicamento, até sua comercialização, pode levar de dez a doze anos. O processo de elaboração de novas drogas, geralmente realizado pelas indústrias farmacêuticas, segue padrões internacionais e envolve uma série de fases, sendo a primeira a pré-clínica.
“Na pré-clínica, são realizados experimentos in vitro e em animais, dependendo de cada medicamento. Se os resultados forem favoráveis, começam a ser realizadas pesquisas clínicas com a participação de seres humanos. As mesmas acontecem em quatro fases”, informa o vice-coordenador do Comitê de Ética e Pesquisa e diretor do corpo clínico do Hospital de Clínicas (HC) de Curitiba, Flávio Telles.
A primeira fase das pesquisas clínicas com humanos envolve a participação de voluntários sadios e visa testar a toxicidade dos medicamentos. Na segunda fase, há a participação de voluntários doentes, portadores da enfermidade contra a qual o remédio deve vir a ser utilizado.
Os mesmos, geralmente, são do próprio país onde funciona a indústria farmacêutica que está realizando os trabalhos Na terceira fase, é utilizado um número bem maior de voluntários doentes, em diversos países do mundo. O objetivo é verificar a eficácia do novo medicamento. “Nesta fase, o tratamento padrão é comparado com o tratamento através do novo medicamento, sendo verificado se este apresenta vantagens. Médicos e pacientes, para não serem influenciados, não sabem quais os voluntários que estão recebendo o tratamento convencional e quais os que estão sendo submetidos ao novo.”
Finalizados os testes, os resultados dos mesmos são submetidos a autoridades regulatórias, que determinam se o medicamento pode ou não ser comercializado. Quando começa a comercialização, tem início a quarta fase, que tem cunho mais comercial e analisa, por exemplo, as vantagens econômicas do medicamento.
“A participação nos testes envolve voluntariedade e beneficência. Os pacientes voluntários recebem tratamento (remédios e exames) gratuito e, quando termina a pesquisa, continuam a contar com o novo medicamento até que o mesmo seja colocado no mercado. Já a instituição que participa da pesquisa deixa de gastar com a aquisição de medicamentos caros, pode receber equipamentos e ter equipes treinadas em determinadas áreas.”