O tempo de quatro horas durante uma sessão de hemodiálise – processo de purificação do sangue em pessoas com problemas renais – não precisa ser necessariamente ocioso. Enquanto os pacientes estão se tratando, eles podem fazer algo que proporcione benefícios para as suas vidas, como voltar a estudar. A Associação Amigos do Rim, que atua dentro da Santa Casa de Misericórdia, em Curitiba, teve a idéia de criar o programa “Descobrindo as Letras??. Em parceria com a Secretaria Municipal de Educação, seis pacientes estão aprendendo a ler e escrever, com a ajuda de professoras voluntárias, desde outubro do ano passado.
Segundo pesquisa da entidade, os doentes renais crônicos são, em sua maioria, do sexo masculino, acima de 40 anos de idade e com o nível básico de aprendizagem. “Nós sempre tivemos essa idéia, mas tínhamos dificuldades para colocá-la em prática. Eles não têm condições de voltar depois das sessões, pois alguns moram em outras cidades”, conta Marilene Motter, presidente da associação. “Como os pacientes não podem se movimentar durante a hemodiálise, precisávamos adaptar o ambiente”, explica. A solução foi encontrada em uma bandeja plástica para refeições, que serviu como mesa de estudos.
Os doentes vão até o hospital três vezes por semana para sessões de quatro horas cada uma. As aulas acontecem uma ou duas vezes nesse período. A previsão para se alfabetizar é de seis meses. “Nós conversamos bastante com eles. Alguns aceitaram a proposta logo, mas muitos ainda não se sentem à vontade”, comenta Marilene. “O projeto pode crescer mais porque aqueles que estudam estão dando exemplos para os outros”.
Para ela, os benefícios para os doentes são diversos. “Lógico que ajuda no tratamento, mas acredito que o importante mesmo é a conquista da independência, de ler uma receita, poder pegar um ônibus direito, sem precisar da ajuda de terceiros”, avalia Marilene.
Um esforço recompensado
Na sala de hemodiálise, o paciente faz o tratamento normalmente e a professora voluntária passa os ensinamentos sentada ao lado do aluno. O material utilizado foi cedido pela Secretaria Municipal de Educação, que também capacitou os professores. Waldimiro Carneiro, de 58 anos, mora em Guaratuba e acorda às 2h para vir a Curitiba na ambulância da prefeitura local. Chega por volta das 5h30, quando começa a hemodiálise. “Estou fazendo uma coisa que pode me trazer aperfeiçoamento”, acredita. “E também ajuda a passar o tempo”, completa.
Segundo a professora Sandra Mara Gavloski, responsável pelo aprendizado de Carneiro, o desempenho dos alunos está surpreendendo. “Eles ficam muito entretidos e trazem a lição de casa já pronta”, comenta Sandra.