Foto: Walter Alves/O Estado

 Explosão do navio Vicunã matou 4 pessoas há um ano.

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Eram 19h43 do dia 15 de novembro de 2004. O bairro do Rocio, em Paranaguá, estava em festa. Era dia da tradicional comemoração da santa que empresta o nome à região e à padroeira da cidade, Nossa Senhora do Rocio e, como acontece anualmente, a praça em frente à Catedral Diocesana estava repleta de romeiros, que aguardavam um show da cantora Elba Ramalho. ?Eu fritava pastéis quando vi um clarão seguido de um grande barulho de explosão, que fez tudo tremer e os vidros da igreja quebrarem. Era como se um grande terremoto tivesse atingido Paranaguá?, relata a comerciante Eudira Fernandes D?Oliveira, que, no dia em que o navio de bandeira chilena Vicuña explodiu, trabalhava em uma das barracas da festa.

O Vicuña estava atracado no píer da empresa Catallini Terminais Marítimos, e descarregava uma carga de 11 mil litros de metanol. Com os tanques já reabastecidos para a partida, a explosão que partiu o navio em dois derramou uma quantidade não calculada de óleos diesel e bunker na Baía de Paranaguá. Passado um ano do acidente que mexeu na economia do município, deixou quatro pessoas mortas e obrigou os órgãos marítimos e ambientais a reverem o sistema de segurança do Porto de Paranaguá, as causas do acidente ainda não estão totalmente esclarecidas.

O Ministério Público Federal, baseado num inquérito policial feito pela Capitania dos Portos, Polícia Federal e Polícia Civil, ainda investiga o acidente. A Guarda Portuária, vinculada à Capitania dos Portos, também acompanhou o trabalho de retirada dos destroços do navio e a limpeza da baía, e fez um relatório que será encaminhado para o Tribunal Marítimo, órgão da Marinha, sediado no Rio de Janeiro. ?São eles que apontarão os responsáveis pela explosão?, explica o guarda portuário Sérgio Luiz Monteiro, que ajudou a fazer o documento. O julgamento do caso deve acontecer ainda este ano.

Segundo o advogado Flávio Infante Vieira, que representa a Catallini, técnicos e peritos da empresa garantem que devido ao tipo de operação, as características do produto que estava sendo descarregado pelo navio e as condições meteorológicas no dia do acidente, a fonte de ignição que provocou a explosão não partiu do terminal. ?Isso exime a empresa de qualquer responsabilidade sobre o acidente e suas causas?, diz. A reportagem não conseguiu entrar em contato com a empresa dona do navio.

Multas

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Mas a Superintendência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no Paraná e o Instituto Ambiental do Paraná (IAP), baseados em um relatório de quase mil páginas redigido por seus técnicos, já multou as empresas envolvidas no acidente. A companhia chilena Sociedad Naviera Ultragás Ltda., proprietária da embarcação, e a Catallini, responsável pelo terminal, receberam a multa máxima prevista na legislação ambiental: R$ 50 milhões cada uma. A Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina (Appa) foi autuada em R$ 1 milhão. A Methanex Chile Limited, que fabricou o metanol, e as empresas Borden Química Indústria e Comércio Ltda., Synteco Produtos Químicos S/A e a Dynea Brasil S/A, donas do produto, também foram autuadas.

Todas apresentaram defesa administrativa nos órgãos ambientais, e aguardam o trâmite dos processos. ?Pode levar tempo, mas todas acabam tendo que pagar as multas. Mas infelizmente, às vezes isso ocorre num prazo que não agrada a sociedade?, afirma o superintendente do Ibama no Paraná, Marino Gonçalves. Mas o Ibama espera conseguir um acordo com as empresas, para que 90% do valor das multas seja revertido na recuperação do ambiente afetado.

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Vale lembrar que os dois órgãos, de acordo com a legislação ambiental, tinham o dever de fiscalizar as empresas que funcionam no porto. Na época da aplicação da multa, o superintendente da Appa, Eduardo Requião, reclamou, dizendo que essa obrigação não estava sendo cumprida. ?Na época o porto estava em processo de licenciamento para adequação à legislação, por isso não dava para exigir que o Ibama e o IAP fiscalizassem?, explica Gonçalves. Ele acredita que os órgãos não têm responsabilidade no acidente. Todavia, a explosão do Vicunã acelerou a modernização do aparato de segurança do porto. Hoje o IAP é responsável por fiscalizar as empresas particulares que lá operam, e o Ibama as estatais. ?Foi um remédio amargo, mas importante. Hoje nosso orçamento prevê mais dinheiro para investir no porto?, revela o superintendente.

Opinião parecida tem o presidente do IAP, Rasca Rodrigues. ?A explosão ocorreu por uma série de coincidências, assim como o vazamento. Se o navio tivesse reabastecido depois de descarregar, o impacto ambiental teria sido muito menor?, explica. Ele ressalta ainda que o Centro de Defesa Ambiental feito depois do acidente se tornou modelo para o resto do País. ?Explosões de navios só ocorreram dois no mundo. O Vicuña e outro carregado de dinamite na Holanda. Isso não deve mais acontecer, mas caso haja algum outro tipo de acidente com vazamento, estamos preparados para conter os produtos rapidamente e evitar danos ao ambiente?, diz Rasca.

Retirada

A retirada dos restos do Vicuña do píer da Catallini necessitou de 134 dias de trabalho. Foram necessárias várias tentativas, algumas frustradas, para içar as três partes em que o navio foi cortado. Vazamentos de óleo e multas também marcaram a operação, que só foi concluída em março de 2005. Desde julho o píer da Catallini já opera e recebe cerca de 15 navios por mês. 

Pesca e comércio foram prejudicados

Pescadores das baías de Paranaguá, Guaraqueçaba e Antonina foram os mais atingidos com a explosão do Vicuña. A maioria pratica a pesca artesanal na região, feita com canoas e próxima à costa, de sol a sol. Na ocasião da explosão, ficaram praticamente dois meses impedidos de pescar. Passado um ano do acidente, afirmam que ainda não se recuperaram do baque econômico que sofreram, agravado pela diminuição da quantidade de peixes na região.

?Antes tirava em média R$ 400 por semana. Agora mal consigo chegar a R$ 150?, desabafa Lourival Pereira, pescador da Baía de Paranaguá há mais de 30 anos. O presidente da Federação das Colônias de Pescadores do Paraná, Edmir Ferreira, diz que a queda na pesca da região foi de cerca de 70%. ?Quando o navio explodiu era época do crescimento do camarão (um dos principais produtos da região), que estava em forma de larva na baía. Não houve tempo hábil para a sua recuperação?, explica.

O prefeito de Paranaguá, José Baka Filho, afirmou que o município teve sérias perdas depois do acidente. ?Além da diminuição da pesca, a poluição gerada pelo acidente com o navio Vicuña afastou muitos turistas?, disse. A queda da pesca também refletiu no comércio local, predominantemente proveniente dessa prática. Na época do acidente, a Catallini e a Ultragás distribuíram cestas básicas a muitas famílias dos pescadores. Essa última empresa até mesmo já chegou a um acordo com as colônias. ?Mas ainda brigamos na Justiça para que possamos ter indenizações dignas?, diz Ferreira. São cinco ações conjuntas correndo na Justiça em nome dos quase 4,2 mil pescadores da região. (DD)

Danos ao ambiente geram discussões

O óleo que vazou do Vicuña atingiu áreas a 30 quilômetros do Porto de Paranaguá, que contaminaram a praia de Pontal do Sul, o litoral de Antonina e Guaraqueçaba e chegou até as ilhas do Mel e das Cobras. Mas o grau do impacto causado pelo combustível ainda é motivo de discussão por ambientalistas. Na semana passada, depois de uma reunião entre técnicos do Ibama, IAP e Ministério Público, ficou decidido que as empresas responsáveis pelo vazamento continuassem a limpeza da área, que praticamente parou no meio do ano.

Segundo o deputado estadual Neivo Beraldin, presidente da comissão instaurada pela Assembléia Legislativa para investigar a explosão, ainda falta muito para ser limpo no litoral. ?Acompanhamos as fiscalizações e ainda brota óleo em diversos lugares. O acidente deve deixar marca pelos próximos dez anos?, afirma. Mas assume que existem dois pareceres diferentes sobre o caso. ?Tem gente que defende a limpeza, e outros que acreditam que é melhor deixar a natureza se recuperar sozinha.?

Segundo um relatório apresentado pelo Centro de Estudos do Mar (CEM), da Universidade Federal do Paraná, os ecossistemas das áreas atingidas – compostos por manguezais, marismas e costões rochosos – são frágeis, mas podem apresentar uma grande capacidade de autolimpeza e auto-regeneração. O documento sugere que as populações animais podem retornar rapidamente às suas densidades populacionais e que técnicas de limpeza ou corte de plantas contaminadas são medidas extremas. É o que se chama de biorremediação. (DD)