As famílias que moravam em casas na beira-mar em Matinhos – entre as avenidas Curitiba e Brasil – foram surpreendidas no início da manhã de ontem por uma ação da Polícia Federal para a demolição das construções. A ação foi em cumprimento de uma determinação de reintegração de posse, expedida pela juíza federal Ana Beatriz Vieira da Luz em favor da União. Os moradores foram pegos de surpresa, pois, apesar da juíza ter dado um prazo de trinta dias para a desocupação da área – que venceu à meia noite de sexta-feira -, a data para o cumprimento da medida judicial era esperado para às 8h de amanhã.
?Eu acordei às 5h30 com alguém chutando a minha porta, dizendo que eu tinha cinco minutos para retirar o que pudesse. Só consegui levar umas roupas e o trator derrubou tudo?, disse o auxiliar de serviços gerais, Mário José Ruvinski. ?Eles nos trataram como animais?, denunciou o comerciante Carlos Alberto Pacheco Santos. Ele e a esposa, Terezinha Gonçalves, tiveram o sobrado – no qual investiram R$ 48 mil – derrubado em menos de dez minutos. Só conseguiram salvar dois freezeres lotados de peixe, mas que ficaram abandonados na areia. ?Minha esposa é cardíaca e não pode nem pegar o remédio. Isso foi um abuso?, lamentou.
Josefina da Silva veio de Maringá, há um ano, e construiu uma casa no local. Ela conta que estava trabalhando, quando recebeu a notícia da demolição. ?Quando cheguei aqui estava tudo no chão?, disse, acrescentando que entende que a União tem direito de solicitar a retirada, mas que poderiam ter mais sensibilidade com as pessoas. ?Eles não têm idéia de quanto tempo eu levei para comprar minha geladeira ou a televisão para os meus filhos. E agora, como vou adquirir tudo isso novamente??, questionou. Jorge Mansur Centeno, que tinha uma pousada à beira-mar, recebeu a promessa dos comandantes da operação que sua casa não seria totalmente danificada, para que ele pudesse guardar as dezoito camas e colchões, até a conclusão da casa que está construindo em outra área. Mas isso não aconteceu, e o sobrado foi demolido.
Legal
A oficiala de Justiça Fabiana Silveira disse que a operação de demolição das casas estava embasada em um processo judicial, que iniciou em maio do ano passado, quando a área foi considerada de risco, após a ressaca que atingiu diversas casas. Mas onze pessoas ingressaram com uma ação de interdito proibitório contra a União para permaneceram no local. O advogado que cuidava do processo, na época, abandonou a ação e a Justiça mandou notificar os moradores há um mês, dando um prazo de 30 dias para a desocupação.
Segundo Fabiana, a preocupação era que mais de cem pessoas, entre elas, setenta crianças, estavam correndo risco de morte no local. A ação de ontem previa a demolição da casa das onze famílias que ingressaram na Justiça, entretanto outras quatro acabaram sendo derrubadas. A oficiala disse que isso aconteceu porque a rua que dividia os lotes era muito estreita, além de ser quase impossível o trator derrubar uma casa sem atingir a vizinha.
O delegado da Polícia Federal, Antônio Hadano, que comandava as operações, justificou a presença dos mais de quinze policiais armados no local, como forma de apoiar as oficialas na reintegração de pose. Ele confirmou que estavam dentro do prazo dado pela Justiça para desocupar a área. A representante da Secretaria do Patrimônio da União não quis falar sobre o assunto.
No início da tarde, os moradores fizeram uma fogueira no meio do assalto, entre as avenidas Paranaguá e Curitiba, com as madeiras das casa derrubadas. O protesto foi contido pela Polícia Militar, que prendeu quatro pessoas por perturbação da ordem e obstrução da via pública. O Corpo de Bombeiros foi chamado para apagar o fogo.
Surpresa até para o prefeito
A ação de demolição das casa pegou todos de surpresa. Enquanto muitas pessoas comemoravam a vitória da seleção brasileira na Copa do Mundo, outras acompanhavam estarrecidas a operação em Matinhos. As primeiras casas foram derrubadas por volta das 7h, mas uma hora depois o trator teve dois pneus furados e os trabalhos foram interrompidos por duas horas.
Além dos moradores, muitos veranistas cobravam a ausência de apoio da prefeitura local na operação. Quem conseguiu retirar alguns objetos teve que pagar pelo seu transporte. Antônio Pereira trabalhou durante todo o dia fazendo o transporte para as famílias. Ele disse que cobra, em média, R$ 25,00 pelo serviço, mas ontem reduziu o preço para R$ 15,00. “Eu também não posso explorar esse povo.”
O casal Antônio Nelson e Rosilda Kosiaki veio de Curitiba para passar o final de semana em Caiobá. Ambos afirmaram que ficaram sabendo da operação pela imprensa. “A gente até concordaria com a ação, se as famílias não tivessem ficados desabrigadas. Acho que a Prefeitura, pelo menos, deveria ter ajudado no transporte”, ponderou Rosilda. Já Antônio acredita que algumas pessoas, que não tem para onde ir, poderão invadir casas de veranistas.
Briga
O prefeito de Matinhos, Acindino Duarte, não foi encontrado, nem na prefeitura, tampouco na residência. O secretário municipal da Habitação e Assuntos Fundiários Mário Pock explicou que a prefeitura também foi pega de surpresa. Por isso, não teria mandado auxílio às famílias. “Nós achamos que a operação seria na segunda”. Ele garantiu que até o início da noite ontem, quem estivesse sem teto, poderia ficar abrigado em um barracão, na localidade de Mangue Seco, e que os ginásios de esportes não seriam utilizados em função dos Jogos da Primavera que estão acontecendo na cidade.
O secretário disse que o município destinou uma área, no balneário Riviera, para a realocação das famílias. O local, ao contrário do que afirma Pock, ainda não conta com energia elétrica e água. Poucas famílias demarcaram os lotes e iniciaram às construções, até porque o Ibama embargou a abertura de outros espaços no local. Para o secretário, isso não passa de “incompetência de alguns funcionários do Instituto Ambiental do Paraná, que estão repassando informações erradas ao Ibama para a não liberação da área. O local já teve aprovação para ser um loteamento na década de 50, e, se eles não liberaram, vamos mandar uma mensagem à Câmara Municipal e abrimos a área de qualquer forma”, ameaçou Pock.
O secretário voltou a negar que a Prefeitura tem interesse na área desocupada a beira-mar para a construção de uma área de lazer. Mas a Associação dos Moradores da Ressaca de Matinhos tem a cópia de um documento, assinado pelo prefeito em maio de 2001, pedindo ao Ministério de Orçamento e Gestão a desobstrução da praia. (RO)