Em entrevista ao Paraná Online, a psicóloga Lidia Weber, doutora em Psicologia Comportamental e professora da UFPR, ressalta a importância das brincadeiras para a formação da identidade da criança e frisa o papel fundamental da participação dos pais no universo lúdico dos filhos. Pesquisa da UFPR revela que 70% das crianças com sintomas de estresse tinham pais com baixo grau de envolvimento, ou seja, passavam pouco tempo e brincavam pouco com seus filhos.
Qual a importância do brincar para o desenvolvimento das crianças? Que benefícios esta atividade pode trazer?
Brincar é absolutamente essencial ao desenvolvimento; as brincadeiras contribuem para a qualidade e bem-estar cognitivo, físico, social e emocional da criança. É tão importante que é reconhecido como direito fundamental de cada criança pela Alta Comissão do Direitos Humanos da United Nations e do nosso ECA, inciso IV Art 15 que diz que toda criança tem o direito de “brincar, praticar esportes e divertir-se”. Todas as crianças do mundo devem poder brincar. O brincar permite que a criança use sua criatividade enquanto desenvolve sua imaginação associada à força emocional e cognitiva, alem da física em certas brincadeiras. Brincar permite que a criança explore o mundo, pratique jogos de papéis, desenvolva assertividade e empatia e uma série de novas competências. Se em grupo, permite que a criança explore jogos grupais, como dividir, negociar, resolver conflitos, tomar decisões, descobrir suas próprias áreas de interesse e ter comportamento ativo. As brincadeiras ajudam a entender o mundo, a entender conceitos de certo e errado (e até entender que o bem e o mal podem existir na mesma pessoa) e ajudam as crianças a entenderem frustrações, valores e a própria identidade. As crianças viram fãs dos personagens com os quais se identificam ou daqueles que apresentam características que elas gostariam de ter. Há a influência dos amiguinhos e da mídia e uma questão social: a criança quer fazer parte do grupo. Na infância, inserir-se na turma significa ter os mesmos brinquedos, ver os mesmos filmes e, claro, copiar os mesmos heróis.
Há uma idade “limite” para as crianças continuarem brincando, especialmente se considerarmos que as crianças estão amadurecendo mais cedo?
Ah, que maravilha se pudéssemos manter um pouco mais isso o que se chama de “espírito infantil” e brincar com a realidade, rir dos próprios erros, fazer dançar a nossa imaginação. Para manter isso por mais tempo, nada mais importante do que brincar com os filhos. Em pesquisa que realizamos sobre o relacionamento entre pais e filhos na Universidade Federal do Paraná um dos itens que verificamos é o grau de envolvimento dos pais com as crianças, o que tem a ver com o brincar junto. Verificamos que 70% das crianças que apresentavam sintomas de estresse tinham pais com baixo grau de envolvimento, ou seja, passavam pouco tempo com elas e brincavam pouco junto com elas.
E envolvimento é muita coisa. Crianças não nascem sabendo brincar, sendo que os pais devem dar modelos e mostrar um repertório de como brincar, como soltar a imaginação, inventar coisas. Tem de dar espaço para a criança criar, escolher, ter suas preferências e não apenas comandar. Muitos pais não se interessam em entender o universo lúdico da criança, não sabem o nome dos brinquedos de montar que os filhos mais curtem, nem o que são as figurinhas do Yu-Go-Oh! que eles colecionam, por exemplo, ou não assistem Bob Esponja ou Os Anjinhos para entender as fases de desenvolvimento. Ficam naquela ansiedade de que eles cresçam e tenham sucesso, em vez de aproveitar essa fase mágica, que passa voando.
E a “concorrência” com os aparelhos tecnológicos? Ela existe e como é possível atrair o interesse das crianças pelas brincadeiras tradicionais?
É preciso fazer um esforço para não deixar a criança o tempo todo com a tecnologia, em especial, com a TV e games. Ver TV tem um lado positivo, pois as crianças podem aprender conceitos de valores, podem ser divertidos e educacionais, as crianças podem aprender fatos novos, diferentes culturas. Modos de lidar com relacionamentos interpessoais e ideias diferentes. A TV influencia o comportamento e isso é fato concreto e definitivo sobre comportamento, estudo há décadas por psicólogos do mundo inteiro. No entanto, o contrário também pode ser verdadeiro, e afetar o comportamento da criança e da família, pois crianças também aprendem fatos e modos de agir que seus pais não gostariam. Se uma criança vê um personagem simpático ajudar uma pessoa e ficar feliz ou ser gratificado por isso, ela aprende pelo modelo a agir assim. Mas, também pode apreender a usar violência para resolver problemas quando vê personagens – especialmente os heróis usarem a violência e terem final feliz com isso! Se seus personagens favoritos fumam, bebem, usam violência, tem atividade sexual inadequada, crianças e adolescentes aprendem.
Os pais devem limitar o tempo na frente da TV e games. No mínimo eles tiram das crianças a possibilidade de interações sociais com outras pessoas, amigos, família. Para crianças até 3 anos, a interação social é o mais importante para o seu desenvolvimento global. Tempo demais na frente à TV produz obesidade, notas piores na escola, habilidades sociais pobres, problemas de sono, entre outros, dizem pesquisas internacionais. TV é igual chocolate: é ótimo se o produto é de boa qualidade e precisa ser consumido em pequenas porções…
***
