Há tempos que o pedágio é motivo de reclamação para quem precisa trafegar pelas estradas paranaenses. Paga-se muito para rodar em estradas de pista simples e quase nada mudaram nos últimos anos. O espanto aumenta quando se observa que os contratos não são amarrados como se imagina e que, sabendo das necessidades dos usuários e do aumento no fluxo de veículos e pedestres, o Estado não exigiu novas obras das empresas pedageiras.
Assinados em 14 de novembro de 1997, os contratos com os seis consórcios que venceram as licitações têm vigência de 24 anos e formaram o Anel de Integração. Acordou-se o cumprimento de uma série de obras, dispostas em um cronograma específico, em troca da cobrança da tarifa. Mesmo assim, contratualmente o acordo é flexível. Novas obras podem ser incluídas no Programa de Exploração dos Lotes e há a possibilidade de realizá-las antes do estabelecido, sempre visando o interesse público. “Não é um contrato de obra, é de serviços que podem ser executados. É possível incluir obras se houver receita compatível. Para isso, dá para suprimir uma atividade de menor relevância social ou até incorporar receita adicional. Basta dialogar, ou seja, fazer uma equação de comum acordo entre as partes”, explica Maurício Ferrante, procurador-jurídico da Secretaria de Estado dos Transportes na época da criação do contrato.
Desinteresse
Para que haja esse diálogo atualmente não há um meio estabelecido. Nos primeiros anos da concessão, uma comissão composta por representantes dos usuários, do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) e das concessionárias fazia reuniões periódicas para debater o abismo entre as obras que constam nos contratos e o que os usuários realmente necessitam. Quando Roberto Requião assumiu o governo, em 2003, dissolveu a comissão.
“O governo fechou as portas. Ficamos sem um meio para analisar e debater com o DER as necessidades dos usuários”, ressalta Luiz Anselmo Trombini, presidente da Federação das Empresas de Transporte de Cargas do Estado do Paraná (Fetranspar).
Ele, que é o representante dos usuários, lembra que a comissão foi importante em vários períodos da concessão, como na obra do Trevo do Relógio, entre Guarapuava e Irati, que foi antecipada no cronograma graças às reuniões. “Nós sabemos o que usuário precisa. Com diálogo podemos conseguir outras coisas, além do que está no contrato. Dessa briga toda entre governo e concessionárias, quem saiu perdendo foi o usuário, que ficou sem ter com quem falar”, lamenta Trombini.
Maurício Ferrante concorda que esses encontros eram importantes. “A comissão fez parte de todo o processo de revisão do contrato e foi muito relevante. Sem ela, os usuários só conseguem manifestar seus desejos através de protestos e dependem da vontade política do Executivo”, afirma. Ele conta que também auxiliou na confecção de um projeto de lei para que fosse instituída uma agência reguladora, que de maneira técnica seria responsável por cobrar ações do poder público com base nas sugestões dos usuários das rodovias. O projeto foi aprovado pelos deputados e sancionado pelo governador Jaime Lerner, no fim do mandato, mas a agência nunca foi implantada por seu sucessor.
Exemplo
Esse tipo de reunião é tão importante que existe em outros estados brasileiros, apresentando bons resultados. Um exemplo é o Grupo Paritário de Trabalho da Rodovia Presidente Dutra, em São Paulo. Desde 2003, se reúne mensalmente para fazer um levantamento dos principais problemas da rodovia e sugerir soluções.
Anel de integração e discórdia
Em 1996 foi sancionada a Lei 9.277, autorizando a União a delegar estradas federais aos Estados. Um ano depois, o governo do Paraná criou o Anel de Integração, composto por uma malha viária de 2.493 km dividida em seis lotes, que foram licitados. Venceram as, concessionárias que ofereceram o maior valor por mais trechos de acesso.
Para se manter, elas têm o direito de cobrar o pedágio dos usuários. Assim que concluíram as obras iniciais e construíram as praças, foram surpreendidas por uma decisão do governo estadual, que reduziu em 50% o valor das tarifas. Teve início aí uma briga judicial de dois anos.
Ainda em 1998, o governo ameaçou anular os contratos e assumir a administração das rodovias pedagiadas, caso as concessionárias ganhassem na Justiça uma liminar que pedia o cancelamento da redução das tarifas. “As concessionárias queriam que o valor da tarifa voltasse ao normal ou que fossem desobrigadas a fazer obras durante o período da redução. As obras de investimento deixaram de iniciar nesse período, mas a tarifa continuou reduzida e eles tiveram que realizar obras compensatórias quando o contrato foi retomado, em 2000”, garante Ferrante.
Necessidades
Cerca de 70% de tudo o que é produzido no Paraná é transportado pelas rodovias. A qualidade da malha viária (que pode adiantar ou atrasar viagens) e o valor dos pedágios são fatores extremamente relevantes na definição do valor dos produtos que consumimos. Isso foi comprovado em 2007, quando foi criada uma Comissão Especial de Inquérito para averiguar os critérios que determinavam a composição dos valores das tarifas de pedágio.
Em Santa Catarina, no início deste mês, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com um pedido de liminar para que fosse suspensa a cobrança de pedágio em duas praças da BR-101 pois a Autopista Litoral Sul, do grupo OHL, não realizou as obras emergenciais na rodovia antes de começar a cobrar a tarifa dos usuários. No Paraná, a mesma coisa pode acontecer caso as investigações de irregularidades nas concessionárias, realizadas atualmente pelo MPF, culminem em
Usuários do sistema reclamam das rodovias terceirizadas
Edson Furlan, representante de laboratório que viaja há cinco anos pelas rodovias paranaenses, garante que as ações são poucas. “Só vejo pavimentação e pintura. Melhora efetiva nas rodovias nunca vi”, ressalta.
Luiz Carlos Podzwato, superintendente do Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas no Paraná (Setcepar), compartilha da mesma opinião. “A grande reclamação dos usuários é que o atual modelo de pedágio só serve para embelezar. As rodovias recebem faixas, os funcionários cortam a grama, mas não existem obras de verdade. Nenhuma está sendo duplicada, por exemplo. Não vemos nada em andamento que possa dizer que o pedágio é benéfico”, garante.
Outra pessoa que não vê benefícios é o psicólogo Caio Feijó, que atravessa o Estado realizando palestras. “Quando venho de Florianópolis para cá, passo por quatro pedágios de R$ 1,20 e não me incomodo, porque a rodovia é muito boa. No trecho entre Curitiba e Guarapuava, a quilometragem é quase a mesma e gasto mais com pedágio do que com combustível, tendo que ficar preso em vários trechos de pista simples. O investimento em duplicação justificaria o que pagamos”, reclama.
A falta de obras também é um problema para os jornalistas que percorrem o Anel de Integração para fazer a cobertura de jogos do Campeonato Paranaense. É o caso de Jairo Silva, repórter da Rádio Transamérica. “Muitos trechos de rodovia passam dentro das cidades, como o caminho para Londrina, por exemplo. Ficamos quase oito quilômetros presos em lombadas e sinaleiros, dentro de Ponta Grossa. Além disso, os trechos de pista simples, com fluxo intenso de caminhões, atrasam muito as viagens e geram perigo”. Willians Lima, repórter da Rádio Banda B, concorda: “Mesmo com pedágio, as estradas são perigosas, com pistas simples e muitos caminhões”.