A intolerância religiosa tornou-se assunto frequente nas páginas de jornais por conta do conflito histórico no Oriente Médio. Mas ela não acontece apenas em uma parte específica do planeta. No Brasil, a intolerância religiosa é presente e um estudo investiga casos dentro das escolas. Este é o tema de um trabalho que está sendo desenvolvido pela Relatoria do Direito Humano à Educação, iniciativa da Plataforma DHESCA (Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais), que reúne trinta organizações e redes nacionais de direitos humanos. A Relatoria tem apoio da Unesco, do Programa de Voluntários da Organização das Nações Unidas, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos e da Procuradoria Federal do Direito do Cidadão.
Pesquisadores envolvidos no relatório já passaram pelos estados do Rio de Janeiro e da Bahia para apurar a situação da intolerância religiosa nas escolas. Eles ainda irão ao Rio Grande do Sul e São Paulo. Há possibilidade de visitarem o Paraná. A equipe vem recebendo relatos de todo o País. O relatório completo deve ser finalizado em dezembro deste ano, mas hoje haverá a apresentação de um informe preliminar. Isto acontecerá durante a Marcha Nacional pela Liberdade Religiosa, no Rio de Janeiro.
“Temos observado que a intolerância religiosa é invisível no cotidiano, mas se traduz em problemas como a proibição da capoeira, a humilhação de quem segue religiões com matriz africana, a demissão de professores (adeptos de religiões de matriz africana ou que abordaram conteúdos dessas religiões em classe). Houve um caso no Rio de Janeiro de apredejamento e outro de espancamento de uma criança por conta disto”, comenta a Relatora Nacional de Educação, Denise Carreira.
De acordo com ela, existem locais com um crescente conflito religioso, com determinados grupos neopentecostais que pregam a “demonização” de algumas religiões vindas da África. Ela acredita ser importante a efetiva implantação da lei 10.639/2003, que obriga o ensino de história africana e afro-brasileira nas escolas. “Ela dá visibilidade a uma história ignorada por séculos”, afirma Carreira.
A relatora demonstra preocupação com o Ensino Religioso confessional, ou seja, ligado a uma religião específica. Quatro estados adotam esta prática (Acre, Ceará, Bahia e Rio de Janeiro). Para ela, é um assunto que precisa ser debatido e a aula de religião pode contribuir para este clima de tensão. “Somos muito críticos a isto e ao acordo entre Brasil e Vaticano (que permite o ensino do catolicismo nas escolas pública). Vai contra a laicidade, como está na Constituição Brasileira”, avalia.
Preconceito de forma velada
Preconceito na escola, no trabalho, na sociedade. Mesmo nos dias de hoje, com mais informação acessível, a religião pode desencadear um comportamento antiético em um País que permite qualquer manifestação religosa. “A gente sabe que, mesmo veladamente, acontece. Ninguém faz abertamente porque é crime. A ignorância talvez seja o fator primordial para isto. Aqui a intolerância religiosa não é tão visível, mas temos relatos sim”, diz Marco Boeing, diretor administrativo da Federação Umbandista do Estado do Paraná. Ele conta que a entidade inclusive tem feito ações para que a população conheça mais a Umbanda e suas características.
Para o presidente da Federação Espírita do Paraná, Francisco Ferraz Batista, um exemplo do preconceito religioso está ocorrendo no Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que está em andamento em todo o País. Na pergunta sobre religião, não existe a opção espiritismo, e sim somente a terminologia kardecista. Ele acredita que ainda há muita falta de conhecimento do que seja a doutrina espírita e também de outros sistemas religiosos. (JC)
Ensino religioso facultativo
Nas escolas públicas estaduais, o Ensino Religioso é facultativo para os alunos. Quem participa, passa a conhecer a história e as características de várias religiões. “Jamais é dada uma aula de religião. Trabalhamos com o conhecimento sobre o Sagrado em diferentes religiões. O grande mote é o respeito à diversidade religiosa”, explica Elói Corrêa dos Santos, coordenador disciplinar de Ensino Religioso da Secretaria de Estado da Educação (Seed). Para isto, os professores passam por educação continuada e há materiais disponíveis para uso dentro de sala de aula. Os pais são informados sobre a existência do Ensino Religioso e os alunos têm a opção de não participar. “A grande maioria dos alunos participa”, garante. Os encontros acontecem especificamente na 5.ª e 6.ª séries do Ensino Fundamental, mas até o último ano do Ensino Médio existem matérias que permeiam pela história das religiões, como a própria disciplina de História.
Santos lembra que os símbolos religiosos foram retirados das escolas estaduais, o que gerou muita polêmica. “Vieram sugestões para colocarmos símbolos de cada uma das relogiões, mas as escolas não são espaços ecumênicos”, afirma. (JC)