Suínos e javalis até podem ser confundidos, mas quem degusta a carne de cada um deles, separadamente, sabe que as semelhanças ficam apenas no aspecto físico do animal. A maïtre da Novilho Nobre – casa de Curitiba especializada em carnes nobres -, Tatiana Schnorr, define a carne de javali como sendo mais suave que a de porco e também mais magra: enquanto a de javali tem 160 calorias, 2,8g de gordura e 45mg de colesterol (porção de 100g), a de porco tem 219 calorias, 10,64g de gordura e 125 mg de colesterol, segundo dados da New Zeland Game Industry Board.
Segundo Marcelo Lourenço, encarregado do açougue, a Novilho Nobre vende cerca de 40 quilos de carne de javali por semana. As partes comercializadas são paleta, costela, pernil e carré (parte acima da costela). Apesar de a procura pela carne exótica estar aumentando, ainda é o corte bovino que lidera o número de vendas na loja, seguido pelo cordeiro e só então o javali. “É um público mais seleto, tanto pelo preço da carne quanto por falta de informação”, aponta Tatiana. Na Novilho Nobre, o preço do quilo da costela sem tempero – peça mais barata – é R$ 16,11 e de R$ 17,85 temperado. Já o pernil – peça mais cara – custa entre R$ 21 o quilo (sem tempero) a R$ 24 (temperado).
A loja Salutare, no Mercado Municipal, é outro ponto de vendas da carne de javali em Curitiba. De acordo com a gerente Luciana Maria Hahn, a loja vende cerca de 15 quilos por semana. “Muita gente que já ouviu falar da carne, ou que já experimentou em restaurante, vem comprar conosco”, explica.
Imagem deturpada
Na capital, são vários os restaurantes que servem carne de javali. O Armazém São Miguel, no bairro do Rebouças, é um deles. Tem a carne exótica como carro-chefe do restaurante. “Todo mundo já ouviu falar da carne do javali, mas muitos chegam com uma imagem deturpada, pensando que se assemelha com a carne de porco. E não é nada disso: a carne do javali é saborosa e não é pesada”, defende o proprietário do estabelecimento, Farid Carlos Assad.
No Armazém São Miguel, a especialidade da casa é preparada pelo chefe de cozinha Hermes José Custódio. O segredo para um prato ainda mais saboroso, revela ele, está em retirar a fina camada de gordura da carne do javali e derretê-la em uma panela de ferro, para então fritar a carne naquele óleo. “Essa técnica reforça o sabor”, ensina. Para finalizar, Hermes joga a carne em uma marinada de legumes com vinho seco e funghi. O prato, denominado cinghale alla cacciatora, serve uma pessoa e custa R$ 23 .
Além de frita, a carne de javali ainda pode ser assada, feita à milanesa, ao molho, à chinesa, no rolete e em strogonoff. “Como é uma carne nobre, pede mais tempero. Mas pode ser servida de várias maneiras”, ensina o chefe de cozinha. Em Curitiba, restaurantes como o Mangiare Felice e bares como Churrasquinho de Gato e Bar do Alemão, além de restaurantes mais refinados anexos a hotéis, também servem a carne de javali.
Paraná tem apenas 11 criadores
Lyrian Saiki
Apesar de a carne de javali ser comercializada em dezenas de estabelecimentos, ainda é baixo o número de criadores: são cerca de duzentos em todo o Brasil. Onze apenas no Paraná. O presidente da Associação Paranaense de Criadores de Javali, Amir Jorge Adad, conta que, ao contrário dos países europeus, ou mesmo da Argentina, Chile e Uruguai, no Brasil ainda não existe o costume de se consumir carne de javali.
“No começo, tivemos dificuldade em colocar a carne no mercado, principalmente porque não havia frigorífico para fazer o abate”, conta. Adad cria javalis desde 1995. Atualmente, sua fazenda, localizada em Campo Largo, tem cerca de trezentos animais. Além de criar, Adad ainda faz o abate e fornece a carne para diversos pontos de venda e restaurantes. Pelos seus cálculos, são cerca de cinqüenta animais abatidos por mês, que resultam em quase uma tonelada de carne.
Um dos problemas enfrentados pelos criadores, lembra, é o cruzamento do javali com o porco, resultando no “javaporco”. “É um híbrido que nunca vai ter a qualidade de um javali”, explica Adad. Ele lembra que foi em meados de 1996, depois de que o Globo Repórter fez uma matéria no Rio Grande do Sul sobre javalis, que houve o “boom” e o animal de caça passou a ser uma opção para as propriedades. Segundo ele, a diferença entre as duas espécies está principalmente na cor da carne – a do “javaporco” é um pouco mais clara – e na gordura – o híbrido tem uma camada de gordura, que não é verificada no javali, já que ele vai para o abate com menos de um ano de idade.
Segundo Adad, o animal de melhor qualidade vem da França, onde cada unidade custa entre US$ 1,5 mil a US$ 2 mil. O preço mundial do quilo da carne é US$ 5. Para o presidente da associação, a idéia é, num futuro próximo, explorar também a pele do animal, para a fabricação de cintos, luvas, vestimentas e selaria.
Salame
O salame de javali, embora bastante difundido em países como Espanha, Itália e França, ainda não é produzido no Paraná, mas já ganhou diversos adeptos no Estado. Clóvis Vianna, proprietário do Armazém da Serra, no Mercado Municipal, conta que vende entre cinqüenta e oitenta unidades de salames por mês. O produto vem do frigorífico Spitzner, de Rio Negrinho (SC). Sua esposa Adriana revela que, no começo, o Armazém da Serra vendia também pasta de torresmo de javali e patê de fígado, mas, como a procura era baixa, acabaram restringindo as vendas ao salame. “A procura é grande, principalmente por franceses, que preferem o salame mais curado (duro)”, conta Adriana. Segundo ela, o embutido é indicado principalmente para aperitivo e não tanto para sanduíches, por ser “bem condimentado”. O quilo do salame é vendido por R$ 26,70.