Em 1975, vindo de Guarapuava, cheguei a Curitiba. Vim para estudar, fazer o cursinho preparatório ao vestibular, com o sonho de cursar Direito na Universidade Federal do Paraná. Aqui tinha queridos parentes: – os meus avós maternos, nessa altura já, apenas a minha avó materna, meus tios e primos por parte de mãe, entre os quais não posso deixar de referir os inolvidáveis Dalmir e Prudente, alguns parentes por parte de pai, e aqui devo lembrar a Dona Muriel, irmã de meu avô paterno, personalidade ímpar, mulher valorosa, exemplo para todos. Sentia-me confortável, portanto, na Capital. Fui morar na Rua Iguaçu, com uma afetuosa tia (Dinazir Dilma) e um dedicado primo, o Jéferson). A rotina era simples: – estudar e estudar. Algumas viagens a Guarapuava, para visitar a família, os pais e os irmãos, e assim passavam os dias. O tempo era tomado pela rotina. Mas não os sonhos. Estes sempre foram cavalos alados que me conduziam a um mundo de acontecimentos e possibilidades. Queria construir, estudar, fazer acontecer. Por mim, pelas minhas cidades, pela minha família. Fazer por prazer, por ofício, com naturalidade, porque esta seria a minha missão, a marca designadora de minha identidade.
Aprovado no concurso vestibular, freqüentei o curso de Direito na Federal e Economia, por um tempo, na FAE, mais tarde, na Federal. Também, incentivado por meu pai, comecei a estagiar, na área jurídica, já no segundo ano do curso. Fazia o Curso de Direito pela manhã, estagiava à tarde num escritório que foi determinante para a minha formação o escritório do notável advogado Roberto Machado, competente profissional que, todos os dias, encontrando-me no escritório, disparava perguntas em minha direção, especialmente para ver se eu andava mesmo estudando – e à noite ia para a Faculdade de Economia. Durante os intervalos estudava e, porque jovem, me divertia. Não havia heroísmo nas escolhas. Eram naturais. Meus amigos, especialmente os colegas da faculdade de Direito, seguiam caminho semelhante. Xixo fazia Letras à noite. Valdir, Estudos Sociais. O Trento era aluno do curso de Administração. Todos estudantes de Direito na Federal, pela manhã.
Tive, mais tarde, ocasião de residir com minha irmã, Christiane, minha primeira e definitiva amiga, no mesmo apartamento da Iguaçu. Nessa ocasião, Dona Mercedes, minha avó materna, esteve conosco. E como era bom! Cuidava dos netos, não deixava faltar nada, especialmente carinho, amor. E nós estudávamos. Christiane passou pelo cursinho, tendo depois freqüentado o curso de Odontologia, também na Universidade Federal. Formada, retornou para Guarapuava para exercer a profissão, onde mantém com Jorge, meu cunhado, uma linda família. Eu continuava meus estudos e meus estágios.
Conheci o inferno da prisão, como estagiário da área jurídica da Penitenciária Central do Estado. Estagiei, depois, no escritório do Carlos Freire Faria, professor de Tributário na UFPR e do guarapuavano João Luiz de Toledo prematuramente falecido. Lá, tive ocasião de aprender um pouco sobre o mundo, suas dores, suas chagas, suas injustiças. Tive ocasião de aprender que advogar implica compromisso e determinação. Mas também humildade. Algo mais do que simplesmente agir para ganhar dinheiro.
Fui funcionário do Tribunal Regional Eleitoral, onde conquistei amigos e os mantenho. Mas, durante o curso de graduação tive ocasião de ler. Lemos – digo lemos porque, nesse tempo, as leituras eram programas sempre com os amigos – um pouco de tudo. Filosofia, sociologia, história, literatura, economia, direito, política. A leitura era intensa, já que a curiosidade era grande e a consciência das falhas na formação absolutamente claras. Aliás, até hoje o exercício continua. A consciência do pouco que sei é cada vez maior. Daí a opção pela carreira acadêmica. Um lugar onde se ensina e onde, para ensinar, é preciso estudar, aprender. Sempre. Não há, afinal, possibilidade de academia sem estudo.
No último ano do Curso de Direito, a angústia. O que fazer? Um dado curioso, que talvez pouca gente saiba. Profundamente marcados à época, pelo pensamento marxista, escrevemos eu e o Xixo, companheiro de todas as horas – ao então Presidente de Angola, Dr. Agostinho Neto, oferecendo nossos préstimos à causa angolana. Pretendíamos, idealistas e ingênuos, dar nossa contribuição ao processo de construção do novo país, recém alçado à condição de Estado independente. Recebemos simpática carta do poeta e Presidente Agostinho Neto, agradecendo a oferta, mas, ao mesmo tempo, afirmando que Angola precisava mesmo, naquele momento, era de enfermeiros, médicos, agrônomos e professores. Não, todavia, de advogados. Nós seríamos mais úteis aqui, apoiando a causa angolana. Frustrado, mas ao mesmo tempo confesso – um pouco aliviado, pude continuar meus estudos, na qualidade de bolsista, ora da Capes, ora do CNPq, no mestrado da UFSC e no doutorado, na Université Catholique de Louvain, Bélgica, inicialmente, e depois na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Retornando da Bélgica, escolhi Curitiba para residir definitivamente. Por todas as razões. Pela família, pela qualidade da cidade, pela minha experiência enquanto estudante, pelo sonho de ser professor da Universidade Federal do Paraná. Quando subi, pela primeira vez, ainda como estudante, as escadas do velho prédio da Santos Andrade, decidi que naquele lugar haveria de permanecer por muito tempo. Daí a razão pela qual quando desci das escadas, formado bacharel, continuei estudando, para voltar um dia, na qualidade de professor. Professor que fez carreira rápida. Que, aprovado em concurso público, com menos de trinta anos já dava aula no Curso de Mestrado. E que com trinta e quatro, com seis livros publicados, assumiu a primeira Cátedra de Direito Constitucional da história da UFPR e, mais do que isso, foi à época, o mais novo catedrático de Direito Constitucional do Brasil. Nessa época profícua, tive ocasião de exercer a Coordenação e a Vice-Direção do Curso de Direito da UFPR Tive, também ocasião de, diante do apoio do então Diretor da Faculdade, Prof. Joaquim Munhoz de Mello, presidir a comissão responsável pela implantação do Curso de Doutorado da Instituição, programa que hoje, mercê da profícua gestão dos seus coordenadores, é um dos melhores do Brasil. Não posso, neste momento, deixar de lembrar três nomes marcantes na minha formação acadêmica. Refiro-me ao Prof. Luis Fernando Coelho, que mostrou as veredas que haveríamos de seguir no campo da filosofia do direito, ao Prof. Francis Delpérée, professor belga que apontou a necessidade de rigor, curiosidade e compromisso nos estudos constitucionais, e o Prof. Sansão Loureiro, este gênio do direito constitucional paranaense, tão discreto quanto erudito, que abriu mão de uma carreira para realizar-se nas realizações de um antigo aluno de graduação.
Na mesma época, fui, por dois intensos e felizes anos, Procurador da República, tendo depois, uma vez vitaliciado, deixado a carreira para dedicar-me, definitivamente, à advocacia privada e à advocacia pública, esta última na valorosa Procuradoria Geral do Estado do Paraná, lugar de gente competente e orgulhosa da sua instituição.
Curitiba, portanto, é o lugar que escolhi para morar, para constituir meu lar, para fazer família, para celebrar a amizade, para exercer minha profissão. Curitiba, entre as cidades brasileiras sempre residiu em lugar dedicado às mais queridas, e aqui já não falo das qualidades da cidade, que são muitas. Aqui falo de carinho, de gosto, de paixão. Paixão que mantenho pela minha Pitanga, onde tive a felicidade de nascer e onde mantenho amigos, amigos que conquistei ainda nos dois primeiros anos de escola, cumpridos no Colégio Santa Terezinha, os únicos que freqüentei naquela terra, e que mantenho até hoje. E esta é razão para o nascimento da UCP Faculdades do Centro do Paraná, instituição que vai mudando o perfil da região central do Paraná. Paixão que nutro, igualmente, por Guarapuava, cidade onde passei minha adolescência, anos doces e felizes, onde guardo, igualmente, inúmeros amigos e, por isso mesmo, estão lá as Faculdades Campo Real, contribuição que nós, velhos companheiros guarapuavanos, pretendemos dar à cidade que se transforma em importante pólo universitário.
Em Curitiba, nasceu a UniBrasil, projeto acadêmico construído com despreendimento e audácia e que, passados cinco anos, apresenta-se como uma das mais importantes instituições universitárias do Brasil, reconhecida pela sua competência e pela qualidade de seus cursos. Qualidade que tem sido atestada pelo MEC, diante dos resultados que têm obtido nas avaliações das condições de ensino para efeito de reconhecimento. São hoje cerca de cinco mil alunos que estudam numa área de cento e vinte mil metros quadrados. São quase duzentos funcionários e quase trezentos professores, razão pela qual a UniBrasil emprega hoje mais do que muitas multinacionais recentemente instaladas em Curitiba. Paga, entre impostos, contribuições e taxas um montante superior ao de muitas empresas festejadas, contribuindo para o país, não apenas com a qualidade de seu ensino, ensino comprometido ademais com os destinos do Brasil, como o próprio nome da instituição indica, mas também com a oferta de empregos e o pagamento de tributos. É importante que a sociedade curitibana tenha a real dimensão do que esses professores – a UniBrasil é a única instituição privada de Curitiba mantida exclusivamente por professores (e não, portanto, por empresários do ensino) – tem feito para a Capital. Tem feito para a Capital e pela Capital, porque a Capital merece.
Em Curitiba construí minha identidade. Aqui construo minha trajetória, minha biografia. Aqui tive a felicidade de constituir família, uma feliz família, com Marcela, esta maringaense amorosa e dedicada que também escolheu Curitiba para residir, e com meus filhos Ana Carolina, João Pedro e Fábio, orgulhos de minha vida. Aqui, tenho ocasião de conviver com meus pais, estes valorosos pais que souberam como poucos educar seus filhos, dar o exemplo devido, censurar ou apoiar na hora certa, daí a razão do sucesso dos demais irmãos, todos competentes profissionais e, mais do que isso, excelentes pai, mães, marido ou esposas. É para mim uma sorte ter Christiane, Luiz Roberto e Luciane como irmãos. É nesta cidade que desenvolvo meus sonhos, e sonho cada vez mais, nem a idade consegue me curar. É na atmosfera de Curitiba que me sinto definitivamente em casa. No passeio de sábado no Mercado Municipal, na caminhada semanal nas ruas do Ecoville até o Campo Comprido, nas visitas com Marcela à Catedral ou às simpáticas igrejinhas dos arredores da cidade, nas visitas às livrarias, na empadinha do Caruso, no chopp do Bar Brahma, no almoço familiar domingueiro em Santa Felicidade, no futebol do Paraná Clube no Pinheirão (que saudades do estádio da vila!), mesmo perdendo mais uma vez, na feirinha do Largo da Ordem, na visita indispensável às galerias de artes da cidade e, em especial, ao Solar do Rosário, nos cinemas de todos os dias, na nova peça do Guaíra ou na última apresentação da cada vez melhor Orquestra Sinfônica do Paraná, nas maravilhosas exposições do MON, nos passeios cotidianos pelo bem cuidado campus da UniBrasil, onde concretizamos, dia a dia, um sonho coletivo, ou nas conversas, infelizmente, cada vez mais raras, com os advogados, funcionários e estagiários do meu escritório de advocacia, na vista privilegiada que tenho da cidade, até a imagem do verde que cerca o Parque Barigui, minha visão matinal. É em Curitiba que vemos os quadros do De Bona, do Garfunkel, do Guido Viaro ou do Josué Démarche e os painéis inconfundíveis do Poty Lazarotto ou do Rogério Dias. É Curitiba a terra do Leminski, da Helena Kolody e do Dalton Trevisan. Este, portanto, é o meu lugar. O lugar que escolhi para mim, sem jamais esquecer de Guarapuava e de Pitanga. O lugar onde gastarei a minha existência, onde tudo faz sentido, onde o esforço guarda uma finalidade, onde o trabalho é fonte de prazer e de enriquecimento, onde consumo energia e tempo existencial para fazer algo que importe. Que importe para mim, para minha gente, para minha cidade.
Ganhei alguns títulos e condecorações. Passei por várias cidades, do Brasil e do mundo. Morei em muitos lugares, aqui e no estrangeiro. Tenho muito a agradecer a Deus. Tenho sido contemplado com mais do que pedi e com mais do que mereço. Mas este título que recebo hoje é especial. Tem uma significação maior. Trata-se de um simbolismo inexcedível. Sempre me senti cidadão curitibano. Sempre procurei agir como um. Agora, passo a ser um, de fato e de direito. Mas não o tomo para mim. Apenas. Gostaria que todos que estiveram nesta caminhada ao meu lado, minha mulher, meus filhos, meus pais e irmãos, meus familiares em geral, meus amigos e companheiros, todos se sentissem também homenageados e felizes. Homenageados porque, através de mim, também recebem o reconhecimento dos representantes do povo de Curitiba, já que uma vida não se faz sozinho. É preciso gente, vida, amigos, projetos e sonhos compartilhados. E felizes por saberem que o Brasil tem cidades como Curitiba, que recebe imigrantes, que os acolhe, que dá a eles condição para o crescimento, para o pleno desenvolvimento de suas potencialidades. Curitiba é o lugar onde se pode fazer a América. É o paraíso. É a cidade onde se pode sonhar e realizar o sonho.
E Curitiba, além de tudo, tem vereadores como estes que me concederam o título. Edis como Ney Leprevost, o proponente, filho de pais adoráveis, contando com irmãos empreendedores, que ostenta a rara sensibilidade de perceber o quanto um gesto pode ser importante para uma pessoa, para uma gente, para uma cidade. Esta rara sensibilidade, que nem sempre encontramos, no campo da política, entre aqueles que estão às vezes até mais próximos, mas que faz toda a diferença. Muito obrigado, Ney pela proposta, obrigado senhores vereadores pela aprovação unânime, ao Prefeito de Curitiba, que sancionou o projeto de lei e, finalmente, ao povo de Curitiba, que através de seus legítimos representantes me brinda com este presente. Estou ciente da responsabilidade. E, por isso feliz, tudo farei, que estiver ao meu alcance, para honrar o nome de Curitiba e defender os interesses de sua gente.
Clèmerson Merlin Clève
professor titular das Faculdades de Direito da UFPr. e da UniBrasil. Professor no Programa de Mestrado e Doutorado da UFPr. Mestre e Doutor em Direito. Pós-graduado pela Université Catholique de Louvain (Bélgica). Professor convidado do Programa de Doutorado em Direitos Humanos da Universidade Pablo de Olavide (Sevilha/Espanha). Procurador do Estado. Advogado em Curitiba.