Um drama vivido por moradores dos bairros Jardim Cristal, Jardim Marambaia e Barro Preto, em São José dos Pinhais, Região Metropolitana de Curitiba, está um pouco mais próximo de acabar. Contaminados por resíduos tóxicos estocados de maneira irregular pela empresa Recobem Indústria e Comércio de Tintas e Vernizes Ltda., eles moveram em 2003, através de uma associação de bairro, ação de indenização contra vários contratantes da empresa.
Embora tivessem obtido decisão desfavorável do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), alegando que a associação não poderia representá-los, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reverteu a decisão no mês passado, ao concluir que a entidade tem legitimidade para representar os moradores no processo.
Posicionamento que pode, inclusive, abrir precedente para que outros prejudicados busquem indenização. Ao menos é a posição do advogado da entidade, Alceu Machado Filho. Na época, a Associação dos Moradores do Jardim Cristal e Jardim Marambaia uniu 808 filiados. Mas os loteamentos têm cerca de 2,8 mil moradores. No Barro Preto, são mais 500, só na região afetada pelos produtos tóxicos. ?Uma questão como essa não deveria já ter cinco anos sem estar definitivamente encerrada?, lamenta Machado. ?Se fosse solucionado há dois anos, certamente algumas mortes teriam sido evitadas. Na fase final de postulação do processo, morreu uma criança de oito anos.? Ele explica que muitas crianças estão com o tálamo – região responsável pela organização cerebral – danificado. ?E nesse caso o dano é irreversível.?
O fundador da Associação dos Moradores, Paulo Silva, que também era presidente da entidade na época em que a ação foi iniciada, diz que a população do local sofre até hoje com problemas respiratórios, na garganta e no estômago, além de dores de cabeça constantes e intensas. A incidência de câncer, principalmente no estômago e na faringe, é comum, segundo ele.
Silva está visivelmente aliviado com a decisão, que permite que a ação prossiga. Ele próprio é vítima e parte na ação. Hoje, não mora mais no local, pois alega ter sofrido ameaças na época em que iniciou o processo.
Desdobramentos
A questão, porém, ainda está longe de ser totalmente definida. Além da ação coletiva proposta pela associação, corre também na Segunda Vara Cível de São José dos Pinhais uma ação civil pública, movida pelo Ministério Público Estadual (MPE) desde 2000. Hoje, algumas empresas envolvidas estão firmando acordos propostos pelo MPE.
Nos acordos, as empresas depositam valores, revertidos à Secretaria Municipal do Meio Ambiente do município, baseados na quantidade de barris de produtos tóxicos encontrados nos depósitos da Recobem. Em troca, deixam de figurar como réus nos processos. Os acordos, porém, não se destinam a todas as empresas envolvidas. De acordo com o promotor Divonsir José Borges, responsável no MPE pelo processo, os acordos visam a obter, de uma forma mais rápida, recursos para a reparação do dano ambiental.
Treze anos depois, problemas de saúde ainda acometem população
Foto: Fábio Alexandre |
João Teixeira da Cruz: ?É a nossa pequena Chernobyl?. |
Oito anos depois do início dos processos e quase 13 anos depois da falência da Recobem, muitos moradores das regiões afetadas ainda sofrem com problemas derivados da contaminação ambiental causada pela empresa. Dores de cabeça, sinusite, tonturas e problemas na pele são comuns. Alguns desconfiam que o contato constante com os produtos tenha causado problemas em órgãos, como a vesícula.
?É a nossa pequena Chernobyl?, diz o engenheiro João Teixeira da Cruz, que era presidente do Conselho do Meio Ambiente na época e que atualmente voltou ao cargo.
Não só ele, mas também o promotor Divonsir Borges e o advogado Alceu Machado Filho, comparam o desastre ambiental provocado pela Recobem ao acidente ocorrido em 1986 na União Soviética. ?Gastamos dinheiro do nosso próprio bolso com tratamentos e exames?, conta a agricultora Maria Aparecida de Oliveira, 58, moradora do bairro Barro Preto.
O povo da região até hoje tem medo de falar sobre o assunto.
Outra moradora, Sueli Pontes da Silva, sofreu ainda mais com os resíduos. Por sua casa estar em uma baixada, a água da chuva acabava levando as substâncias tóxicas diretamente ao terreno. ?Ainda hoje sentimos cheiro?, denuncia. ?Várias pessoas aqui do bairro já operaram a vesícula. Eu mesma operei há 11 dias. Fiquei mal por cinco anos.
E o meu filho vive indo em médicos até hoje?, relata.
Substâncias contaminaram solo, ar e água
O problema ambiental começou a vir à tona em outubro de 1995, com a falência da Recobem Indústria e Comércio de Tintas e Vernizes Ltda. A empresa, que começou a operar em 1984, tinha sido contratada por outras companhias para serviços de reciclagem e armazenamento de borra de tinta, resíduo altamente tóxico resultante da fabricação ou uso do produto. Porém, uma grande quantidade de material foi estocada de forma irregular. Eram pelo menos duas mil toneladas de resíduos a granel e 4,6 mil tambores de 200 litros. Vários deles foram enterrados, enquanto outros eram simplesmente deixados em pátios ou galpões, sujeitos à ação do tempo. Substâncias tóxicas foram liberadas no meio ambiente, contaminando o solo, o ar e até água, já que os dois maiores depósitos da empresa ficavam próximos a importantes rios da região, o Miringuava e o Itaqui. Apenas depois de denúncias de organizações não-governamentais (ONGs) ao Conselho Municipal do Meio Ambiente de São José dos Pinhais a questão começou a ser tratada publicamente.