Após muita reivindicação e polêmica, há exatos 15 anos foi criado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Neste aniversário, as conquistas devem ser comemoradas, mas a data está mais propícia para concentrar esforços. ?Tem muito a fazer. Quando você está num caminho para um futuro melhor, é importante marcar as conquistas para que haja mais ânimo para enfrentar o futuro?, afirma Alison Sutton, oficial de projetos do Unicef.
Como lembra o procurador de justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente do Paraná, Olympio de Sá Sotto Maior Neto, antes de ser criado o ECA, a Justiça não alcançava os menores de 18 anos. Pelo menos não de uma maneira integral e indiscriminada como deve ser. ?A lei que regia era o Código de Menores, que atendia somente as crianças em situação irregular. A grande crítica era que não estavam nas leis os direitos da criança e do adolescente. Na prática, nos casos concretos, quase nada se podia fazer. Não era possível obrigar o Estado a fazer seu papel?, explica o procurador.
O ECA veio na tentativa de reparar esse defeito. ?O que muda é o reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direitos, que esses direitos devem ser assegurados e a eles deve ser dada prioridade absoluta?, afirma. Ele explica ainda que, para os que defendiam a causa, o estatuto foi recebido como um grande instrumento. Já pelos que resistiam, as críticas foram muitas. ?As críticas foram no sentido de que era uma lei de primeiro mundo, para ser exercida em um país subdesenvolvido. Equívoco: em um país desenvolvido não precisa de lei para lembrar que a criança precisa de direito à saúde e educação. Essa é uma lei adequada à realidade brasileira?, explica.
Para a assistente social Ana Maria Travagin, que atua desde 1978 na área da criança e do adolescente, o estatuto resultou na união de três elementos que até então se mantinham dispersos: os movimentos sociais, as políticas públicas e o mundo jurídico. ?É uma lei diferente porque o movimento que se uniu para que ela fosse criada não se desmobilizou depois do lançamento. A lei criou mecanismos de participação ainda maiores: os conselhos de direito, que exigem paridade entre sociedade civil e governo. Realmente é a questão da mudança de paradigma. Veio para corrigir uma situação social?, explica.
Entre as conquistas possibilitadas pelo ECA, Ana ressalta as medidas socioeducativas. Segundo ela, ?uma parte muito bem elaborada do estatuto?. Ela fala ainda da ?criação de um sistema de garantias e controle? criados pelo ECA, que são os conselhos de direito e os fóruns. Porém, a assistente social também lembra as dificuldades de se implantar o estatuto. ?Criaram-se muitos mitos: de que a lei desautoriza os pais e educadores; de que as crianças e adolescentes só têm direito e não deveres; de que ameniza a situação do menor infrator. Mas o próprio estatuto, se lido e compreendido corretamente, quebra todos esses mitos?, lembra.
Crianças em risco no lixão de Paranaguá
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 15 anos, quase o total de tempo que famílias inteiras vivem em situação desumana, às margens do lixão do Embocoí, em Paranaguá. ?Faz uns doze anos que está assim?, assume o secretário municipal da Criança e do Desenvolvimento Social, Antônio Ricardo dos Santos. Perdeu-se a conta: enquanto o município diz que não há mais que 150 famílias, as famílias que moram lá dizem ser mais de 400. O fato é que ainda existem crianças que, junto a porcos e urubus, nem sonham que há um ?livro? que lhes garante o direito à vida e à dignidade.
Na última semana, as atenções voltaram-se ao problema a céu aberto. O governador Roberto Requião (PMDB) assinou um convênio de R$ 2,6 milhões com a Petrobras para a construção de um aterro sanitário no local. O Ministério do Desenvolvimento Social informou ter feito um acerto com a Secretaria de Estado do Trabalho e Promoção Social para que as famílias do lixão fossem inseridas em programas sociais, entre eles o Bolsa Família. Em Paranaguá, no entanto, o secretário afirma não ter sido informado de nenhum dos atos. ?Não vi ainda. Não chegou nada para a gente. O Requião assinou novamente esse convênio com a Petrobras, mas não fomos convidados. Quanto à construção do aterro, eu só acredito vendo?, afirma Santos.
?Essa é a área que as políticas públicas menos avançaram na implantação do ECA: não se tem claro quem é o responsável por essas áreas. Precisaria se definir isso?, afirma o subsecretário de promoção dos direitos da criança e do adolescente, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Amarildo Baesso. O subsecretário não conhece a realidade do lixão de Paranaguá, mas pelo relato, explica que situações como essa, sem dúvida, são contra a lei. ?Isso está relacionado tanto à questão de abrigamento, crianças em risco, quanto à desestruturação familiar. São problemas de trabalho infantil e falta de acesso à educação e às políticas sociais básicas, o que caracteriza uma violação dos direitos em vários sentidos?, explica.
A falta de acesso às políticas sociais é reforçada pelos moradores da Vila Santa Maria, onde está localizado o lixão. ?Aqui não tem posto de saúde. Não tem luz. Tem gente que não tem água. A segurança é horrível. É um lugar esquecido?, afirma Rosemilda Aparecida, de 23 anos, que vive com três filhos na margem do lixão. (NF)