O Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC) foi palco de momento raro e emocionante na manhã de ontem. No quarto andar do prédio principal da instituição, a estudante Lorenza Roberta de Mello, de 20 anos, natural de Peabiru, norte do Estado, conheceu o metalúrgico José Adilson Sabino, 43, morador de Pinhais. O encontro reuniu o doador e a receptora de transplante de medula óssea. “Ainda não acredito que consegui encontrar o homem que salvou minha vida”, diz Lorenza. “É inacreditável a emoção”, comenta José.

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Em 2006, aos 13 anos, a estudante foi diagnosticada com anemia aplástica severa (AAS). Logo após o diagnóstico e alguns meses de tratamento, os médicos comunicaram à família que seria necessário transplante de medula óssea e que, caso o doador não surgisse rápido, ela viveria apenas seis meses. “Foi um momento muito complicado. Fizemos vários testes de compatibilidade entre os familiares e nenhum deu certo. Tiveram mais dez possíveis doadores e nada. Não sabíamos o que ia acontecer”, diz Margareth Rodrigues de Mello, mãe de Lorenza.

“Apesar de tudo ir contra, eu nunca perdi a esperança de encontrar o doador”, continua a estudante, que dias antes de completar 15 anos pediu uma medula óssea compatível de aniversário. “Muitas meninas nessa idade pedem festas grandes e viagens, mas tudo o que queria naquela época era o doador compatível”, conta.

Raridade

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Pouco mais de duas semanas após completar 15 anos, o pedido foi realizado. Integrantes do Serviço de Transplantes de Medula Óssea (STMO) do HC comunicaram que tinham encontrado, em circunstâncias raras, um doador 100% compatível. “Era um homem de 38 anos, brasileiro. Era só o que sabíamos. Mas a gente tinha noção que era uma agulha no palheiro, pois é raro um doador com 100% de compatibilidade que seja fora do campo familiar”, relata Margareth.

De acordo com os médicos que trataram a estudante, as chances disso acontecer é de um a cada 100 mil casos. “Não é só isso. Além de tudo, eram do mesmo estado e isso torna o caso dela ainda mais raro”, afirma Rafael Terézio Muzi, assistente social do STMO.

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História com final feliz

“Eu havia me tornado doador de sangue por causa de problema de saúde que minha irmã teve, no final dos anos 90. Depois disso, passei a doar sangue todo o ano. Numa dessas doações, me convidaram para ser doador de medula e eu topei. Fui cadastrado no banco e passei a ser doador. Mas só uns três anos depois é que chamaram para fazer testes mais específicos para algumas possíveis doações. Uma delas com certeza era para Lorenza”, conta José Adilson Sabino.

Após os testes de compatibilidade, o transplante aconteceu em 14 de novembro de 2008. Segundo a mãe da estudante, houve várias complicações no pós-operatório. “A Lorenza teve muitos problemas de saúde, até necrose no fêmur. Foi um ano de muitos tratamentos de saúde. Foi difícil, mas conseguimos superar”, lembra Margareth Rodrigues de Mello.

Cartas anônimas

Passado o tratamento pós-transplante, Lorenza Roberta de Mello não tirou da cabeça a ideia de conhecer o doador da medula. “Como vinha quase todos os meses aqui no HC para continuar o tratamento, sempre vinha na sala da Assistência Social e perguntava para o pessoal se eu poderia conhecê-lo e se o tinham localizado”, conta Lorenza.

Durante os anos seguintes, doador e receptora conseguiram apenas trocar algumas cartas anônimas. “Escrevíamos e mandávamos para o Instituto Nacional do Câncer (Inca). Eles olhavam para ver se poderia ter alguma identificação das partes. Então nossos contatos eram mais superficiais, com agradecimentos”, recorda José.

Amizade será pra, sempre

O Inca exige que não haja nenhum tipo de contato entre as partes envolvidas num transplante para não haver aliciamento nem conflito de interesses. “Para conseguirmos esse encontro, tivemos a insistência da Lorenza e muita negociação com o Inca. Mas no fim deu certo”, diz Rafael.

O encontro contou com a presença de familiares, médicos e assistentes sociais da equipe do STMO. José entrou na pequena sala sem saber quem era Lorenza. A equipe médica pediu para o metalúrgico adivinhar a menina que havia recebido parte de sua medula óssea. Sem titubear, ele apontou firme para a moça de blusa azul encostada na parede ao lado da irmã, tias e primas. “Não tive dúvidas”, confirma.

Internet

Os dois se abraçaram e, às lágrimas, conversaram ao pé de ouvido durante alguns minutos. Em seguida Margareth agradeceu ao metalúrgico. “Obrigado por ajudar minha filha a viver”, disse a mãe. “É um momento que eu vou guardar para sempre. Não tem como apagar isso da memória. Quero agora sempre ter contato com ele. Ele é da família”, declarou Lorenza. “Posso até dizer que é meu filho, pois o DNA dos dois é quase idêntico”, brincou a mãe. “Como moramos longe, não vamos poder nos ver sempre. Mas quero muito manter contato com a Lorenza e com toda a família. Agora vou ter que aprender a usar direito a internet. Motivos não me faltam. Com certeza será uma amizade para sempre”, diz José.