Educação

Censurado: livro sobre racismo e violência policial é retirado das escolas do Paraná

Foto: Agência Brasil.

O Governo do Paraná causou uma polêmica ao solicitar a retirada do livro O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório, das escolas públicas do estado. O material foi incluído no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) em 2022.

Na segunda-feira (04), um ofício do Núcleo Regional da Educação de Curitiba (NRE-Curitiba), da Secretaria de Educação do Paraná, determinou a entrega de todos os exemplares à sede do núcleo, até sexta-feira (08). Segundo o documento, a obra passará por análise pedagógica e posterior encaminhamento.

O ofício é assinado pela chefe do NRE-Curitiba, Laura Patrícia Lopes, que justifica a ação por ter “foco na construção das aprendizagens em cada uma das etapas de escolarização”.

“Não vamos aceitar qualquer tipo de censura”, diz autor de livro retirado das escolas

Na rede social, Jeferson Tenório, o autor do livro vencedor do Prêmio Jabuti 2021 na categoria Romance, divulgou a cópia do ofício paranaense e escreveu que nenhuma autoridade tem o poder de mandar recolher materiais pedagógicos de uma escola. “É uma atitude inconstitucional. É um ato que fere um dos pilares da democracia que é o direito à cultura e à educação. Não se pode decidir o que os alunos devem ou não ler com uma canetada.”

“São atos violentos e que remontam dias sombrios do regime militar. Inaceitável uma atitude antidemocrática como essa em pleno 2024. Não vamos aceitar qualquer tipo de censura”, repudiou.

Em entrevista ao telejornal Repórter Brasil, da TV Brasil, emissora da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), nesta terça-feira (5), Tenório, comentou outro episódio de censura ocorrido no final da semana passada.

Em vídeo divulgado nas redes sociais, a diretora da Escola Estadual de Ensino Médio Ernesto Alves de Oliveira, de Santa Cruz do Sul (RS), Janaina Venzon, leu trechos do livro e classificou como lamentável o envio do material com  “vocabulários de tão baixo nível” pelo governo federal.

Para Tenório, ambos os casos de cerceamento podem estar relacionados aos temas abordados na obra literária, como a violência policial, o racismo estrutural e críticas à precariedade da educação.

“Ele traz algumas cenas e algumas frases que são justamente utilizadas para agredir pessoas negras e periféricas. Essas frases e cenas que a [diretora Janaina] elencou são, na verdade, como as pessoas negras são vistas, como elas são sexualizadas, como elas são violentadas na sociedade.”

O escritor explicou que a descrição de cenas de agressão ou os palavrões citados não estão ali gratuitamente. “Eles estão acompanhados de uma reflexão sobre aquilo. E fazer esse tipo de crítica é subestimar a inteligência dos alunos. Porque os alunos também veem dentro de casa, eles também têm saberes, conhecimentos. Eles têm acesso à internet com conteúdos terríveis, sem nenhum tipo de reflexão. E a literatura e a arte fornecem, justamente, essa reflexão.”

Secretaria da Educação do Paraná se pronuncia após polêmica

Em nota, o Sindicato dos(as) professores(as) e funcionários(as) de escola do Paraná (APP-Sindicato) comentou a decisão de recolhimento do livro. “Esse episódio entra para história como um dia triste e reforça a necessidade de denunciar e combater a contaminação da educação pública paranaense por ideologias extremistas, conhecidas pela negação dos direitos humanos e por atentar contra a democracia, a cultura, a diversidade e a pluralidade de ideias.”

Nas redes sociais, livrarias, editoras, autoridades do governo federal, leitores e outros escritores prestam solidariedade a Jeferson Tenório.

Em nota, a Secretaria de Estado da Educação do Paraná (Seed-PR) disse à Agência Brasil que conduz habitualmente a revisão dos materiais incluídos no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). 

“A medida visa apoiar os professores no trabalho pedagógico aliado ao currículo e aos objetivos de aprendizagem em cada uma das etapas de ensino, a partir do conteúdo exposto nas obras literárias disponíveis.”

Especificamente sobre a obra O Avesso da Pele, a Seed-PR reconhece que a temática abordada é verdadeiramente importante no contexto educacional. Porém, a secretaria pontua que a análise do livro se mostrou necessária e justifica. “Em determinados trechos, algumas expressões, jargões e descrição de cenas de sexo utilizados podem ser considerados inadequados para exposição a menores de 18 anos (janela etária da maioria dos alunos de ensino médio no estado).”

A Secretaria de Educação paranaense fundamenta a decisão “em respeito aos próprios estatutos legais da lei brasileira, de salvaguarda à criança e ao adolescente, no que diz respeito à exposição aos referidos conteúdos”.

Rio Grande do Sul negou retirada dos livros

No Rio Grande do Sul, a secretaria estadual de educação (Seduc), por meio de nota, esclareceu que não orientou que a obra fosse retirada de bibliotecas da rede estadual de ensino.

A Seduc, então, derrubou a censura ao livro premiado nas escolas e bibliotecas. “A 6ª Coordenadoria Regional de Educação irá seguir a orientação da secretaria [estadual] e providenciar que as escolas da região usem adequadamente os livros literários”, diz a nota.

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