Mães que não esquecem

Christiane Yared: “A coisa mais triste é enterrar um filho”

Gilmar Rafael Souza Yared morreu no dia 7 de maio de 2009 aos 26 anos, quando o Passat SW, placas ANR-0097, dirigido pelo então deputado Luiz Fernando Carli Filho (PSB), com 27 anos, decolou por volta da 1 hora da madrugada na Rua Monsenhor Ivo Zanlorenzi, no Mossunguê, e além de arrancar a parte superior do veículo em que a vítima se encontrava, um Honda Fit, placas BEK-9253, tirou também a vida do acompanhante, Carlos Murilo de Almeida, de 20 anos.

O carro de Carli estava em alta velocidade e o dos rapazes que tiveram a parte superior do corpo arrancada estava entrando lentamente na rua em que ocorreu o acidente. As evidências apontam para a participação de Carli em um racha.

Nestes seis anos e sete meses, a mãe de Gilmar, Christiane Yared, se transformou num símbolo quase isolado do combate aos homicídios no trânsito e em particular, na luta pelo julgamento de Carli, para que o crime além de não cair no esquecimento, não caia também na impunidade. De lá para cá, Christiane enfrentou tudo que foi tipo de ameaças e propostas para esquecer o assunto.

“Primeiro um homem me visitou na confeitaria e me ofereceu dinheiro. Falou em 200 mil, subiu para 300, depois 500 e finalmente 1 milhão. Ele voltou outros dias e como não obteve a resposta que queria, ele fez ameaças. Ele dizia: a senhora não sabe com quem está mexendo, Dona Christiane. A senhora está falando demais”, conta ela.

“Depois foi uma senhora que me disse que a proposta podia ser maior e chegar a 5 milhões. Eu respondi: a senhora tem três filhos, a senhora trocaria a vida de um deles por este dinheiro?”, conta ela.

O assunto morreu ali. As ameaças noturnas por telefone tiraram o sono de Christiane muitas noites e a lembrança do filho no caixão impediram muitas outras que dormisse. Ela perdeu a conta de quantas lágrimas derramou. Hoje com imunidade parlamentar, depois de eleita o ano passado deputada federal pelo Partido Trabalhista Nacional, com a maior votação no estado, 200.144 votos, as ameaças cessaram. Mas a luta não.

Aos 55 anos, Christiane ainda carrega como resultado de sua luta a campanha “190 km por hora é crime” e a fundação do Instituto Paz no Trânsito. No Congresso, ela se empenha em introduzir mudanças na legislação para evitar que os homicidas do trânsito escapem como ratos pelos ralos da legislação brasileira e fiquem impunes.

A seguir, os principais trechos de sua entrevista concedida em sua residência numa tarde de segunda-feira a este repórter da Tribuna do Paraná e ao jornalista Sandro Dalpicolo, da RPC.

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Posted by Tribuna do Paraná on Tuesday, October 6, 2015

Anatomia de uma dor

“A coisa mais triste é enterrar um filho. Eu me lembro que no dia 7 de maio meu filho almoçou conosco, me deu um beijo e outro no pai dele e foi embora, disse que ia se encontrar com os amigos. Depois disso eu fui ver o meu filho em um caixão lacrado. Nem sabia o que tinha acontecido exatamente com ele. Fui saber no domingo, Dia das Mães, que me contaram que a parte superior do corpo tinha sido arrancada,. Este foi meu presente do Dia das Mães. A cabeça de meu filho. É uma dor incrível. Depois vem outras dores, a dor da revolta, a dor da aceitação, a dor da saudade, que vai amenizando. Esta última é um remédio amargo. Não é normal enterrar um filho porque um filho é um sonho. E isto nos leva a madrugadas e noites intermináveis”.

O que aconteceu?

“Tem muitas coisas que não fecham neste acidente. Os radares desapareceram e as imagens filmadas do que acontecia nas ruas sumiram. Por quê? Quem fez isto? Cadê as imagens e por que elas sumiram? A oferta de dinheiro para que esquecesse o caso. E, depois, as ameaças de morte que recebi. Eu quero que as pessoas entendam que eu não quero vingança, eu quero justiça. Eu preciso de ter a certeza de que existe justiça, porque eu tenho outros dois filhos e tenho netos. E eles precisam conviver em um ambiente que existe justiça. Todo mundo precisa”. 

Quem era esta pessoa?

“Tem muita coisa para vir à tona. Os rumores na cidade são grandes. Quem eram as pessoas que estavam fazendo racha naquela noite em que meu filho morreu? Quando esta pergunta vai ser respondida? Porque teve um racha naquela noite. E a pessoa que estava participando era muito importante. Quem era esta pessoa? Hoje a minha luta é para levar o deputado Carli ao banco dos réus. A justiça é morosa, embora a justiça do Paraná seja exemplar. No entanto, as brechas na lei permitem essa morosidade. Eu e meu esposo precisamos enterrar o meu filho. E isto só será feito quando a justiça for feita”.

Quanto custa um filho?

“Eu tive meus telefones grampeados. Ainda hoje tenho. Me ofereceram dinheiro para esquecer o caso. Muito dinheiro. Lembro como hoje que entrou um policial no café. Ele disse que ia mostrar uma coisa. Perguntou, como é que a senhora está? Ele disse que trabalhava com um fulano. Uma coisa maluca. Ele foi direto. Quanto é que a senhora quer? Duzentos mil, trezentos mil, quinhentos mil, 1 milhão? Eu respondi que não tinha dinheiro no mundo que resolveria esta situação. Ele foi lá durante quinze dias na empresa. No final ele dizia: Está falando muito Dona Cris”.

Eles estão atrasados

“Eu não posso esquecer que o meu presente do Dia das Mães em 2009 foi a cabeça de meu filho. A família do deputado Carli nunca me procurou. Após o acidente, a mãe dele disse que ia me procurar. Nunca me procurou. Ninguém. Não recebi nem um telefonema. Faz seis anos. Eles estão atrasados para o enterro do meu filho. Hoje a nossa conversa acontece nos tribunais. Eu poderia perdoar. Mas ele não se arrependeu do que fez. Nem Deus perdoa quem não se arrepende. Perdoar naturalmente não significa ausência de punição. O erro tem que ser punido, Punam o homicida”.

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