Entrevista com Dr. Marcos Meier

Em entrevista ao Paraná Online, o psicólogo Marcos Meier, escritor e mestre em educação, critica a maneira como as crianças são vistas no mundo de hoje. E reforça a importância de jogos e brincadeiras para o desenvolvimento infantil. “A criança que não teve oportunidade de ser criança acaba tendo comportamentos infantilizados na vida adulta, não suportando críticas ou opiniões contrárias, por exemplo”, aponta.

Como se define a criança de hoje?

Creio que a criança de hoje está sofrendo de uma “síndrome” de dificuldade de identificação, pois em vez de assumir a posição de criança e ser criança simplesmente, ela é vista pelos pais e pela sociedade como uma espécie de “semideusa”. Crianças adultizadas, hiperssexualizadas, hiperetiquetadas, hiperaparelhadas e hiperconectadas. Falta espaço para brincar, fazer nada, direito de não saber e momentos de brincar consigo mesma. Precisamos resgatar a criança que está dentro de cada criança!

Quais os desafios para os pais em relação à educação dos filhos neste cenário de avanço tecnológico (uso cada vez mais cedo de computador, celular e tablet) em detrimento das brincadeiras tradicionais (bola, boneca, jogos de tabuleiro, esconde-esconde)?

A coordenação visomotora é necessária para o desenvolvimento da percepção, que é base para a aprendizagem que desenvolve a inteligência. Ou seja, a criança precisa pintar, cortar, montar, subir, descer, pular, esconder-se, correr, desenhar, rolar, dar cambalhotas, criar e toda uma série de brincadeiras em que possa interagir com o corpo todo com o ambiente. O mundo é tridimensional, não é uma tela. Quanto mais a criança experimentar estímulos diferenciados, mas ela desenvolve os sentidos e, consequentemente, sua capacidade de perceber, aprender e amadurecer. A postura passiva diante de muitos aparelhos eletrônicos impede que isso aconteça. Não dá para eliminar o uso da tecnologia, nem é isso que defendemos, mas é urgente a necessidade de alertar aos pais que criança parada em frente a um aparelho tecnológico que lhe entrega tudo, freia seu desenvolvimento.

Como você avalia esse processo de abreviamento da infância e adultização precoce? Como isso pode afetar o desenvolvimento da criança?

Pular etapas gera mecanismos de defesa. Ou seja, a criança que não teve oportunidade de ser criança acaba tendo comportamentos infantilizados na vida adulta, não suportando críticas ou opiniões contrárias, por exemplo. A infância é a fase das brincadeiras que desenvolvem os mecanismos de negociação. Lembra quando a gente jogava bola e passava mais tempo discutindo se foi falta, se foi lateral ou se foi pênalti? Essa discussão nos ajudava a saber quando insistir, quando desistir da argumentação, quando deixar para lá, pois é melhor jogar bola que tentar descobrir quem foi o culpado, etc. Discutir na infância fazia a gente aprender a receber críticas, xingamentos, lidar com a exclusão, lidar com as gozações e lidar com a vitória, pois vencer e jogar isso na cara dos amigos fazia a gente ser visto como arrogante, metido ou boçal, afastando nossos amigos. Para onde vai todo esse aprendizado se a infância for abreviada? Adultos imaturos e frágeis emocionalmente podem ser produtos da infância roubada.

Nesse contexto, qual o ambiente ideal para o desenvolvimento de uma criança? É legal deixar correr, dar smartphone ou tentar deixar as coisas acontecerem naturalmente?

O ideal é atrasar ao máximo o uso do smartphone. Se não for possível, deve-se limitar sabiamente seu uso e não liberar irresponsavelmente. A criança precisa interagir intensamente com o mundo físico de corpo e alma, ou seja, integralmente. Isso não ocorre via internet.

Qual a importância de jogos e brincadeiras tradicionais para o desenvolvimento infantil?

Há brincadeiras indispensáveis como esconde-esconde, correr, jogar bola, brincadeiras de roda que desenvolvem a musicalidade, etc. Algumas brincadeiras vão acabar se perdendo, mas podem ser substituídas por outras que lidem com o corpo, a fala e a musicalidade da mesma forma, enquanto outras serão perdidas para sempre. Por outro lado, cada época inventa suas próprias brincadeiras e agora elas são mais “digitais”. Isso por si só não é bom nem mau, mas o tempo em que a criança investe nela pode trazer consequências. Os jogos e brincadeiras tradicionais privilegiam o desenvolvimento dos sentidos, do corpo, da fala e da musicalidade. Não dá pra perder isso. Há trabalhos maravilhosos no Brasil todo de resgate dessas brincadeiras e muitas escolas estão ensinando-as aos alunos. É um caminho lindo.

Games e internet podem ter uma função educativa nesse processo?

Há games em que o jogador precisa tomar decisões sob pressão, criar estratégias para vencer, táticas mais eficazes para aumentar de nível e descobrir caminhos para a vitória. São mecanismos fundamentais para o sucesso na sociedade atual, ou seja, um jogador de videogame está se preparando para a vida adulta numa sociedade que necessita dos mesmos fatores desenvolvidos pelos games. Assim, poderíamos achar que está tudo bem e que é uma bênção a vinda dos jogos. Engana-se quem pensa assim, pois ao mesmo tempo em que os jogos trazem tanta coisa boa, o tempo gasto jogando pode trazer consequências. Além disso, há um certo tipo de jogo que valoriza a violência e não a estratégia; a quantidade de golpes e não a inteligência em seu uso, a falta de ética e não a ação socialmente adequada. Assim, se o adolescente não estiver sendo monitorado, acompanhado nem orientado adequadamente, ele pode achar que para vencer basta seguir os mesmos princípios. Isso é ruim.  Concluindo, os games, muitos deles, podem ser extremamente úteis para educar nossos filhos, no entanto há outros muito perigosos. Antigamente o mesmo acontecia com os tipos de livros que havia na biblioteca.

Que dicas práticas você dá para os pais lidarem com os filhos que só querem saber das engenhocas tecnológicas e ignoram outros tipos de brincadeiras?

Há dois caminhos. Um deles é criar um espaço (uma noite por semana ou a cada quinze dias ou um fim de semana), em que a família vai se reunir em volta de um jogo de tabuleiro, brincar de carrinho de rolimã, jogar bola num parque num domingo à tarde ou outra atividade que possa ser prazerosa e envolver todos da família. Mas isso deve ser combinado previamente. Retirar um adolescente da internet na marra e levá-lo a um parque é pedir para ver um bico e mau humor o dia todo.

O outro caminho é descobrir jogos que atraiam mais que ficar conectado na internet. Por que ainda há tantos jovens jogando bola? É porque dá prazer, é mais gostoso que ficar online sem impedir que depois eles possam usar tecnologias.

E há outro detalhe importante: o adolescente precisa sempre ser lembrado que o computador, a banda larga, o celular e todas as outras tecnologias foram compradas pelo pai (ou mãe, claro) e estão sendo mantidas pelo pai. Assim, se o pai disser “hoje chega” ele precisa entender que o pai tem todo o direito de fazer isso e de limitar o uso da tecnologia. Além disso, adolescentes precisam fazer parte da família ajudando na manutenção da casa. Lavar a louça, passar o aspirador, arrumar o quarto, estender a roupa, limpar o cocô do cachorro, não são tarefas “para o pai” ou “para a mãe”,  mas tarefas da responsabilidade de todos que vivem naquela casa e usufruem dela. Adolescentes que recebem tudo sem esforço, sem trabalho, acabam brigando com os pais, e pior, achando que eles próprios é que têm razão, e se irritam quando os pais o mandam desligar o computador ou limitam o uso do celular. Adolescente folgado tende a ser desobediente e reclamão. Família é lugar de participação, não de exploração da mão de obra paterna.

***

Veja a matéria.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo