Uma discussão polêmica, que vem se arrastando há sete anos na Câmara Federal, em Brasília, está tirando o sono dos publicitários e vem sendo motivo de muita discussão entre pais e educadores. No dia 9 de julho, a Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara aprovou o Projeto 5921/01, do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) – com substitutivo da deputada Maria do Carmo Lara (PT-MG) – que prevê a proibição de qualquer tipo de publicidade ou comunicação dirigida para crianças. Agora, o projeto terá que tramitar por outras três comissões, para somente depois ir ao Senado. Entretanto, apesar da longa discussão, a idéia já vem trazendo opiniões diferenciadas.
Quem defende a proibição alega que as propagandas para crianças são altamente influenciáveis, uma vez que utilizam cores, objetos e animações que chamam muito a atenção delas, que aliás é o objetivo da publicidade. Como explica a psicóloga do Projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana, de São Paulo, Laís Fontenelle Pereira, a criança não tem sua capacidade crítica formada. Até os 12 anos de idade mistura fantasia com realidade.
“A criança é elevada ao status de consumidora adulta sem estar preparada. E a publicidade utiliza de meios para isso. Algumas propagandas são apelativas, pois entram logo depois de um desenho animado, por exemplo, o que faz as crianças confundirem as duas coisas, o que não é correto”, diz ela.
Já a pedagoga especialista em Educação, Cristiane Pasquinelli, tem uma opinião um pouco diferente. Ela concorda com a influência, mas não defende a proibição das propagandas. Para ela, o papel dos adultos é fundamental no processo de orientação dos pequenos.
“A vulnerabilidade das crianças é relativa. São os adultos que determinam, através de suas atitudes diárias, o que é importante. A comunicação com as pessoas com as quais as crianças têm vínculo afetivo e de confiança é o que faz a diferença”, afirma a especialista.
A pedagoga e psicopedagoga e professora da Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Simone Carlberg, compartilha da opinião de Laís. Ela não crê, porém, que a proibição das propagandas seja a melhor saída, mas acredita que a atitude funcione como um freio para a sociedade.
“Talvez seja a hora mesmo de a sociedade rediscutir o que está acontecendo hoje, quando nossas crianças adoecem, ficam seriamente comprometidas por conta da mídia, principalmente da televisão. A influência da publicidade é severa, estamos vivendo uma crise universal de valores, quando o ter é muito mais importante do que o ser. E talvez as leis chacoalhem isso”, opina.
Segundo uma pesquisa do Ibope do ano passado, a criança brasileira é uma das que mais assiste a TV no mundo, passando 4 horas e 50 minutos do seu dia em frente à televisão. Outra pesquisa, de 2003, revelou que as crianças influenciam nas compras da casa em 80% dos casos.
As propagandas para as crianças não podem:
1 – desmerecer valores sociais positivos, tais como, dentre outros, amizade, urbanidade, honestidade, justiça, generosidade e respeito a pessoas, animais e ao meio ambiente;
2 – provocar deliberadamente qualquer tipo de discriminação, em particular daqueles que, por qualquer motivo, não sejam consumidores do produto;
3 – associar crianças e adolescentes a situações incompatíveis com sua condição, sejam elas ilegais, perigosas ou socialmente condenáveis;
4 – impor a noção de que o consumo do produto proporcione superioridade ou, na sua falta, a inferioridade;
5 – provocar situações de constrangimento aos pais ou responsáveis, ou molestar terceiros, com o propósito de impingir o consumo;
6 – empregar crianças e adolescentes como modelos para vocalizar apelo direto, recomendação ou sugestão de uso ou consumo, admitida, entretanto, a participação deles nas demonstrações pertinentes de serviço ou produto;
7 – utilizar formato jornalístico, a fim de evitar que anúncio seja confundido com notícia;
8 – apregoar que produto destinado ao consumo por crianças e adolescentes contenha características peculiares que, em verdade, são encontradas em todos os similares;
9 – utilizar situações de pressão psicológica ou violência que sejam capazes de infundir medo.
Fonte: Conar
Autor de projeto é paranaense
O deputado que propôs a lei, Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), queria a total proibição das propagandas. Já a deputada que relatou a proposta, Maria do Carmo Lara (PT-MG), propõe que seja acrescido um novo dispositivo ao Código de Defesa do Consumidor e também faz algumas modificações, como por exemplo, as vedações não se aplicarem às campanhas de utilidade pública relacionadas ao desenvolvimento das crianças. Para Hauly, aprovar a lei significa defender valores.
Segundo o deputado, os princípios constitucionais do artigo 127 colocam as crianças à salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, opressão e crueldade (embora muitos desses princípios não sejam respeitados).
“Temos responsabilidade na defesa dos princípios morais, éticos e religiosos”, comentou. O deputado afirma que as crianças são induzidas ao consumismo e muitas delas que não têm poder aquisitivo entram em conflito entre o “ser” e o “ter”. “Reduziremos as conseqüências sociais deste consumismo desenfreado.”
A deputada Maria do Carmo indaga: “É mais importante incentivar a produção, as vendas e o consumo ou cuidar da formação integral de nossos jovens para que construam uma sociedade melhor do que esta em que vivemos?”. Maria do Carmo também lembra da questão do conflito das pessoas que não têm condições de comprar algum produto.
“É claro que não estamos querendo dizer que a publicidade cria, com exclusividade, o desejo por alguma coisa ou que é a responsável por todo mal do mundo. Estamos apenas chamando a atenção para
o fato de que a publicidade dirigida às crianças e adolescentes é um grande catalisador deste processo de querer e desejar as coisas”, diz ela.
Publicitários contestam mudança na lei
A publicidade para crianças passou por uma série de restrições ao longo dos anos. Hoje, o Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar) impõe as normas às quais os publicitários devem se adequar e possibilita que qualquer pessoa da sociedade faça suas reclamações, caso se sinta ofendido ou lesado.
O próprio Estatuto da Criança e do Adolescente traz determinações a respeito, além do Código de Defesa do Consumidor. O Conar instaurou no ano passado cerca de 300 processos para apurar propagandas com conteúdos “abusivos” e pelo menos 50 anúncios foram sustados pelo órgão.
O fato de já haver órgãos reguladores é apenas um dos motivos que leva publicitários a não aceitarem o projeto de lei. Todos eles concordam, obviamente, que a publicidade influencia – seja ela para crianças ou não. Porém, crêem que a lei é abusiva, no sentido que proíbe algo e não estipula limites. O presidente da Associação Brasileira de Agências de Publicidade do Paraná (Abap-PR), Rodrigo Havro Dionísio Rodrigues, diz que a proposta põe em risco a liberdade
de expressão e ameaça a economia.
“Se eu restrinjo a compra, prejudico uma atividade comercial que é fundamental para a economia do País. E sem falar que nós já saímos à frente com as restrições do Conar. Entendemos que todas
as regulamentações que já existem são suficientes”, afirma.
O presidente do Sindicato das Agências de Propaganda do Paraná, Kal Gelbecke, lembra que as propagandas não só geram receita para o País, mas também permitem que os veículos de comunicação sejam mais independentes, uma vez que têm os patrocínios. Ele também teme pela censura.
“Acho que temos ter o bom senso na hora de proibir algo. São diversos fatores que podem influenciar uma criança, não somente a propaganda na televisão. Ela pode ver na escola, na internet, na rua. É um processo cultural que tem que ser mudado”, avalia.
Para o professor de Fundamentos de Marketing e Gestão de Marketing do MBA da Isae/FGV, Marcelo Peruzzo, a proposta é uma tentativa de esconder o fracasso de alguns políticos no momento de investir em leis que tragam mais educação. “É a falta de competência deles que gera tudo isso. Como profissional de marketing, não vejo nada de errado em um publicitário criar estratégias de abordar o seu público. Essa proposta é irracional”, analisa.