Nos últimos dez anos, o Brasil conseguiu fazer com que 600 mil pessoas deixassem de contrair o vírus da aids. O Banco Mundial, analisando o ritmo de desenvolvimento que a doença apresentava em 1992, estimava que o País iria entrar em 2000 com 1,2 milhão de pessoas infectadas. Os números do Ministério da Saúde registram a metade disso. Porém, mesmo com a redução no número de casos, a aids ainda preocupa. Outro fator preocupante é que as mulheres e idosos são cada vez mais infectados.

Esses números serão abordados hoje, no Dia Mundial de Luta Contra a Aids, criado em 1998 pela Organização Mundial da Saúde. O tema deste ano é “Viver e Deixar Viver”, que tem o objetivo de combater o preconceito. O coordenador de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e Aids da Secretária de Estado da Saúde (Sesa), Francisco Carlos dos Santos, diz que, apesar de epidemia de aids estar instalada há 20 anos, pouca coisa mudou em relação ao preconceito, seja no trabalho, família ou com os amigos. As pessoas precisam se colocar no lugar das outras e pensar que algum dia podem estar com o mesmo problema. “O preconceito pode até prejudicar no tratamento”, explica.

Avanços

Mas ao contrário do preconceito que se mantém quase no mesmo patamar de 20 anos atrás, os números da doença melhoraram no País. Nos últimos quatro anos o Ministério da Saúde investiu R$ 32 milhões no combate à doença. Graças à campanhas e distribuição de preservativos, houve uma desaceleração no aumento da doença. Hoje, existem oficialmente 237.588 pessoas com aids. Outras 600 mil não desenvolveram a patologia devido ao uso de medicamentos, são os HIV positivos. Os últimos anos mostram como a doença decresceu. Em 1998, 26 mil pessoas entraram para quadro dos aidéticos. Ano passado, esse número baixou para 15 mil.

Expectativa de vida

Francisco diz ainda que a expectativa de vida dos pacientes aumentou devido ao uso de medicamentos. Eles estão levando em média entre 15 e 10 anos para desenvolver a doença. Mas há casos que esses prazos vão muito além. No começo da epidemia, a sobrevida dos pacientes depois que a doença se manifestava era de 2 a 6 meses. Hoje varia entre dois e cinco anos.

O número de mulheres infectadas, por sua vez, subiu assustadoramente nos últimos anos. Em 1995, o Ministério da Saúde notificou uma mulher para cada 25 homens com o vírus. Em 2001, a proporção diminuiu para 1,7. Francisco explica que isso acontece porque elas pensam que com parceiro fixo estão protegidas. Mas não é só isso. Além da falta de informação, existe a dificuldade para convencer os parceiros a usar o preservativo.

Crianças

Com o crescimento do número de mulheres infectadas, as crianças ficaram mais sujeitas a nascer com a doença, a denominada transmissão vertical. Dados do Ministério da Saúde apontam que de cada dez crianças com o problema, nove foram contaminadas pela mãe. No último dia 18, o Ministério as Saúde assinou um protocolo que garante testes e fornece medicamentos e leite para as mulheres com risco de transmissão vertical.

Renato Luís Sbalqueiro, professor do Departamento de Tocoginecologia da Universidade Federal do Paraná, afirma que entre 1997 e 1998, 0,3% das gestantes curitibanas eram HIV positivo. Atualmente, ele estima que esse índice alcance 0,95%, três vezes maior. Vários fatores podem ter colaborado para o crescimento da estatística. Além do maior número de mulheres com o vírus, os postos de saúde da Prefeitura de Curitiba realizam exames para detectar o problema durante o pré-natal. As mães HIV positivo são encaminhadas para tratamento no Hospital de Clínicas. Atualmente, quarenta gestantes recebem atendimento e as chances do bebê contrair a doença pode cair para 2% e, em alguns casos, chega a zero.

Terceira idade

A aids também está cada vez mais presente na terceira idade. Desde 1999, surgem em média 110 casos novos no Estado por ano. Francisco afirma que um dos motivos que contribuem para isso seria a falta de campanhas para a faixa etária. Outro problema seria convencê-los a usar o preservativo.

Para Renato, as campanhas para a população deveriam ser freqüentes em níveis federal, estadual e municipal. Ele diz que, quando o assunto sai do foco da mídia, as pessoas tendem a se descuidar novamente. Como Francisco, ele afirma ainda que as campanhas precisam ser direcionadas para os diferentes públicos, caso contrário não surtem efeito.

Para levar a informação às mulheres e aos homens, principalmente de baixa renda, onde a incidência da doença é maior, a ONG Centro Paranaense de Cidadania desenvolve o projeto Maria, Maria e João. Neste segundo semestre, foram três mil pessoas atendidas. No curso, as mulheres são incentivadas a dialogar com os parceiros sobre o assunto. “Se alguém tem uma determinada dificuldade, elas debatem em grupo e tentam encontrar a solução”, explica a coordenadora Megume Tokudome. Megume conta que, apesar das campanhas, as mulheres ainda têm muitas dúvidas, principalmente sobre o uso correto do preservativo.

Data combate preconceito

Cerca de cem pessoas, entre profissionais da área de saúde e integrantes de organizações não-governamentais (ONGs), foram ontem à Boca Maldita, no centro de Curitiba, para oferecer informações à população sobre questões ligadas à aids. O trabalho fez parte do Dia Mundial de Luta contra a Aids, que acontece hoje.

A Secretaria Municipal da Saúde montou um espaço que foi batizado de túnel da saúde. Quem entrava nele encontrava informações sobre diversos assuntos, como mulheres e a aids, respeito à diversidade, prevenção nas escolas, aconselhamento, formas de transmissão, histórico da doença, como usar preservativos, hemofilia, redução de danos e doação de sangue.

O túnel chamou a atenção de muitas pessoas que passaram pelo local. A auxiliar de enfermagem Débora Nunes, de 32 anos, entrou com o filho Marcelo, 14. “As pessoas precisam se conscientizar da importância da prevenção. Já orientei bem meu filho sobre isso”, disse ela.

Acompanhado da mulher e duas crianças, o cobrador de ônibus Altevir Pereira, de 24 anos, foi atraído pelas bolsas de coleta de sangue que estavam expostas na entrada. “Sempre dôo sangue e quis saber do que se tratava. Sei que a aids está aí e não dá para brincar com ela.”

Cartazes colocados do lado de fora do túnel despertaram a curiosidade do aposentado Jorge Silva, de 71 anos. “Na minha juventude tínhamos de tomar cuidado com a sífilis”, lembrou. “As pessoas precisam saber sempre dos riscos que correm.” Fora do túnel também foram distribuídas mudas de flores e laços vermelhos, símbolo internacional da luta contra a aids.

O secretário Municipal da Saúde, Michele Caputo Neto, acompanhou os trabalhos. “A grande importância desse dia mundial é justamente a oportunidade que temos de passar informações para a população”. Ele acrescentou que Curitiba tem atuado de forma ousada e pioneira na luta contra a aids.

Exatamente hoje, o município comemora o primeiro ano da oferta dos exames de aids nas unidades básicas de saúde. Com isso, ampliou de um para 93 o número de locais onde as pessoas podem realizar o exame para detectar a presença do vírus HIV. Desde o início do serviço até 30 de outubro, 12.109 pessoas fizeram os testes nas unidades.

Outros 6.847 procuraram o Centro de Orientação e Acompanhamento (COA), que antes era o único local onde era possível fazer o teste. No período, 18.956 pessoas fizeram o exame de detecção do vírus na cidade, um aumento de 85% em relação a igual período do ano anterior, quando foram feitos 10,2 mil exames. “Todos os anos aparecem novos casos e não dá para descuidar”, lembra a coordenadora do Programa Municipal de DST e Aids, Raquel Cubas.

Em Curitiba já foram notificados 5.365 casos de Aids, sendo 3.828 homens e 1.537 mulheres. Durante o primeiro ano de oferta do serviço, 4% dos que fizeram o teste tiveram resultado positivo. Todos eles foram encaminhados para o serviço de referência e têm o acompanhamento necessário com a realização de exames, atendimento médico e, quando necessário, medicamentos.

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