Especialistas opinam sobre o direito de greve

Quem nunca sentiu os efeitos de uma paralisação, tanto do setor público quanto de trabalhadores da esfera privada? Na última semana, quem precisou ir até uma unidade do Departamento de Trânsito do Paraná (Detran-PR) encontrou dificuldades para emitir documentos por conta da falta de operação do sistema que viabiliza a emissão de documentos como carteiras de habilitação e transferência de veículos.

Isso porque, com a greve de funcionários da Companhia de Informática do Paraná (Celepar), não havia funcionários para operar o sistema. Três dias após o fim da greve dos servidores da Celepar, médicos plantonistas de Londrina decidiram excluir seus nomes das escalas de plantão por causa da falta do pagamento de um benefício que, a princípio, deveria ter sido repassado pela prefeitura.

A medida fez com que os quatro maiores hospitais filantrópicos de Londrina fechassem suas portas por tempo indeterminado. Mas até que ponto a luta por garantia de direitos, ou simplesmente por reajustes nos salários, justifica as paralisações de serviços, essenciais ou não, à população?

A reportagem de O Estado fez essa pergunta a sindicalistas, cientistas políticos e economistas. As manifestações como instrumento de negociação, tendo a liberdade de deliberação por greves dos órgãos sindicalistas como fundamental para o exercício da democracia, foi resposta quase unânime.

Para o sociólogo e cientista político da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Ricardo Costa de Oliveira, a greve é um direito democrático e uma importante forma de ação das classes trabalhadoras.

“A greve é um instrumento histórico de negociações pela redução da desigualdade social e importantíssima para que haja uma melhor distribuição de renda”, afirma. Oliveira diz que um exemplo disso é o histórico de mobilizações que se sucederam nos países mais desenvolvidos.

Para o economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese-PR) Sandro Silva, os benefícios conquistados com o avanço de negociações geram impulso na economia. Para ele, a greve é a única forma de haver avanços das pautas sindicais.

A opinião do economista é comungada pelo presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Paraná, Roni Anderson Barbosa. Para ele, além da busca por conquistas de salário, as greves também visam a sensibilizar o empregador por melhores condições de trabalho ou pela manutenção dos direitos assegurados em convenções coletivas.

“Sabemos que toda greve traz efeitos para a sociedade. Seja ela em qualquer setor, atinge direta e indiretamente o cotidiano dos cidadãos. Por isso, esse recurso é usado em último caso”, afirma.

24,6 mil horas paradas em 2008

Segundo o Dieese, as 411 greves em todo o País representaram 24,6 mil horas paradas no ano passado. Apesar de o setor privado concentrar o maior número das mobilizações, os servidores da esfera pública ainda são os que param por mais tempo.

Em 2008, enquanto o setor privado respondeu por 28,3% do total de horas paradas (6.984 horas), os servidores públicos cruzaram os braços por 16.729 horas, o que representa cerca de 67,8% do total de horas paradas.

De acordo com o Dieese, mais de 70% das greves de 2008 não ultrapassaram cinco dias. No entanto, o levantamento do órgão mostra que 24 das 27 greves com duração superior a 30 dias ocorreram no funcionalismo público. Segundo o presidente da CUT-PR, Roni Anderson Barbosa, em 40% das greves os impasses se resolveram em um dia de paralisação. (NA)

Esfera privada supera pública pela 1.ª vez em 5 anos

O trabalhador observa (o momento econômico) e fica motivado a sair em busca de melhores condições. Na década de 90 havia mais dificuldade de geração de emprego no Brasil e o trabalhador ficava mais acuado.” Roni Anderson Barbosa, presidente da CUT-PR.

De acordo com o Dieese, pela primeira vez nos últimos cinco anos o número de greves realizadas pelos trabalhadores da esfera privada superou o registrado na esfera pública no País.

Enquanto o funcionalismo público registrou 184 paralisações, os trabalhadores da iniciativa privada realizaram 224 greves. Segundo o Dieese, 2008 foi o ano com o maior número de paralisações desde 2004, quando o órgão retomou a publicação anual do balanço de greves.

Entre as greves verificadas exclusivamente no setor privado pelo Dieese, 132 atingiram o segmento industrial; 80 o setor de serviços; e outras 11 aconteceram no setor rural.

O presidente da CUT-PR, Roni Anderson Barbosa, acredita que o maior número de greves na esfera privada é explicado por vários fatores. O primeiro seria o momento da economia, aquecida nos três primeiros trimestres do ano passado. Segundo ele, havia um crescimento econômico, o que também propicia melhoras nos índices de empregabilidade e, consequentemente, na geração de empregos.

“O trabalhador observa e fica motivado a sair em busca de melhores condições de trabalho e de salário. Na década de 90 havia mais dificuldade de geração de emprego no Brasil e o trabalhador ficava mais acuado”, diz.

Outros fatores apontados por Barbosa são a rotatividade no emprego e os reajustes nos salários. Segundo ele, 70% das mobilizações se referem a reajuste de salário.

“Em 90% dos acordos do ano passado tivemos aumento real, mas isso não reflete no Brasil por causa da grande rotatividade. Por mais que tivéssemos crescimento de salário, não reflete no salário médio do trabalhador”, afirma.

Barbosa acredita que o cenário das negociações sindicais pode mudar, principalmente para os servidores municipais, caso o Senado aprove a Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que tornaria obrigatório o recebimento das representações sindicais pelos gestores. (NA)

Previsões para o fechamento do ano

Para o sociólogo e cientista político da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Ricardo Costa de Oliveira, o volume de paralisações pode se repetir este ano. “As greves acontecem em períodos em que há um crescimento econômico. Na recessão isso não acontece”, afirma.

Contudo, segundo ele, as paralisações podem ser evitadas com um plano de reajustes de benefícios ao trabalhador. “Se realmente houver a necessidade da greve, ela precisa ser responsável e não destrutiva. O bom senso deve prevalecer”, diz.

Já o economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Robson Gonçalves acredita que as greves não devem fechar o ano em índices tão altos, já que a massa salarial foi a menos afetada pela crise na economia global, que, no País, se estendeu até o início do ano.

“Temos verificado o crédito se expandindo nos últimos meses. Além disso, o governo manteve a isenção do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Com isso, as greves tendem a diminuir”, afirma.

Com o mercado aquecido e a inflação controlada, o risco de novas mobilizações é menor. Ele cita o exemplo do setor da construção civil, que se reergueu após a crise, em junho, em São Paulo, e em agosto no restante do País. (NA)

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