Walter Alves / GPP |
O psiquiatra Moacir Alexandre |
O emprego da eletroconvulsoterapia (ECT) – mais conhecida como eletrochoque – para o tratamento de casos como a depressão ou esquizofrenia ainda causa polêmica. Alguns profissionais defendem a eficácia do procedimento, principalmente quando há risco de suicídio ou quando o paciente não responde bem ao tratamento medicamentoso. Porém, outros contestam essa informação, questionando os efeitos colaterais – na maioria dos casos há perda de memória – e psicológicos do tratamento.
O psiquiatra do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do serviço de ECT da Santa Casa de São Paulo, Moacir Alexandre Rosa – que esteve ontem em Curitiba participando de uma discussão com profissionais da área médica – diz que a polêmica sobre o assunto é mera falta de informação, já que as pessoas fazem associação da ECT às práticas de torturas na época da ditadura militar. Além disso, ocorreu o uso indiscriminado da técnica nos hospitais psiquiátricos, e pressão da indústria farmacêutica.
Mas hoje, apesar da diversidade de tratamentos, o eletrochoque continua sendo indicado em casos de depressão, para gestantes, lactantes, idosos ou outros casos em que o medicamento não faz efeito. A ECT consiste na indução de uma crise convulsiva, através de eletrodos colocados na região temporal do paciente. O procedimento deve ser feito com anestesia geral e acompanhamento respiratório. O procedimento é até seis segundos, e apesar de ?ainda não se saber o mecanismo de ação no cérebro?, a ECT estimula a criação e aumento das ligações dos neurônios.
O psiquiatra paulista afirma que a ECT não deixa seqüelas, e o único efeito colateral é a amnésia, que tende a desaparecer no decorrer do tratamento. O chefe do setor de psiquiatria do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Wanderlei Saraiva Madruga, entende que a discussão sobre o assunto está ligada ao misticismo da manipulação da mente. ?As pessoas aceitam o choque elétrico para reverter um problema cardíaco, mas não aceitam o eletrochoque no tratamento?, disse.
Alternativas
Para o médico psiquiatra e psicólogo de São Paulo e membro do Movimento Nacional de Luta Antimanicomial Pedro Carneiro, a ECT ainda apresenta muitos riscos, já que o paciente fica com a memória prejudicada. Existem relatos de casos onde o paciente ficou até dois anos com amnésia, falou Carneiro, acrescentando que para cada mil intervenções, é registrada uma morte. ?Aliado a isso, o eletrochoque sempre foi associado com uma forma punitiva ou de tortura?, disse. Além disso, os equipamentos são caros e não se justificam como uma prática de saúde pública, já que existem medicamentos eficazes.
Para Pedro Carneiro, muitos profissionais olham as doenças mentais apenas do ponto de vista biológico, excluindo o psicológico e social. Ele ressalta que a reforma manicomial trouxe muitos avanços para o tratamento de saúde mental no País, e atividades associadas com os medicamentos, como a psicoterapia, atividades físicas e arteterapia, têm resultados muito satisfatórios. O mesmo vale para tratamentos de gestantes, idosos ou aos não tolerantes a medicação. ?A intervenção biológica é somente uma parte do tratamento. Tem que associar a arte e o movimento para potencializar os resultados?, finalizou.
Justiça manda indenizar paciente
Em fevereiro deste ano o governo de São Paulo foi obrigado a indenizar um paciente que foi submetido a tratamento de choque no hospital psiquiátrico do Juqueri, no município de Franco da Rocha. A decisão, unânime, foi dada pelos ministros da 2.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reconheceram o direito de o paciente receber pensão mensal e vitalícia.
O paciente foi internado em 1981, quando tinha 21 anos, para tratamento de dependência química que mantinha desde os 17 anos. Submetido a tratamento de choque, entrou em coma prolongado e ficou vários dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do hospital. Ao sair do coma, foram detectados diversos problemas, como retrocesso da idade mental, dificuldade de locomoção e convulsões. Com essas seqüelas teve de se submeter a uma série de tratamentos médico-hospitalares.
O médico psiquiatra do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), Moacir Alexandre Rosa, disse não ter conhecimento desse caso, mas ressalta que erros podem acontecer em qualquer área. ?Se um paciente morre ao fazer uma lipoaspiração, isso não indica que o procedimento é ruim. Erros podem acontecer?, finalizou. (RO)