“Se eu pudesse ao menos me despedir”. “Se ele pudesse explicar como tudo aconteceu, para facilitar nossa compreensão”. “Se eu pudesse pedir perdão”. Estes são desejos frequentes de quem perdeu alguém que amava. Aqueles que buscam na fé a força para seguir a vida, tentando superar a dor e o vazio deixados pela morte de um ente querido, recebem atendimento em grupos de apoio de várias religiões. Por todo o Brasil, cada dia mais dessas famílias encontra alívio e respostas para algumas de suas perguntas em cartas psicografadas, que tentam mostrar que a vida continua, de alguma forma, no plano espiritual.
Orlando Carneiro é um dos médiuns que faz o contato entre as famílias e os desencarnados, há 25 anos divulgando o espiritismo das obras de Allan Kardec. Ele viaja até São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Paraná várias vezes por ano, para atender o maior número possível de pessoas. Em Curitiba ele atua uma vez por mês, em um Centro Espírita no bairro São João.
O atendimento mais recente foi no dia 30 de setembro. A fila começou a formar-se na entrada do estabelecimento por volta das 4h. As 130 senhas para atendimento foram distribuídas às 6h30. A maior parte de pessoas na fila, tanto neste dia quanto nos outros, é composta por pais que perderam seus filhos.
Na equipe do médium tem pessoas que passaram pela mesma dor das famílias que são atendidas. É o caso de Marlei, que viu a belíssima filha Karol, de pouco mais de 20 anos, morrer oito anos atrás, vítima de um grave problema de saúde. “Nos três primeiros anos eu perdi o chão. Depois encontrei na doutrina espírita a força para me levantar. Recebi cartas dela e hoje também trabalho aqui”, conta.
Atendimento
No auditório, homens e mulheres de todas as idades, com olheiras fundas e olhos vermelhos de tanto chorar, são recebidos com preces, passes e palestras. Às 7h30, Orlando começa a atender as 130 pessoas, individualmente, para entender o que elas vieram buscar. O processo demora a manhã inteira. As famílias já levam água e livros espíritas, sabendo que terão que esperar. Um filme que conta a história de famílias como as que estavam ali presentes, e que encontraram alento nas cartas de Chico Xavier, é exibido e emociona.
Na cantina, para passar o tempo, estranhos começam a se conhecer e a desabafar. Izolda, que foi ao centro espírita pela primeira vez, conta que passou 46 dias na UTI com a filha Ana Carolina, grávida de gêmeos, há dois anos. A jovem, acometida por uma grave doença gestacional, perdeu as crianças e não resistiu.
A mãe lembra das últimas conversas com a filha, e dos planos que a jovem fez de viajar com sua “grande companheira”, como ela mesma descrevia, assim que saísse a aposentadoria da mãe. Depois da perda, Izolda conheceu duas professoras aposentadas que organizam excursões, seguindo os conselhos da filha, e as três foram as detentoras das primeiras senhas de atendimento naquele dia.
Uma das amigas de Izolda perdeu o marido há 15 anos. O casal planejava os festejos de Natal quando o homem sofreu queimaduras por todo o corpo em um acidente de trabalho. No hospital, caminhando e falando, ele tinha um diagnóstico positivo da equipe médica. Entretanto, sofreu uma parada cardíaca nos braços da esposa e morreu.