Desde que entrou em vigor, no dia 1.º de janeiro, o Estatuto do Idoso despertou a sociedade para uma ampla discussão a fim de obter mais dignidade e respeito, agora amparados por lei, aos brasileiros acima de 60 anos. Entidades assistenciais, Organizações Não-Governamentais envolvidas no segmento (ambas lutam pelos velhinhos não esclarecidos), idosos conscientes de seu valor cívico e social, além de empresas e órgãos públicos, enfim, todos precisam debater o tema, aparar as arestas, colocar em prática as obrigações da lei e oferecer uma ampla e irrestrita melhoria de vida aos senhores e senhoras, aproximadamente 9% da população brasileira.
Nesta série de reportagens – hoje e no próximo domingo -, vamos abordar esses diversos aspectos do já controverso Estatuto do Idoso. Saúde, integridade física, transporte, moradias em casas particulares ou casas de saúde, e respeito geral, psicológico e social, precisam ser discutidos à exaustão, e implementados imediatamente.
Um item problemático e que desperta uma polêmica aparentemente sem solução: os planos de saúde. Com o advento do estatuto, as empresas desse setor não podem reajustar as mensalidades para usuários acima de 60 anos em função da mudança de grupo de idade. De acordo com as empresas, os custos mais altos dos idosos serão repassados entre os clientes mais novos, estes, obviamente serão idosos um dia, e irão entrar num ciclo mais justo e adequado a todas as camadas.
A advogada Danielle Pamplona, especialista em direitos dos idosos, concorda com a medida de não aumentar o preço para os mais velhos. ?Acho que todo mundo tem que concordar com isso. Eles já pagaram a vida inteira.? Mas prevê muitos problemas com os reajustes para os outros usuários. ?Além de mexer com o bolso, o aumento é uma lógica do mercado porque os planos de saúde também não querem perder receita?, comenta Danielle. ?Não há nada que proíba as administradoras a adotarem essa medida?, declara Elizandra Pareja, advogada da Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon).
?O Estatuto só descreve que não pode haver discriminação por valores diferenciados?, revela a integrante do Procon. As dúvidas só vão diminuir em março, quando a Agência Nacional de Saúde (ANS) promove a regulamentação da Lei 9656/98, que trata dos planos de saúde.
Um outro ponto que ainda espera definição é a mudança das faixas etárias. Na antiga lei, os segurados eram divididos em seis blocos. Na regulamentação, dez divisões poderão ser criadas: 0 a 19 anos, 20 a 24, 25 a 29, 30 a 34, 35 a 39, 40 a 44, 45 a 49, 50 a 54, 55 a 59 e acima de 60.
Danielle Pamplona conta que o valor a ser pago pelos outros clientes não vai significar mensalidades mais baratas quando chegar aos 60 anos. Dados do Procon indicam que, na tabela atual, a diferença entre a primeira (0 a 17 anos) e a última divisão (acima de 70) chega a 500%. Pela nova tabela, essa diferença será mantida entre os usuários da primeira faixa e da última. ?O jovem vai pagar agora e, quando estiver na velhice, vai continuar pagando um valor acima do aceitável?, acredita.Alguns pontos da lei, porém, já estão certos e Elizandra faz um alerta. O idoso estará isento do aumento pela idade, mas não do reajuste anual, que se estende a todos os segurados.
Os contratos anteriores a 1998 não estão protegidos por essa nova determinação, o que significa aumento na última faixa etária. Assim, as administradoras serão obrigadas a oferecer a estes clientes antigos, duas opções para o ajuste à lei: a adaptação ou migração de contrato. Na primeira, o segurado poderá fazer alterações em alguns pontos do plano e não existirá carência. Na migração, haverá um novo acordo, no qual a carência será exigida. ?O mais recomendado é fazer a adaptação?, orienta Elizandra. ?Mas nenhum cliente será obrigado a se encaixar nestes ajustes?, ressalta.
O que se espera é que a fiscalização do cumprimento dessas normas nos planos de saúde seja rigorosa por parte dos órgãos de defesa do consumidor e da ANS.
Nunca abandone um idoso de sua família
O abandono é um dos grandes problemas dos idosos que estão instalados em casas de repouso e asilos. Com o estatuto, quem deixar de prestar assistência ou abandonar os mais velhos pode ser punido inclusive com prisão.
A nova lei foi muito comemorada pela irmã Iracema Ferranti, diretora do Asilo São Vicente de Paula – que atende somente mulheres -, no bairro Juvevê, em Curitiba.
?Infelizmente, as pessoas só acordam quando são ameaçadas?, afirma. Ela conta que, das 147 internas, somente 50 tem contato com os familiares. ?Elas gostam muito de visitas porque não têm esse contato de carinho?, explica. ?As suas famílias são a própria sociedade.?
A diretora também lembra das promessas não cumpridas feitas pelos familiares. ?Uma filha falou para a mãe que a levaria para almoçar no Natal. Isso gerou uma ansiedade enorme, que acabou em decepção porque a filha não apareceu.?
As senhoras, às vezes, apresentam doenças motivadas pela rejeição. ?Elas ficam doentes por causa disso e, em muitos casos, precisam de medicamentos, o que não é certo?, comenta a diretora.
Benefícios
A irmã Iracema acredita que o Estatuto do Idoso só vai trazer benefícios quando a sociedade realmente se engajar na causa. ?Há um despreparo enorme no cuidado aos velhinhos. É preciso mudar a mentalidade da população. Nem nos ônibus os lugares destinados aos idosos são respeitados?, ressalta. ?Será uma ótima contribuição para se refletir sobre o envelhecimento.?
O asilo São Vicente de Paulo, fundado há 78 anos, recebe verbas dos governos estadual e municipal, mas as doações são a principal fonte de renda, cerca 60% do total. Quem quiser ajudar a instituição pode doar alimentos, medicamentos, artigos de limpeza e higiene, roupas e material de construção, já que o asilo está passando por reformas. As visitas acontecem aos sábados e domingos, das 14h às 16h. Mais informações pelo telefone (41) 252-4862. (JC)
Filhos são responsáveis pelos pais
O Estatuto do Idoso preserva, acima de tudo, a integridade física e psicológica do idoso. A advogada Danielle Pamplona destaca o abandono como um dos principais itens da nova medida. ?A família pode até colocar em uma casa de repouso com todas as condições e pagar regularmente, mas a partir do momento que deixa de visitar o idoso, é considerado abandono?, conta. ?Ele não vai estar psicologicamente assistido?, revela.
O primeiro caso nessa área, registrado no País depois da implantação do Estatuto do Idoso é de um lavador de Minas Gerais que não alimentava nem dava banho em sua mãe, de 73 anos, durante quase um mês. Devido à saúde fragilizada, ela foi encaminhada inconsciente e em estado grave para o hospital, mas não resistiu e faleceu na última segunda-feira. O filho está respondendo o processo por negligência em liberdade.
De acordo com Danielle, a responsabilidade de fiscalizar o cumprimento da lei é de toda a população. ?Isto porque se parte do princípio que a família cuida de seus parentes idosos?, comenta. Aqueles que souberem de casos de maus tratos e outras infrações, devem denunciá-los para a polícia ou Ministério Público. Assim, os órgãos indicados podem aplicar penas que variam de multas à 3 anos de prisão, dependendo do crime.
Transporte grátis é importante
O Estatuto do Idoso também garante passagens intermunicipais e estaduais para os idosos com idade igual ou superior a 60 anos, que possuem renda mensal inferior a dois salários mínimos. As empresas são obrigadas a reservar duas vagas gratuitas por ônibus. Caso esse número seja preenchido, os idosos são beneficiados com descontos de pelo menos 50% na compra de bilhetes.
No início deste ano, muitos idosos foram até a rodoferroviária em busca dessas passagens, mas tiveram a recusa das empresas de ônibus. ?As empresas disseram que estão esperando o cadastramento dos idosos, mas enquanto isso não acontece, qualquer pessoa que comprovar a idade e a renda tem direito às passagens?, garante Elizandra, do Procon.
Na semana passada, o órgão encaminhou um ofício às empresas solicitando o cumprimento do benefício, independente dos critérios a serem definidos pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). A medida visou evitar que os idosos sofram constrangimentos no momento da solicitação da passagem.
Quem for prejudicado, pode reclamar no Procon ou nos postos de atendimento da ANTT nas rodoviárias interestaduais. A agência já informou que a recusa do embarque dos idosos pode gerar uma multa de até R$ 2.560,00.