Audácia

Desafio e ilegalidade na pichação

“Pichar é um ato compulsivo. É difícil explicar o motivo que me faz pichar. Só fazendo para entender.” A declaração é de um pichador de Curitiba, de 20 anos, que prefere não se identificar, apenas diz pertencer ao grupo “Poetas”. Para eles, pichar é romântico, é identidade, é adrenalina, emoção, vício, arte. E é com o nome de seu grupo que a maioria dos pichadores se identifica nos muros, paredes, prédios, praças e tudo mais onde puderem escrever os seus chamados “tags”, ou seja, uma espécie de rubrica. Para os pichadores, o objetivo desse ato – que é considerado um crime ambiental – escrever no muro alheio não significa cometer um vandalismo ou sujar o que está limpo. Significa autoafirmação e ideologia.

Aliás, legalizar a pichação – ou o grafite – não é de interesse deles. “O risco de ser pego, a adrenalina de pichar lugares difíceis, fazer amizades. E é por isso que é tão difícil parar de fazer”, disse ele. Segundo o professor de pintura e desenho Paulo “Auma” (Auma significa Arte Urbana Modificando Atitudes), o grafite e pichação não têm diferença, assim como em outros países. Eles dizem que um não é inferior ao outro, mas ambos têm um objetivo, seja ele ideológico ou romântico. “No início, em 1968, por exemplo, pichar era apenas fazer a assinatura. Com o tempo, os estilos de letra foram se modificando para ficarem mais visíveis até chegar nos objetos pop, no que aparecia na TV”, comentou Auma. Nos Estados Unidos, a essência da pichação era a autoafirmação com as assinaturas. Na Europa, a questão política aparecia nas palavras, como em maio de 1968, na França, quando as pichações serviram de protesto dos jovens.

E tomando como exemplo o caso do grupo que pichou a Bienal, em São Paulo, em outubro do ano passado – uma menina do grupo acabou presa – o professor de Artes David R. (Heal) diz que não há como diferenciar o que é arte e o que não é. Para ele, é preciso entender a pichação e o grafite, assim como qualquer outro tipo de expressão artística, como a pintura ou a escultura. “Só assim as pessoas vão poder interpretar a pichação. Podem até não aceitar, mas vão entender. A pichação e o grafite são as mais puras formas de liberdade. O que é feio para alguém pode ser bonito para outra pessoa”, contou. Para Thiago Syen, que faz vários grafites em Curitiba, o grafite é sinônimo de amizade, medo, alegria. “Passo sentimento nos meus desenhos. Principalmente de pessoas marginalizadas pela sociedade, como um caolho ou um bêbado”, comentou.

Pichar rende multa e até prisão

O pichador adulto preso é encaminhado pela Polícia Militar ou pela Guarda Municipal ao distrito da região. Já o adolescente vai para a Delegacia do Adolescente. Somente lá, foram registrados no ano passado 82 casos de pichação diante das 2.972 ocorrências do local. Em 2007, foram 93 casos. Para se ter uma idéia da quantidade de pichações feitas na cidade pode-se ter como exemplo os dados da guarda municipal, que atendeu 755 ocorrências destas no ano passado, que resultaram 142 detenções.

A delegada adjunta da Delegacia do Adolescente, Luciana de Novaes, diz que a punição existe sim, e que as penas alternativas são suficientes para um jovem. “É um mito a sociedade acreditar que não vai haver resultado se for à polícia. Mas as pessoas têm que vir e denunciar, pois assim o ressarcimento será rápido, pois aqui não temos um volume tão grande de processos como em outras delegacias”, informa. Para a delegada, o simples fato de o adolescente estar em uma delegacia já surtem resultados. “Você conversar com ele, dar a oportunidade dele reparar o erro, dizer que aquilo foi um ato, egoísta, vai fazê-lo entender o que fez”, diz a delegada. Além da lei ambiental, em Curitiba a pichação e o grafite são incluídos em uma lei municipal, que prevê multa de R$ 750 aliada à proibição de participar de concursos públicos municipais por dois anos. A lei vale quando a pessoa é detida por um guarda municipal ou por alguma autoridade da prefeitura. Para o secretário municipal da Defesa Social, coronel Itamar dos Santos, a dificuldade em prender pichadores são os horários. “Você não tem ideia de onde eles vão agir, e nem dos horários. Por isso é importante que a população denuncie pelo telefone 153”, afirma.

Vítimas: faltam punições

Arte ou vandalismo? Depende do ponto de vista. Definir o que é pichação para quem já foi vítima do ato significa indignar-se. Além de gastar dinheiro para pintar um muro ou parede pintada, ainda há
o fato de que pichar ou grafitar é crime ambiental. O artigo 65 da Lei 9605 prevê pena de três meses a um ano de prisão (para maiores de 18 anos) e, se a pichação ou o grafite forem realizados em um local tombado, a pena se agrava, subindo de seis meses para um ano. Já para os adolescentes, a penalidade é uma medida socioeducativa: a interrupção da liberdade, prestação de serviço à comunidade, reparação do dano ou simplesmente uma advertência por parte do juiz. No entanto, para as vítimas, a punição quase não existe e, se existe, não é suficiente.

O comerciante de Curitiba Élio Mazarotto que o diga. Ele já teve duas lojas pichadas e vai ter que gastar R$ 7 mil para trocar o letreiro do local. “Eu já fiz boletim de ocorrência, mas sinto que, para a polícia, dos crimes este é menor. Acho que fazem pouco caso das pichações e não resolve nada”, indigna-se. No dia seguinte à pichação, conta Mazarotto, os jovens ainda voltaram para tirar fotos do que fizeram. “Sofremos com isso pelo menos três vezes ao ano”, reclama. O presidente do Jockey Club do Paraná, Roberto Hasemann, também está indignado. Nem bem foi pintado, o muro do local já está todo pichado. Agora, além de gastarem novamente com a pintura, o clube ganhou um sistema de câmeras, além dos seguranças que fazem ronda. “Acho que é um ato de vandalismo a uma entidade centenária. Um desrespeito terrível”, diz ele.

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