Creche devolve infância aos filhos de carrinheiros

Bruno e Natile – de 2 e 4 anos – deixam a “tia” lambuzar suas mãos com tintas coloridas, para que possam pintar pedaços de papel. Enquanto isso Luane, 5, espera pacientemente sua vez. Outras 12 crianças brincam e riem ao redor da mesa, atendidas por uma jovem educadora. São crianças normais, sorridentes, inquietas e bem alimentadas. Não dá para dizer que há menos de dois meses a maioria delas já tinha uma triste história de vida.

Filhas de carrinheiros (catadores e recicladores de papel), desde bebês eram arrastadas pelas ruas da cidade, sob chuva ou sob sol, acompanhando os pais na árdua tarefa de ganhar o pão de cada dia. E muitas vezes se alimentavam somente com isso, um pão a cada dia.

Chinelinhos gastos, pés no chão, roupas surradas denunciam a pobreza em que vivem na favela da Vila das Torres (antiga Vila Pinto). Mas o sorriso e os olhos brilhantes em nada diferem dos bem cuidados bebês que nasceram no Batel ou no Jardim Social. Basta um rápido olhar para se confirmar que todas as crianças nascem iguais – deveriam ter os mesmos direitos também – porém umas são mais beneficiadas pela sorte e pelo dinheiro que as outras.

Na creche da Prefeitura -que funciona no meio da favela, onde o tráfico de drogas é uma realidade – o clima é tranqüilo, como se uma porta invisível isolasse as crianças do mundo lá de fora. Durante algumas horas elas esquecem que vão dormir em cubículos, amontoadas em panos rotos, sem higiene e se sentem absolutamente iguais a todas as outras crianças. Têm o direito à alimentação, às brincadeiras, a serem felizes.

Novidade

A creche da Vila das Torres existe há mais de 20 anos. A novidade porém é de que agora atende a uma clientela muito especial, composta pelos filhos dos catadores de papel. Como a maioria dos coletores trabalha até por volta das 22h, a creche fica com a portas abertas até 23h. As crianças – cerca de 200 – permanecem ali desde o início da manhã, protegidas e bem cuidadas. Além da comida, também recebem remédios, fraldas, roupas e muito carinho. Os educadores – como são chamados os atendentes – se desdobram entre as trocas de fraldas, banhos e mamadeiras. Na cozinha a movimentação também é grande, já que os “pimpolhos” recebem de quatro a cinco refeições por dia, dependendo do período em que estão na creche.

Suzeli Silveira Fernandes é a responsável por todo o trabalho e divide a tarefa de dirigir o local com os educadores e outras auxiliares. “Nós formamos uma família aqui e tudo é muito comovente”, revela a diretora, orgulhosa ao comentar que cinco dos educadores são formados em Direito, uma em Turismo e outra em Letras.

A creche abriga crianças de 3 meses a 6 anos de idade. A idéia é de que a partir dos 6 anos elas sejam matriculadas em uma escola, onde permanecerão durante meio período, estudando, e no período seguinte se integrem ao Projeto Piá, que lhes dará assistência até os 18 anos.

Embora seja atendida pela Prefeitura, a creche ainda tem algumas necessidades a serem supridas e por isso aceita doações, principalmente de roupas infantis e de brinquedos. “Tudo aqui é muito bem vindo e só ajuda”, garante a diretora. “E fraldas também são necessárias”, lembra Marineuse, 45, uma das educadoras. Ela embala Rian, de 3 meses, o caçula da “casa”, irmão de Kerolin, Kael e Luana, de 2, 3 e 5 anos respectivamente. Antes da creche ficar aberta até às 23h, muitas vezes Luana ficava cuidando dos irmãos em casa ou era obrigada a atendê-los na rua, dentro do carrinho de papel, empurrado pela mãe e pelo pai.

Enquanto exercita sua paciência, esperando a vez de ter as mãos coloridas pela “tia”, Luane fica séria ao lembrar que os dias em que saía para “a rua” com os pais. “A gente ficava na rua, na chuva e às vezes não tinha o que comer. Agora está tudo bem e eu posso brincar”, comemora a menina, cujo destino pode depender desta atenção que ela recebe hoje.

Serviço – A creche da Vila das Torres está situada na Rua Manoel Martins de Abreu, 35, ao lado do Posto de Saúde e do Projeto Piá. Doações também podem ser feitas pelo fone 264-5066.

Excesso de tarefas, adulto precoce

Cintia Végas

Do carrinho de rolimã à patinete. Das bolinhas de gude e do pião aos jogos de video-game. Das brincadeiras no meio da rua às brincadeiras inventadas dentro dos condomínios fechados e apartamentos. Com o passar do anos, o aumento da violência nas grandes cidades e o desenvolvimento tecnológico, não só as brincadeiras das crianças mudaram, mas também o estilo de vida e os modelos de comportamento.

Para a psicóloga Kelly Cristie Benvenutti e a pedagoga Clhoris Casagrande Justen, de Curitiba, as crianças de hoje são melhor informadas sobre a vida e o que acontece no mundo, tomam decisões com mais freqüência e têm maior poder de escolha. “Antigamente, as crianças esperavam a autorização dos pais para tudo. Hoje, por exemplo, mesmo pequenas elas entram em uma loja e escolhem suas próprias roupas e sapatos, geralmente já influenciadas pela moda e pela mídia em geral”, comenta Kelly.

Por outro lado, as profissionais dizem que meninos e meninas estão crescendo mais cedo e, por isso, deixando de aproveitar bem e desfrutar integralmente de uma fase importante e prazerosa da vida. Se antigamente as meninas brincavam de boneca até os quinze ou dezesseis anos, hoje garotas de dez já têm suas bonecas guardadas nas gavetas ou utilizadas como simples bibelôs. Muitas, querendo parecer adultas, se envergonham de serem levadas pelos pais até a porta do colégio, do shopping center, da casa das colegas ou do clube.

O mesmo acontece com os meninos que, cada vez mais cedo, estão deixando de ter comportamentos típicos de criança para agirem como adolescentes. Com cada vez menos idade, eles começam a namorar e querer sair para festas e bares. Descobrem o sexo cada vez mais precocemente e, se mal orientados, manifestam interesse pelo álcool e pelas drogas.

Responsabilidades

Segundo Clhoris e Kelly, o crescimento acelerado das crianças está ligado às melhores condições de vida da população atual, principalmente no que se refere à alimentação. Porém, o amadurecimento precoce pode ser influenciado por atitudes dos próprios pais, que sobrecarregam os filhos de atividades e fazem com que eles acompanhem o seu ritmo de vida.

Atualmente, a maioria dos pais têm um ritmo acelerado de trabalho e acaba permanecendo mais horas por dia no serviço para manter o nível de vida da família. Em função disso, não podem ficar tanto tempo com os filhos e acabam arrumando atividades para que eles não se sintam sozinhos e preencham o tempo livre.

Muitas crianças, transformadas em “mini-executivos”, cumprem uma agenda cheia de atividades diárias. Elas conciliam a escola às aulas de inglês, natação, judô, balé, música, informática, entre outras. “Se estes cursos forem muito sérios, vão gerar uma série de responsabilidades à criança, podendo fazer com que elas se sintam até estressadas. O melhor é matricular os filhos em cursos em que eles possam brincar e trabalhar a imaginação como, por exemplo, artes.”

Já Kelly, acredita que mesmo atividades aparentemente divertidas para a criança, como balé e futebol, podem se tornam um “peso” caso ela não se identifique ou não sinta prazer em praticá-las. Por isso, os pais devem ouvir a criança e saber se ela está satisfeita com o curso, se gosta do que faz e se quer continuar a freqüentá-lo. “Os pais, por mais que sejam ocupados, devem estar sempre acompanhando as crianças e procurando conhecer as necessidades delas”, declara. “Muitas vezes os pais acabam querendo que os filhos façam coisas que eles não tiveram a oportunidade de fazer. Isto faz com que as crianças se sintam muito pressionadas e aceitem a atividade apenas para agradar os mais velhos.”

Tempo para brincar

Independente da atividade que pratique, a pedagoga e a psicóloga recomendam que a criança tenha tempo livre para brincar. “A brincadeira é uma coisa muito saudável e um preparo para a vida futura. Traz benefícios ao corpo e à mente da criança”, explica Kelly. Clhoris previne que crianças que não brincam “deixam de viver experiências importantes para o seu desenvolvimento”.

Para muitos, ganhar presente é só um sonho

Cíntia Vegas

Mesmo as crianças de famílias mais carentes têm a esperança de ganhar um presente no Dia da Criança, apesar de saberem das dificuldades financeiras de seus pais.É o caso de Robin Bueno Ferreira, de 8 anos, e de Júnior da Luz de Souza. Ambos moram na Vila das Torres, em Curitiba, e entendem que seus pais não têm condições financeiras de comprar presentes. Porém continuam sonhando em ganhar alguma coisa.

Junior está feliz por ter ganho um caminhãozinho de seu pai, mas deseja um videogame, mesmo sabendo que o brinquedo é caro. Já Robin ganhou adiantado um carrinho com um barco, mas sonha com uma bicicleta. “Meu pai disse que, se eu passar de ano na escola, ele vai se esforçar e guardar dinheiro para comprar uma para mim”, conta.

Para os pais de baixa renda, não poder dar um presente para os filhos é algo frustrante. Mesmo passando por dificuldades, a dona-de-casa Adriana Loures, mãe de três meninas, de 6, 4 e 2 anos, diz que vai tentar guardar um dinheiro para comprar pelo menos um presente para todas. “No dia das crianças do ano passado, elas ganharam presentes da avó. Este ano, vou tentar economizar para dar alguma coisa a elas, mesmo que atrasado.”

Já a catadora de papéis Maria Eugênia Cora não poderá fazer a mesma coisa. Ela tem seis filhos, o mais velho tem treze anos, e não têm dinheiro para presentear a todos. Este ano, vai torcer para que pessoas voluntárias compareçam ao local onde mora para fazerem doações de brinquedos às crianças. “É triste não poder dar um brinquedo a eles, mas me conforta o fato de meus filhos terem saúde e serem crianças inteligentes”, diz. “Este ano, no dia das crianças, vou apenas rezar para que Deus presenteie meus filhos com muita vida e ainda mais saúde.”

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