Foto: Aliocha Maurício/O Estado |
Nelson Barreto: "O que a tecnologia faz é preencher o vácuo de bacharéis sem formação específica". continua após a publicidade |
A demanda do mercado de trabalho e a necessidade de focar a produção em determinadas áreas têm feito dos cursos tecnológicos nichos atraentes para quem vai cursar uma universidade. Eles têm passado por uma fase de solidificação em território nacional e, para quem entende do assunto, precisam ser desmistificados à sociedade como os famosos cursos rápidos. De acordo com profissionais da área, é necessário que se perceba a importância e a qualidade dos cursos tecnológicos dentro de suas características específicas, equiparadas à procura cada vez maior que vêm tendo no Brasil.
Antes de tudo, é preciso esclarecer: os cursos tecnológicos são de nível superior e conferem ao aluno titulação igual aos bacharelados – mais tradicionais e geralmente mais longos – e as licenciaturas – mais voltados a quem pretende seguir carreira pedagógica. "Enquanto os bacharelados abrangem as grandes áreas do conhecimento, na tecnologia foca-se em uma dessas áreas, transformando esse estudo, sem abandonar o cientificismo, em algo mais profissionalizante", diferencia o diretor geral do Instituto Politécnico do Paraná, Nelson Barreto. Mas o diploma de curso superior tem o mesmo valor para todos. "Implicam nas mesmas prerrogativas legais, tanto que, desde 2004, as instituições de ensino tecnológico têm de ter o nome faculdade."
O problema é que, para o diretor, a sociedade ainda associa os cursos tecnológicos à máxima da curta duração. "Têm menos tempo pela concentração da carga horária, já que possui o viés instrumentalista voltado à empregabilidade." Mas, conforme ressalta, as características são as mesmas de qualquer curso superior, ou seja, o formando pode cursar todo tipo de pós-graduação – seja especialização (lato sensu) ou mestrado e doutorado (stricto sensu) – e atuar no magistério superior. "O que a tecnologia faz é preencher o vácuo de muitos bacharéis que não saem com formação específica. Por isso estes geralmente acabam partindo para a especialização", exemplifica.
Mercado
Para o diretor do Instituto -que já opera cursos em Guarapuava e está em fase do primeiro processo seletivo para funcionar na capital -, o mercado está reconhecendo agora a necessidade dos tecnólogos, mas em um processo relativamente lento em relação a outros países. "Uma pesquisa contendo dados do Ministério da Educação (MEC) indica que, no Brasil, o universo de estudantes universitários no ensino tecnológico é de 6%, enquanto nos Estados Unidos este número é de 53% e na Europa, 50%", cita. "Além disso, o grande salto de desenvolvimento econômico de países como Coréia e China, na Ásia, foi em cima do ensino tecnológico", complementa.
Os tecnólogos devem ser vistos, acredita, como profissionais que complementam o papel dos bacharéis no mercado. "Nunca vai haver um engenheiro ou um administrador tecnólogo, mas sim gestores de uma área específica dentro dessas grandes áreas", enfoca. Entre as áreas de maior demanda pelas tecnologias estão as gestões – seja no foco das ciências humanas ou exatas -, agronegócio, informática e engenharias. "Mas abrange todas as áreas do conhecimento e vem atender a demandas de cada região. Oferta de empregos existe, mas é preciso gerar competências específicas para suprí-las."
UTFPR promete crescimento para 2006
A partir da transformação na primeira universidade tecnológica do País no Paraná, a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), o Estado prevê dar um salto no que diz respeito a essa modalidade de ensino. Mesmo quem faz um curso técnico profissionalizante, referente ao ensino médio, percebe que a formação é insuficiente para suprir mercados mais específicos e competitivos. "Hoje a universidade tem treze cursos técnicos – de ensino médio -, 33 tecnologias, 4 engenharias e 4 ciências", relata o pró-reitor de graduação, Carlos Eduardo Cantarelli. A perspectiva, porém, é de expansão dos cursos de engenharia para o interior do Estado, e investimento nos mestrados e doutorados.
Dentro desse universo, a perspectiva é analisar as especificidades de cada localidade onde se insere a universidade. "Os cursos são pensados dentro das necessidades do desenvolvimento regional e industrial. Por isso, no interior temos mais cursos voltados ao setor agrícola, enquanto em Curitiba o foco é a indústria", separa. "São cursos que se moldam à demanda, ou seja, quando uma certa área se esgota, são reavaliados e adaptados às novas necessidades. No ano que vem, faremos uma reavaliação dos cursos da universidade e reestudaremos os projetos", adianta.
A diferença fundamental da elevação da categoria para universidade é que, agora, os diplomas são emitidos pela própria instituição e é possível angariar recursos voltados às universidades, como fundos de fomento e pesquisa. "Como é a primeira, acreditamos que será rede de referência para outros Cefets em todo o Brasil que pretendem se transformar em universidades. Muitos estão se encaminhando para isso." Outro destaque do pró-reitor é a representatividade dentro do ensino público. "Estamos surgindo como a segunda universidade federal do Estado, o que significa cinco mil vagas universitárias públicas no Paraná", acredita. (LM)
Seguindo tendência de países da Europa e América do Norte
O ensino tecnológico no Brasil segue tendência que se repete em países da Europa Ocidental e da América do Norte. É o que verifica o coordenador geral de Supervisão de Gestão das Instituições Federais de Ensino Profissional e Tecnológico do Ministério da Educação (MEC), Gleison Cardoso Robin. "Há um crescimento mais acelerado nas matrículas em cursos tecnológicos do que nas engenharias e licenciaturas, especificamente", analisa. Mas o dado que surpreende é que, na soma de todas as matrículas em cursos de graduação no Brasil, o crescimento é quase duas vezes maior nos tecnológicos do que nos bacharelados e licenciaturas.
Mas, afinal, o que explica um crescimento tão grande de alunos, e uma representatividade ainda pequena em relação a outros países? Para o coordenador, o fato de o Brasil ter ainda menos de 10% de seus estudantes cursando graduações tecnológicas, contra números na casa dos 53% e 50%, nos EUA e Europa, respectivamente, se dá por ser essa expansão um processo recente por aqui. "Em países como EUA, Alemanha e França, por exemplo, a formação tecnológica vem sendo oferecida de forma ampla há muitos anos. No Brasil, isso se intensificou nos últimos dez anos", avalia. "Ainda representa um percentual tímido, mas o crescimento das matrículas tem sido extremamente mais elevado que nos cursos tradicionais. O último apontamento do censo escolar mostrava crescimento de 47% ao ano nos cursos de tecnologia contra 16% nos outros."
Previsões
Robin adianta que o governo pretende ampliar no ano que vem o número de instituições de ensino tencológico. "Prevemos 25 novas unidades, representando um crescimento de quase 20% em número de unidades de ensino." Uma delas deve contemplar a cidade de Londrina, no Norte do Estado, sendo vinculada à UTFPR. "O projeto pedagógico ainda está sendo construído, mas será voltada às demandas locais e regionais", antecipa. (LM)
Expansão nos próximos anos
O mito de que os tecnólogos não podiam cursar mestrados ou doutorados, porque tinham formação precária, vinha do preconceito pelo tempo menor que os cursos demandam. Mas, segundo o coordenador do MEC Gleison Robin, o aluno que hoje se sentir prejudicado em ter acesso à pós-graduação tem meios de buscar defender seus direitos. "O requisito é ser graduado, o que se aplica aos tecnólogos", afirma.
Tanto que os mestrados tecnológicos devem se expandir no Brasil nos próximos anos. Neles, a carga horária é semelhante aos cursos de mestrado tradicionais e é preciso defender uma dissertação do mesmo jeito. "Mas a diferença é que têm como linha de pesquisa uma das áreas trabalhadas nos cursos superiores de tecnologia; é uma pesquisa aplicada, vinculada a um processo produtivo ou de desenvolvimento tecnológico", explica. O que não impede, porém, que um bacharel opte por esse tipo de curso.
No Brasil, por hora, os mestrados tecnológicos estão mais restritos às áreas de Automação Industrial, Engenharia de Produção, Telecomunicações e Informática de modo geral. "Mas não vejo nada que barre o crescimento do setor como um todo no País, como apontam as tendências", prevê Robin. (LM)
Cursos para suprir áreas específicas
Os novos cursos tecnológicos, prometidos para entrar em território nacional, buscam suprir áreas bastante específicas de cada região, focados em demandas do setor produtivo, a que dificilmente cursos mais amplos conseguiriam responder. Um exemplo é o que deve começar a funcionar em breve na cidade de Ouro Preto, Minas Gerais. "Lá está sendo implantando o curso superior de tecnologia de Conservação e Restauração de Imóveis. Vai agregar conhecimentos de detrografia – estudo dos fósseis que têm composição orgânica -; arquivologia, história medieval e da arte sacra, modelagem, maquetes, pintura. Como poderia ter uma formação dessa na universidade? A pessoa teria de fazer uma série de cursos", explica o coordenador geral de Supervisão de Gestão das Instituições Federais de Ensino Profissional e Tecnológico do MEC, Gleison Cardoso Robin.
Como o País é também um dos maiores produtores de café do mundo, o Estado de Minas Gerais abriga ainda dois cursos superiores tecnológicos em Cafeicultura. As idéias poderiam muito bem ser repercutidas no Paraná, que tem nos dois produtos, focos importantes de sua economia. Por enquanto, o Estado se destaca pelo curso tecnológico de Manutenção de Aeronaves, na Universidade Tuiuti do Paraná, em Curitiba. "O Brasil tem volume de tráfego aéreo entre os maiores do mundo", lembra. (LM)