Nem ruim da cabeça, muito menos doente do pé. Bom sujeito, como todo brasileiro, o curitibano não só gosta como entende de samba. Embora muitos setores da sociedade curitibana sejam contra a festa popular na cidade, a folia de Momo perdura desde o século retrasado. O Estado foi atrás de personagens do Carnaval de Curitiba e conseguiu histórias da mais tradicional festa popular do País em território curitibano.
O pesquisador Júlio Souza, o Julinho, que hoje pertence à comissão organizadora do Carnaval, contou que os primeiros registros de Carnaval em Curitiba mostram carroças, posteriormente carros enfeitados que desfilavam pelas ruas com pessoas brincando com serpentinas e confetes e cantando músicas da época. “Havia umas laranjinhas feitas de cera que eram cheias d?água. As pessoas jogavpam umas nas outras para que estourasse. Era a brincadeira dos primórdios do Carnaval”, contou.
Em 1890 aconteceu o primeiro baile carnavalesco da capital. Ele foi no Cine Bristol, na Rua 13 de Maio. Os primeiros blocos começaram a aparecer em Curitiba no fim da década de 10, início de 20. Julinho citou como pioneiros o bloco Vassourinhas, da Água Verde, e os Argonautas. “Em 1946 surgiu a primeira escola de samba, a Colorado, ligada aos ferroviários. Já em 47 veio o bloco Cevadinhas do Amor, fundado pelo estudante de Direito José Cadilhe de Oliveira, recém-chegado de Ponta Grossa. Ela foi o embrião da Embaixadores da Alegria, uma das mais tradicionais do Estado”, revelou Julinho. Posteriormente, apareceram outras agremiações. A Dom Pedro II, que surgiu da Asas da Alegria, formada na Base Aérea do Bacacheri. Do bloco Os Vira-latas surgiu a escola Não Agite, a única a se tornar hexacampeã do Carnaval de Curitiba. “Naquela época o desfile ainda não era oficial. Ele era na Rua Quinze, sendo feito em cima de tablados em frente à Praça Osório. Os blocos não tinha sambas, eles cantavam as marchas da época”, lembrou Julinho.
Bateria
Para Julinho não há dúvida que a melhor bateria da história do Carnaval curitibano foi a da Colorado. Comandados pelos mestre Maé da Cuica, os músicos da escola eram imbatíveis. “A Colorado era uma escola popular. Eles tinham um jeito todo deles de tocar, ninguém conseguia superá-los”, contou, destacando que a Colorado foi a primeira a trazer mulheres usando somente maiôs. “Elas escandalizavam a sociedade conservadora da época. Mas levavam ao delírio a população que ia ver os desfiles.”
Nos anos 60, contou Julinho, os desfiles eram em frente à antiga sede de O Estado, na Barão do Rio Branco. “Na fase moderna do Carnaval ele foi para a Marechal Deodoro, e hoje para a Cândido de Abreu. Nesta fase houve um domínio da Mocidade Azul. Hoje a bicampeã é a Acadêmicos da Realeza”, disse.
Tradição
O presidente da Liga das Escolas de Samba de Curitiba, Saul d?Ávila, reclamou da má vontade que alguns setores da sociedade tem com o Carnaval de rua. “Curitiba fica no Brasil. O curitibano é brasileiro e como todo brasileiro gosta de Carnaval. Aquelas pessoas que não tem como ir ao litoral nos dias da festa têm que ter opções de diversão”, afirmou d?Ávila, membro de uma das mais tradicionais famílias do samba curitibano, ligada principalmente a Embaixadores da Alegria.
Colorado, a escola pioneira
Lawrence Manoel
Se o Carnaval é uma festa popular, nada mais popular na história dos festejos em Curitiba do que a Escola Colorado. Marcada principalmente pela imponência da bateria e pela dificuldade em conseguir fantasias, a Colorado foi a primeira escola de samba da cidade.
Ismael Cordeiro, de 76 anos, o mestre Maé da Cuíca, foi o fundador da Colorado. Ele contou que um grupo de amigos do local onde hoje funciona o Moinho Ancaconda, no Jardim Botânico, sempre se reunia para fazer rodas de samba. “No sábado de Carnaval de 46 resolvemos ir à Rua Quinze e participar do Carnaval. Éramos dezesseis. Ficamos com receio pois a maioria das pessoas que brincavam era branca e o nosso grupo era formado por negros. Contudo chegamos lá e fizemos o maior sucesso: nossa bateria animou a festa e todos gostaram muito de nós”, contou, lembrando que o reco-reco era uma lata de azeite com uma mola em cima.
No outro ano já eram oitenta componentes. A Colorado já tinha até mestre-sala e porta-bandeira. “Nossas cores eram vermelho, preto e branco. Alguns jogadores do Ferroviário desfilavam na escola”, contou Maé, que também chegou a jogar no Ferroviário (atual Paraná) no título estadual de 1953.
Entre as passagens curiosas contadas por Maé está a fundação da primeira Associação de Escolas de Samba de Curitiba. No Carnaval de 71, um jurado, vindo de Ponta Grossa, não notou a ausência de um das escolas no desfile e auferiu notas de uma escola para outra na planilha. Maé descobriu a problema e sentiu que a Colorado foi prejudicada. Então pediu a realização de um novo desfile, não conseguiu, mas o Carnaval daquele ano foi adiado. Em 72, motivado pelo problema do ano anterior foi criada associação, que se comprometeu a trazer jurados mais qualificados. “Sempre perdíamos porquê quem julgava não entendia nada de samba. Depois da associação criada trouxemos só conhecedores do assunto, sambistas da Mangueira e até o Grande Otelo fizeram parte da comissão julgadora. Em 72 a Colorado ganhou cinco dos seis troféus em disputa”, lembrou.
Maé contou que chegou a fazer shows com mulatas em toda a América do Sul. Nos anos 50 ganhou um festival de compositores na Mangueira, no Rio. Foi eleito cidadão Samba de Curitiba em 88. Hoje está meio afastado, mas promete que vai voltar e ajudar novamente fortalecer a Colorado, que não desfilará me 2003. “Tive uns problemas de saúde, mas eu volto. É só acabar essa era nipônica no Carnaval que vamos trazer de novo a Colorado”, prometeu.
Emabaixadores surgiu como clube
Lawrence Manoel
Levando alegria aos bailes dos clubes em Curitiba. Assim surgiu o nome de uma das escolas mais tradicionais, a Embaixadores da Alegria. O presidente de honra e fundador da escola, José Cadilhe de Oliveira, contou como foi o início. Pontagrossense, Cadilhe veio estudar Direito na então Universidade do Paraná (hoje UFPR). Em 1948, ele e um grupo de amigos resolveram participar do Carnaval. O bloco inicialmente se chamou Cevadinhas do Amor, sendo patrocinado pela Brahma. “Desfilamos vestidos de garrafa de cerveja. Recebemos dez contos de réis. No ano seguinte, quem nos pagou foi a Antarctica. Então saímos vestidos de pingüins. No primeiro ano eram 46, no outro mais de setenta”, contou.
O grupo ficou conhecido na cidade e passou a ser chamado para animar bailes em clubes. O primeiro a convidá-los foi o Curitibano. “O Jofre Cabral e Silva (ex-presidente do Clube Curitibano e do Atlético-PR) nos viu ensaiando e pediu para irmos animar o baile do Curitibano. Depois outros clubes fizeram o mesmo”, disse. Cadilhe explicou que as pessoas ficavam muito contentes com as presenças deles e chamavam eles de embaixadores da alegria. “Daí surgiu o nome atual da escola”, salientou, destacando que em 55 foi criada a instituição como clube. “Por 14 anos ficamos ligados ao Thalia, mas o carnaval foi crescendo tanto que tivemos que nos adaptar.”
A Embaixadores foi sempre a melhor em fantasias. “Fomos os primeiros a ter um samba próprio ? antes eram só paródias ?, a colocar mulheres”, disse, lembrando que ficou na linha de frente da escola até os anos 70. “Tivemos outra bela fase depois, comandada pela família d?Ávila.”
Cadilhe contou que em um Carnaval a escola saiu com tema indígena, com cavalos emprestados pela PM. “Na véspera do desfile, um cavalo sumiu de um terreno ao lado da casa do vice-presidente da escola. Ficamos desesperados, até que ligaram avisando que o cavalo tinha voltado sozinho para o quartel.”
O próprio Cadilhe viveu uma pitoresca. Quando iniciou o trabalho com Carnaval, alguns juízes a advogados pediram à OAB que o punisse por denegrir a imagem da classe. Quinze anos após ele resolveu parar, e as mesmas pessoas e manifestaram novamente. “Os mesmo que queriam me punir, depois pediram para que eu não parasse. Foi uma passagem importante na minha vida. Por causa disto fui indicado pela revista Veja como um dos cinco maiores carnavalescos do Brasil”, contou Cadilhe, destacando que já chegou a ser homenageado como tema do Carnaval da cidade e como enredo da Embaixadores na década de 70.
A opinião de Cadilhe sobre o Carnaval atual é polêmica. Ele analisou que as escolas deveriam voltar a ser blocos. “Os blocos são menores, podem sair com a mesma fantasia. Não precisam de enredo. É muito mais fácil”, explicou, destacando que isto não seria um retrocesso.