Na era da informática, em que as pessoas não trocam mais cartas e sim e-mails, em que os trabalhos escolares são impressos e não mais escritos, em que existe máquina até para preencher cheque, está cada vez mais raro encontrar pessoas preocupadas em ter uma letra bonita. Mas, seja por questão de ofício ou simplesmente para corrigir os garranchos, ainda existe gente dedicada à caligrafia, que ganha, cada vez mais, um status de arte.
Para o professor Domingos Gava, ?apesar de toda a tecnologia existente, o manuscrito ainda é importante. O homem tem a necessidade de escrever?. Para ele, uma letra elegante ainda é sinal de distinção, prova de finesse e formação aprimorada. Instrutor de caligrafia há 10 anos, Gava vive da escrita. Além de ministrar aulas, ele escreve diplomas, convites e manuscritos em porcelana. Em suas turmas, trabalha com alunos com interesses bastante distintos, desde pessoas que querem apenas melhorar a sua letra no dia-a-dia, gente que usa a caligrafia como uma terapia e quem pretende se ?profissionalizar? na escrita.
Com a falta de prática, cresce o número de médicos, advogados e até estudantes procurando aulas de caligrafia. Domingos lembra que, por não estarem mais acostumados a escrever, as pessoas estão tendo dificuldade na hora em que precisam preencher um relatório ou escrever uma carta, por exemplo. ?Os professores reclamavam de minha letra. Fiquei com medo de reprovar na redação do vestibular por causa disso?, revela o estudante curitibano João Carlos Campos, que fez dois meses de aulas. ?Melhorou 100%?, comemora.
A reclamação por parte dos professores também levou Daiany Antunes da Silva a praticar caligrafia. Gostou tanto que acabou se tornando instrutora. Para ela, que ministra um curso em Paranavaí, o fato de se escrever cada vez menos à mão, tem deixado a letra das pessoas muito feia. ?No meu tempo de escola, a caligrafia era matéria obrigatória. Com a prática, os alunos acabavam ficando com uma letra apresentável. Agora, nem isso?, comenta. ?Mesmo surgindo uma tecnologia mais moderna que a outra, a gente nunca vai deixar de escrever?, conclui.
O exemplo de Daiany não é exceção entre os alunos de caligrafia. No curso de Domingos Gava, a maioria dos alunos começa para corrigir a letra. Mas, com o tempo, vai se aprimorando e acaba atraída pela possibilidade de ter uma atividade paralela à profissão, um renda extra.
A maior aplicação da caligrafia hoje em dia é na confecção de convites para casamentos e formaturas. Domingos Gava salienta que o manuscrito valoriza um convite, por mais simples que ele seja, sugere maior formalidade e permite personalização. A comerciante Aline Silveira Rodrigues, apesar de ter feito o convite de seu casamento no computador, não abriu mão do manuscrito no envelope. ?É apenas um detalhe, mas faz a diferença?, comenta.
Os primeiros passos para se ter uma letra bonita são treino, postura e posicionamento da caneta. A pessoa deve se sentar bem de frente para a mesa, com os dois pés no chão, formando um ângulo de 90 graus com a mesa. Uma das mãos deve apoiar o peso do corpo. Os dedos polegar, indicador e médio devem segurar a caneta sem fazer pressão.
Ideogramas japoneses em destaque
Um tipo de caligrafia que está em bastante destaque nos dias de hoje é a de ideogramas japoneses. É cada vez mais comum ver símbolos orientais em cartazes, decorações e, principalmente, em tatuagens.
A tatuadora Lua Teixeira de Faria destaca que a cultura oriental sempre foi um tema bastante procurado no seu estúdio, mas que nos últimos dois anos o interesse pelas letras nipônicas tem sido cada vez maior. Tradução do nome e os símbolos do amor e da felicidade são os desenhos mais aplicados.
?Fiz o meu nome. Não ia escrever João no meu braço, por isso optei pelo japonês?, brinca João Ricardo Mello. Já Clarissa Ribeiro optou tatuar felicidade para sempre ?São dois símbolos pequenos, com um significado imenso?, comenta.
A curiosidade por uma cultura totalmente diferente e o interesse dos descendentes em manter algumas tradições têm gerado a procura por cursos de escrita japonesa. Um deles é ministrado pelo professor Guiichi Maeda, que explica que o alfabeto japonês possui mais de duas mil letras. Algumas delas representam fonemas, como as utilizadas na tradução de nomes, por exemplo, outras podem significar uma palavra inteira, como amor e paz. E cada uma dessas mais de 2 mil letras podem ser escritas de seis maneiras diferentes. ?São tantas letras, tantos símbolos, que nem eu entendo todos?, comenta o filho dele, Edson Maeda.
Maeda, que nasceu no Japão mas está há 45 anos no Brasil, é praticante do Shodo, a transformação dos caracteres da milenar escrita oriental em expressão artística, uma arte existente há mais três mil anos. O propósito da peça é inspirar, encorajar ou comemorar um evento. Ainda que possam ser expressos tristeza, saudade ou uma certa nostalgia, o sentimento não deve ser negativo.
A tradição das famílias japonesas é trocar peças de Shodo para desejar a parentes e amigos sorte, prosperidade, longevidade e sucesso, por exemplo. Cada peça é diferente e única. Por mais que dois Shodos possuam os mesmos caracteres, nunca serão iguais. A cor da tinta, a pressão do pincel, a velocidade da escrita, o papel e os espaços entre cada pincelada; tudo isso os diferencia. (RP)
