Toda vez que se encontrava com João Paulo II, o arcebispo de Curitiba, dom Moacyr José Vitti, conta que o pontífice costumava pegar o mapa do Brasil e apontar Curitiba, dizendo: ?Curitiba, cidade onde estão os poloneses que fizeram festa para mim?. Dom Moacyr conta que o papa sempre mostrou bastante carinho pelo Brasil.
?Eu, particularmente, tive a graça de conviver muitas vezes com o papa que sempre foi um homem de uma simpatia extraordinária. Também tive sorte de ter sido nomeado por ele bispo auxiliar de Curitiba, depois bispo da minha cidade natal, Piracicaba e, finalmente, arcebispo de Curitiba?, conta.
No ano passado, dom Moacyr esteve no Vaticano, onde recebeu das mãos do papa o pálio, uma espécie de colar de lã de carneiro que é o símbolo da arquidiocese de Curitiba. Neste último encontro, o papa já estava muito doente.
O padre Zenon Sikorski, pároco da comunidade polonesa em Curitiba, também teve a oportunidade de conhecer o papa. Em 1982, ele rezou uma missa na capela particular do papa, junto com o pontífice. ?Quando conversei com o papa, ele lembrava bem de Curitiba. Ele disse que gostou muito da cidade e que se recordava bastante do povo, que era muito alegre?, conta.
Substituto
Dom Moacyr disse que não é possível prever quem vá ocupar o posto de João Paulo II. ?Mas sou muito otimista sobre a escolha. A Igreja é chefiada pelo Espírito Santo e Deus não deixa de dar à Igreja o papa ideal, adequado às necessidades da época?, disse.
Para o arcebispo de Curitiba, João Paulo II foi o papa ideal para a época, já que foi nomeado num período que o mundo passava por grandes transformações, inclusive políticas. ?Por ter vindo de um país comunista, o papa influenciou bastante a independência dos países do leste europeu, por exemplo. Além disso, foi um dos maiores defensores da dignidade da pessoa humana?, afirmou.
Dom Moacyr disse que o maior desafio do novo papa será resgatar os valores da família que, segundo ele, estão desaparecendo. ?Se vivemos hoje tantos problemas de desvios morais, fome e miséria, isso só acontece porque a família está sendo destruída?, disse.
Criança vira símbolo da visita do pontífice à capital
A pedagoga curitibana Caroline Drozdz, 26 anos, não se lembra do fato mas cresceu sendo chamada de ?a menina do papa?. Durante a visita de João Paulo II a Curitiba, em julho de 1980, Caroline foi carregada no colo pelo pontífice. ?Eu era muito pequena. Faltava uma semana para eu completar dois anos de idade?, conta.
Neta de poloneses, Caroline tinha acabado de ganhar uma roupa típica polonesa do avô, que havia estado na Polônia meses antes. ?Meu pai cantava no coral polonês e minha mãe conseguiu um traje típico para ela. Como eu era uma das únicas crianças vestida com roupa típica, a organização do evento acabou convidando minha mãe e eu para entregarmos uma corbelha de flores para o papa?, conta.
No meio do Estádio Couto Pereira lotado, Caroline foi carregada e beijada pelo papa que pediu para pegar a ?linda cracoviana?. É que a roupa que Caroline usava no dia são típicas da Cracóvia. A mãe dela, Noêmia, ganhou um terço de João Paulo II.
Mesmo não se lembrando do contato que teve com o papa, Caroline conta que fica muito triste com a situação de João Paulo II. ?Ele esteve sempre muito presente na minha vida. É quase uma figura paterna?, diz.
Casa
Outro curitibano que teve oportunidade de falar com o papa em 1980 é o comerciante Adélio Silvestre Pianovski. Ele e os pais Sylvestre e Genoveva Pianovski recepcionaram o papa no Estádio Couto Pereira. ?É que meu pai doou para Curitiba a casa de madeira que hoje está no Bosque do Papa. É uma construção típica polonesa e foi transportada para o estádio. A intenção da Fundação Cultural de Curitiba era comprar a casa. Mas meus pais sempre foram muito religiosos e quando souberam que a casa era para recepcionar o papa, resolveram doá-la. Pelo gesto e por falarem bem o polonês, foram convidados para recepcionar João Paulo II?, conta Pianovski.
O comerciante entregou uma imagem de Jesus Cristo esculpida em madeira para o papa. ?Não me lembro muito bem. Tinha 11 anos na época. Mas lembro que disse para o papa em polonês que era para o santo padre não se cansar tanto e descansar um pouco?, conta.
Pianovski diz que seus pais, que já são falecidos, ficariam muito tristes em saber do agravamento do estado de saúde do papa. ?Eu também fico muito comovido. Costumava brincar que era amigo do papa?, afirma. (SR)
Fiéis passam o dia rezando
Discurso do Papa João Paulo II à comunidade da polônia
Curitiba, 5 de julho de 1980
Caríssimos irmãos e irmãs!
Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo!
1. Quisera que a minha saudação cristã, perante esta simpática assembléia, ressonasse com uma intensidade de amor semelhante à da palavra de São Pedro, de quem sou humilde sucessor, certa vez em Jerusalém. Diante de numerosos ouvintes, ?provenientes de todas as nações que há debaixo do céu?, em seu primeiro discurso, São Pedro proclamava que Jesus é o Senhor, o Messias; e todos, por milagre, o entendiam ?na própria língua? do país de origem.
Desejaria, pois, que cada um dos presentes pudesse captar, não já prodigiosamente na língua do país de origem mas com toda a própria capacidade de entender, o significado da aclamação e o afeto que a acompanha como saudação. Sim, também eu quero proclamar o Senhor Jesus Cristo, saudando-vos cordialmente, a todos e a cada um pessoalmente, brasileiros de nascimento ou brasileiros de adoção. E, em vós, saúdo todos os diversos grupos étnicos, espalhados e harmoniosamente integrados neste querido Brasil, imenso e belo.
2. Por Jesus Cristo, Senhor nosso, quereria convosco e por vós dar graças a Deus: pela alegria deste encontro, pelo que sois e pelo que representais; depois, reafirmar grato apreço.
Efetivamente, vós, como aqueles que ouviam São Pedro outrora, em Jerusalém, também provindes de várias nações; e, com lembrança mais ou menos viva da pátria distante e com peculiares caractéristicas atávicas, aqui representais a ecumenicidade, hospitalidade e cordialidade deste País que vos acolheu e onde formais um só Povo brasileiro. Graças a Deus!
E agora, neste encontro de família – a família brasileira, a família humana e a família dos filhos de Deus – vós representais bem a universalidade da Igreja. E o Papa, aqui convosco, como sucessor de São Pedro ?visível fundamento da unidade de todos os fiéis? da mesma Igreja, alegra-se pela vossa profissão de unidade. E desejaria deixar-vos uma recordação, a perpetuar a amizade deste encontro: uma recordação que leveis sempre convosco, que leveis no coração e que esteja bem presente em toda a vossa vida. E qual?
3. Esta simples mensagem: Jesus Cristo, nosso irmão em humanidade, é o Senhor. Prometeis trazer sempre convosco esta lembrança? Certamente. E por isso vos manifesto a minha grata satisfação.
Sim, irmãos e irmãs, Jesus Cristo é o Senhor: Ele é a única orientação do espírito, a única direção da inteligência, da vontade e do coração para todos nós; Ele é o Redentor do Homem; Ele é o Redentor do mundo; n?Ele está a nossa salvação e ?não há salvação em nenhum outro? fora d?Ele.
Ele nos ensinou, com o exemplo e com palavras que o caminho da salvação é o amor: primeiro e sobre todas as coisas, o amor de Deus; e porque Deus cuida paternalmente de todos e quis que os homens constituíssem uma só família e se tratassem como bons irmãos, temos que nos amar uns aos outros, como Jesus Cristo nos amou e nos ensinou. Ele é o Senhor!
Que a comunidade humana e cristã que constituís, em exemplar bom entendimento e comunhão de brasilidade, seja sempre mais iluminada pelo amor de Deus e do próximo e continue a prosperar, com as bênçãos divinas!
4. E agora, a vós irmãos e irmãs de origem portuguesa, que aqui tendes segunda pátria, quero dizer particularmente:
Estou certo de que, com o vosso trabalho, como imigrantes aqui pusestes ao serviço desta comunidade nacional as vossas nobres tradições e qualidades humanas e cristãs. Conservai como principal tesouro dessas tradições a fé cristã de vossos maiores. E que o vosso sentido dos deveres para com Deus e a vossa arraigada devoção a Nossa Senhora continuem a ser força de vida religiosa pessoal e luz para o vosso testemunho de cristãos!
E com estes votos de perseverante fidelidade a Cristo e à Igreja, pelos aqui presentes exprimo minha estima e desejo aos imigrantes portugueses no Brasil as melhores felicidades e os abençôo de coração.
Memorial vai homenagear papa
Rhodrigo Deda
A influência do papa João Paulo II em Curitiba, ainda que indiretamente, começou muito anos antes de assumir o pontificado, através de suas idéias e das pessoas que com ele conviveram. Certamente essa influência irá continuar após a sua morte não só no coração dos fiéis, mas nos locais por onde deixou sua marca na capital. Tanto que a casa que se encontra na Mitra Diocesana de Curitiba, quando visitou a cidade em 1980, está sendo reformada para servir de memorial em sua homenagem.
O padre Lourenço Biernaski conheceu Karol Wojtyla em 1968 numa Assembléia Provincial dos Padres Vicentinos, na Cracóvia (Polônia). Anos mais tarde, em 1980, o papa haveria de se recordar daquela primeira visita, num almoço em Roma, em que estavam presentes arcebispos e padres brasileiros. ?No almoço, demonstrou uma simplicidade muito grande?, diz ele.
Lourenço lembra também que o clima que reinou foi de confraternização, como se todos fossem uma família. Ele afirma que João Paulo demonstrou muito bom humor. ?Ao fim do almoço dom Pedro Filipak, bispo de Jacarezinho, estava saindo pelo lado direito. O papa colocou aquela sua mão de atleta no ombro de Filipak e disse: ?meu irmão, vamos fazer como o mundo, vamos pela esquerda?.
Reminiscências
O padre vicentino Marian Litewka conta que no final da década de 40, aos 13 anos, foi coroinha do então padre Karol Wojtyla, em sua diocese na Cracóvia. Embora fosse adolescente, ele lembra que os discursos de Wojtyla atraía tanto pessoas simples quanto a mãe de Marian e pessoas cultas. ?Ele tinha o dom de falar de assuntos profundos com muita simplicidade?, afirma. Em sua formação, Marian não esquece da presença de Wojtyla em acampamento para adolescentes que fez Cracóvia, numa estação de esqui. ?Era um acampamento realizado por leigos, em que ele foi como um amigo. As reflexões que fizemos naqueles dias ampliaram a minha visão muito além do quadrado e fechado pensamento comunista?, afirma.
Mas a lembrança mais marcante de Marian aconteceu na festa de São Carlos Borromeo, patrono de Karol, em 4 de novembro de 1948. Ele conta que, por tradição, na Polônia não se comemora o aniversário de nascimento da pessoa, mas o dia de seu patrono. E foi na festa de São Carlos Borromeo, que Karol contou a história de seu patrono. Carlos tinha sido parente de vários papas e podia ter aproveitado essas circunstâncias para galgar os mais altos postos dentro da Igreja, mas preferiu servir somente a Deus e ao povo. Quando a peste assombrou a Europa e os nobres se refugiaram em suas casas nas montanhas, Carlos ficou para cuidar das pessoas doentes, morrendo do mesmo mal. Marian lembra que ao terminar de contar a história Karol disse: ?Eu gostaria de ser assim como ele. gostaria de servir a Deus e ao povo?.
João Paulo II tem seguido os passos de seu patrono. As lembranças mais marcantes que se tem de João Paulo II nos últimos tempos são as de um homem que, embora com saúde desgastada, continuava com sua fé inabalável, trabalhando e rezando junto com seus fiéis.
Emoção nos dias de visita a Curitiba
Manhã fria do dia 5 de julho de 1980. Cerca de 300 convidados se acotovelavam na sacada do antigo terminal de passageiros do aeroporto Afonso Pena à espera do avião da Força Aérea Brasileira que vinha de Porto Alegre trazendo o papa João Paulo II. Por volta das 16h30, o avião pousava com o ilustre visitante. Alguns instantes de angústia, até que a emoção tomou conta dos presentes. Recebido por uma comitiva que contava com o então arcebispo de Curitiba, Dom Pedro Fedalto, e pelo governador Ney Braga, o pontífice desembarcou e celebrou seu costumeiro ato de beijar o chão. O protocolo foi quebrado apenas uma vez, quando um sargento da aeronáutica conseguiu furar a segurança e se aproximou do papa com uma bíblia. Ganhou um autógrafo e uma bênção.
Dez minutos depois da chegada a Curitiba, João Paulo II embarcou em um veículo que o levou a percorrer algumas ruas da cidade. A multidão estava em êxtase. Regina Marques de Oliveira, de 66 anos, não resistiu à emoção e teve um infarto enquanto via o santo padre. Morreu no posto de saúde minutos depois. Às 18h, incólume à tragédia, mas visivelmente emocionado com a receptividade, o papa e sua comitiva chegaram ao estádio Couto Pereira, onde mais de 65 mil pessoas o aguardavam.
Entrou no campo e deu uma volta saudando o público. Viu espetáculos dos descendentes poloneses e mais uma vez se emocionou ao conhecer uma casa armada no meio do campo, que lembrava a imigração. Às 19h50 fez um discurso. Primeiro em português e depois em sua língua materna. ?Vós representais a universalidade da Igreja?, disse. 40 minutos mais tarde, deu bênçãos ao público, mais uma volta no campo e se retirou.
Passou a noite hospedado na casa do arcebispo. No dia seguinte, acordou por volta das 5h. Às 8h a comitiva papal se dirigiu ao Centro Cívico. Foi saudado por um público que as autoridades da época julgaram impossível contar. Realizou uma missa que durou três horas. Durante sua homilia, foi interrompido 49 vezes com gritos pedindo que ficasse em Curitiba. O santo padre louvou os pedidos e disse: ?De todas as belezas de vosso país, não sei se levarei no coração imagem mais tocante e significativa do que a da concórdia, da alegria descontraída, do senso de autêntica fraternidade com que convivem aqui as mais variadas raças?.
Chegou ao Aeroporto Afonso Pena às 12h30, quase duas horas após o previsto. Às 12h43 o avião da FAB decolava em direção a Salvador. (Diogo Dreyer)
Esposa de ex-governador guarda terço abençoado
Nice Braga, esposa do ex-governador Nei Braga, participou da comitiva que acompanhou o papa durante sua visita a Curitiba, em 1980. Ela lembra do encontro com muito carinho e emoção. A ex-primeira-dama do Estado conta que até hoje guarda com muito cuidado uma peça que considera sagrada. O pontífice deu-lhe de presente um terço de pérola durante a visita na capital paranaense. ?Ele colocou nas minhas mãos e me deu a bênção. Fiquei muito emocionada. Não lembro se chorei, porque na hora foi tudo maravilhoso?, relata. O ex-governador também recebeu um presente. Nei Braga acompanhou toda a comitiva papal e, emocionado, ganhou uma medalha dourada com a imagem de João Paulo II. ?São relíquias que guardamos com muito carinho durante todos esses anos. Sem dúvida nenhuma, isso ficará na memória para sempre. Foi inesquecível para mim e para todos que acompanharam aquela visita especial?, ressalta.
A ex-primeira-dama conta que recepcionaram o papa João Paulo II no aeroporto e depois seguiram para o Estádio Couto Pereira, onde milhares de fiéis o aguardavam. Ela ficou encantada com o carisma do sacerdote. ?Na chegada ao estádio foi maravilhoso. Ele tinha muito carinho no coração. A fisionomia era boa e o olhar sereno. Só de olhar para ele a gente se sentia bem. Toda a população que acompanhou o que aconteceu se emociona ao relembrar. Foi tudo inesquecível?, relata.
Segundo ela, o papa disse estar feliz por ter visitado o Brasil, onde havia gente de tanta fé. Nice destaca que a família dela é religiosa e vai sentir muito a sua morte. O estado de saúde do papa tem se tornado crítico a cada dia. Mas, apesar disso, acredita que o sacerdote conseguiu cumprir a sua missão. ?Ele viajou o mundo estendendo a mão a todos e evocando a fé. Por onde passou levou a esperança?, fala. Espera que o substituto consiga continuar o trabalho feito com tanto zelo por João Paulo II. (Elizangela Wroniski)
Expectativa dos curitibanos
A manchete do jornal O Estado do Paraná de 3 de julho de 1980, ilustrou bem o sentimento da população de todo o Estado, destacando a chegada do papa João Paulo II em Curitiba.
A espera pela visita de ?João de Deus? estava terminando e todos aguardavam ansiosos para manifestar seu carinho e entusiasmo pelo representante do Vaticano.
Nem mesmo o frio intenso na capital durante o mês de julho há vinte e cinco anos, foi capaz de diminuir a vontade das pessoas em sair para as ruas para recepcionar o papa, que durante horas, passou por diversos pontos da cidade.
