Concursos apontam falhas no ensino jurídico

Os tribunais de Justiça do País enfrentam hoje um grande dilema: precisam preencher 30% das vagas que foram abertas com ampliações ou aposentadoria de magistrados, mas no entanto, não conseguem aprovação nos concursos públicos. Essa situação tem se repetido em praticamente todos os estados. No Paraná, por exemplo, no último concurso – que ainda está em processo de realização -, dos cerca de 2 mil inscritos para concorrer a uma das 70 vagas existentes, apenas 6 conseguiram ir para a terceira das quatro etapas do concurso. O processo pode ser encerrado sem candidato aprovado.

No Rio Grande do Sul, o Tribunal de Justiça necessita de 110 juízes para completar o quadro funcional. No último concurso em 2004, ofereceu 80 vagas, que foram disputadas por 4.472 candidatos. No entanto, apenas 53 conseguiram aprovação. Situação semelhante foi registrada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Essa situação não é nova, já que o rigor nos concursos sempre foi uma característica. Porém, nos últimos anos isso se acentuou, e reflete uma realidade que já vem sendo apontada por diversas instituições – como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) -, que é baixa qualidade do ensino jurídico. O tema, inclusive, foi objeto de pesquisa da professora do Departamento de Ciências Políticas da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora sênior do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais, Maria Tereza Sadek.

Corrosão

Segundo ela os cursos jurídicos surgiram no Brasil, durante o Império, com a clara intenção de formar a elite que iria dirigir o País. Em 1871, por exemplo, 86% dos senadores eram formados em Direito. Mas no último século, constatou a pesquisadora, o papel das universidades mudou, o que também fez mudar o perfil dos diplomados. "As escolas deixaram de ser financiadas exclusivamente pelo Estado, e os profissionais não eram mais direcionados para a política e administração pública", afirmou. Com o aumento da população, houve também um aumento no acesso à educação, ampliação da atuação profissional, e conseqüente aumento no número de faculdades de Direito.

Para Maria Tereza, esse cenário aparentemente promissor, propiciou o surgimento de cursos deficientes, despejando enorme contingente de bacharéis, muitas vezes mal- preparados, no mercado de trabalho.

Tal situação fez com que a OAB criasse, na década de 70, o Exame de Ordem, como condição para o exercício da profissão de advogado, e hoje tem sido um balizador da qualidade do ensino jurídico.

Segundo dados da OAB, existem mais de 600 faculdades de Direito no País, com cerca de 300 mil alunos matriculados, e o índice de reprovação no Exame da Ordem chegou a 70%. Esses números só não são maiores porque a instituição tem feito um trabalho para barrar a abertura de novos cursos. Nos últimos três anos, o Conselho Nacional de Educação autorizou a abertura de 222 cursos, porém, a OAB emitiu parecer positivo para a criação de apenas 19 deles. O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato afirma que a instituição vem trabalhando para acabar com o que o chamou de "estelionato cultural", procurando fiscalizar e mudar os critérios para a abertura de novos cursos. "Temos que examinar os aspectos didáticos desses cursos e recuperar o ensino público superior", falou. (Rosângela Oliveira)

Rigor da avaliação em xeque

Apesar de toda a crítica em relação a deficiência do ensino jurídico, o rigor dos concursos também é questionado. O advogado de Ponta Grossa, Joarez Lima diz que não é possível comparar o Exame de Ordem com o concurso para a magistratura. Reprovado em quatro concursos no Paraná, Lima diz que muitas questões cobradas nas provas "fogem do normal", pois são opiniões de apenas um autor. Outra reclamação é quanto às médias do concurso.

Já para a advogada do Rio de Janeiro, que há 1,5 ano vem tentando concursos no Paraná, Alice Mariana Tramoio a baixa aprovação nos concursos reflete uma falha na elaboração das questões. "Não podemos colocar a culpa nas universidades, pois no concurso o desempenho é individual", falou.

O professor de duas universidades particulares de Curitiba e também de um curso preparatório para concursos, Sérgio Said Staut Júnior a aprovação nos concursos depende de objetivo, vontade, determinação e organização do candidato. Ele diz que a qualidade da formação tem reflexo nos resultados, mas não pode ser encarada como único fator para a aprovação. (RO)

Magistrados defendem mudanças

A deficitária formação dos alunos no ensino jurídico também é unanimidade entre os magistrados. O desembargador do Rio de Janeiro e diretor da Escola Nacional da Magistratura, Luís Felipe Salomão entende que o problema da formação começa no ensino médio, e as vagas no sistema universitário são preenchidas por quem pode pagar bons colégios e não por quem realmente necessita. "Precisamos de uma ampla reformulação no sistema de ensino brasileiro", disse.

Em relação aos concursos para a magistratura, Salomão afirma que o modelo adotado pela maioria dos estados acaba selecionando os mais preparados intelectualmente, e não os com aptidão para a profissão. A Reforma do Judiciário trouxe a possibilidade da criação de uma escola de aperfeiçoamento do magistrado, que deverá unificar a exigência dos concursos e ampliar a forma de seleção, acrescentando inclusive, entrevistas com os candidatos.

Para o presidente da Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar), Gilberto Ferreira o atual modelo de seleção também não é o melhor, "porque acabam ficando de fora do concurso candidatos que são vocacionados".

Outra evidência apontada pelos dois magistrados é a chamada "juvenilização" na magistratura, ou seja, o juiz ingressa cada vez mais jovem na carreira. Segundo Luís Felipe Salomão, devido a concorrência, muitos recém-formados acabam ingressando na magistratura atraídos pela estabilidade profissional.

A juíza de Direito da 1.ª Vara Civil da Comarca de Francisco Beltrão (PR), Fernanda Maria Zerbeto Assis Monteiro sabe bem o que é isso. Menos de um ano após ter concluído a universidade, ela foi aprovada em um concurso com 25 anos. "Eu terminei as provas em novembro e em dezembro já assumi minha função. Senti muito dificuldade, não tinha maturidade profissional", falou.

A Reforma da Previdência trouxe uma emenda que deverá exigir três anos de experiência profissional para a participação em concursos. Os três magistrados entendem que essa medida – apesar de ainda precisar de regulamentação – vai refletir sensivelmente na qualidade dos magistrados. (RO)

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo