Assim como o calendário cristão conta com a Quaresma ? período de quarenta dias em que Jesus Cristo ficou no deserto, orando e em jejum ?, o calendário muçulmano tem o Ramadã. Durante trinta dias, contados a partir de ontem, muçulmanos do mundo todo devem seguir uma série de normas, como não se alimentar durante o dia, não mentir, não namorar nem fazer sexo antes das 20h. “O jejum é um treinamento espiritual bem interessante para os seres humanos. É a purificação da alma, do pensamento”, define o guia religioso da comunidade muçulmana em Curitiba, sheik Mohamad Khalil.
Morando há três anos no Brasil e falando a língua portuguesa com certa dificuldade, o sheik explica a importância do Ramadã: “É a obediência a Deus e a prática de um pilar importante do islamismo. Também reforça a liberdade sobre si mesmo, sente-se a solidariedade com os pobres e é o controle dos desejos de comer, beber, ter relações sexuais”, explica. Apesar da abstinência, Mohamad Khalil não define o Ramadã como um sacrifício. “É uma forma de agradecer o que a Pátria deu a ele. Não é sacrifício algum”, diz, salientando que se trata de uma lei divina que tem que ser praticada.
Jejum de dia
Pela tradição, os muçulmanos têm que permanecer em jejum enquanto o dia estiver claro. Khalil explica que o horário varia, dependendo a localização do país e mesmo do município. No caso de Curitiba, o Ramadã começa por volta de 5h da manhã e prossegue até aproximadamente às 20h. Para conseguir permanecer o dia todo sem se alimentar ? nem água é permitido ?, os muçulmanos costumam acordar mais cedo para se alimentar. “As famílias fazem as refeições nas próprias casas e não há uma cerimônia religiosa para isso. Quem é pedreiro, por exemplo, faz uma alimentação mais reforçada”, explica.
Além do jejum, os muçulmanos fazem as cinco orações diárias, com súplicas, orações e invocações a Deus. Todas sextas-feiras, ao meio-dia, eles participam de uma cerimônia na mesquita. Mesmo tantos anos depois de instituído ? o Ramadã foi criado por volta do ano 710 d.C, quando surgiu o islamismo ?, o sheik conta que continua sendo seguido pelas gerações mais novas. “Muitos não praticam a oração, mas desde pequenos praticam o jejum. Alguns acham que o jejum é pesado, mas não é. Até os médicos receitam jejum de cinco horas”, aponta.
Apesar de não ser definido como um sacrifício, o jejum durante o Ramadã exige algumas particularidades. O praticante tem que ser adulto, saudável, não pode estar viajando, não pode ser muito velho, nem estar sob efeito de anestesia ou desmaiado. “Quem é louco também não é obrigado a seguir”, salienta. Quanto à idade, é a partir de 9 anos para meninas e 15 para meninos. “A gente acredita que a adolescência na menina acontece mais rápido, por isso elas participam do Ramadã antes”, explica.
Sociedade Árabe
O presidente da Sociedade Árabe Brasileira, Moutih Ibrahim, conta que a idéia principal do Ramadã é que se tenha fome para sentir o sofrimento dos pobres. “Toda religião tem o lado revolucionário. No Islã, a revolução é entre o poderoso e quem não tem poder”, explica. Além disso, continua, o mês sagrado é voltado para agradecer, pedir perdão e ler o alcorão.
Ibrahim lembra que, diferentemente dos países islâmicos, no Brasil não há qualquer penalidade para quem não cumprir as normas do Ramadã. “Aqui vai da consciência de cada um”, diz, revelando que, na Arábia Saudita, se a polícia flagrar alguém fumando no mês sagrado, durante o período de jejum, ele vai preso.
Em todo o Brasil, existem cerca de 15 milhões de árabes e descendentes, dos quais entre 4 e 5 milhões são muçulmanos ? a grande maioria é cristã. No Paraná, há cerca de 250 mil árabes, sendo quase 50 mil muçulmanos.