Brasil decide pelo ?contém? na rotulagem de transgênicos

Ao fim de mais uma disputa entre ministérios e com a 3.ª Reunião das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP3) já em andamento em Curitiba, o governo brasileiro mudou sua posição com relação à identificação de cargas transgênicas para o comércio exterior. A partir de agora, o País defenderá que os carregamentos contendo Organismos Vivos Modificados (OVMs), os transgênicos, sejam claramente identificados com a palavra ?contém?, em vez de um simples ?pode conter? – como vinha defendendo até agora. O agronegócio e a indústria, entretanto, teriam quatro anos para se adaptar à exigência.

A proposta foi anunciada no início da noite de ontem pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, durante passagem por São Paulo. A decisão política, segundo ela, foi tomada durante a manhã pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Brasília, durante reunião com ela e os ministros da Agricultura, Roberto Rodrigues, e da Casa Civil, Dilma Roussef. ?Acho que deixamos o Brasil em uma posição responsável em todos os sentidos?, disse Marina, em tom de vitória. A proposta será apresentada na MOP 3 para negociação com os outros países signatários do protocolo.

Como tem sido a regra em Brasília no caso dos transgênicos, a discussão dividiu opiniões do setor agrícola – favorável ao ?pode conter? – e do setor ambiental – favorável ao ?contém?. A decisão pelo ?contém? implica na segregação e rastreamento de toda a produção de soja brasileira – assim como para outros produtos transgênicos que sejam aprovados no futuro. Algo que, segundo o agronegócio, poderá aumentar os custos e reduzir a competitividade brasileira.

O Brasil é o único dos quatro maiores exportadores mundiais de grãos a seguir o Protocolo de Cartagena e se encontra em uma posição incomum internacionalmente. O País tem a tradição de intenso defensor ambiental em reuniões globais e com freqüência acompanha os interesses dos países em desenvolvimento, reunidos no G-77, que preferem o ?contém OVMs?.

A posição do ?pode conter? tem o potencial de estremecer essas relações – como aconteceu no ano passado na MOP2, em Montreal, quando essa possibilidade foi apresentada. Por outro lado, os outros três grandes exportadores (Argentina, Canadá e Estados Unidos, todos pró-transgênicos) são influenciados pela decisão tomada pelos participantes do acordo, e portanto pressionam o Brasil por uma posição favorável a eles.

Segundo Marina Silva, a opção pelo ?contém? não colocará o País em desvantagem, já que os outros países exportadores (EUA, Canadá e Argentina) também seriam obrigados a identificar seus carregamentos. Isso porque, mesmo estando fora do protocolo, a identificação seria exigida pelos países importadores que são signatários do acordo. ?Se isso for aprovado, todos os países terão de operar nesse sistema, direta ou indiretamente?, disse.

Com relação aos custos envolvidos na segregação e rastreamento, o secretário de Biodiversidade e Florestas do ministério, João Paulo Capobianco, disse que são ?bastante competitivos?. Segundo ele, a experiência de pequenas e médias cooperativas que já fazem a segregação (para garantir uma produção ?livre de transgênicos?) gastam menos de US$ 0,30 a mais por tonelada de soja.

Requião ataca OVMs em discurso

A MOP3 tomou proporções maiores do que as reuniões realizadas anteriormente, na Malásia e no Canadá. São esperados 1,6 mil delegados de países participantes, segundo a secretária da Convenção de Diversidade Biológica (CDB), Cyrie Sesdahonga. Mais delegados virão para Curitiba na próxima semana, para participar da 8.ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP8).

Na abertura oficial da plenária do MOP3, ontem pela manhã, a autoridade que chamou mais atenção foi o governador Roberto Requião. Em um longo discurso, ele destacou que a rotulagem dos transgênicos não merece ser tratada de maneira dúbia. ?O mercado tudo pode e cada vez mais os governos cedem. O Paraná tem a maior produção brasileira de grãos, com 25 milhões de toneladas, sendo 10 milhões somente de soja. Se não fosse a nossa resistência, toda a produção paranaense estaria contaminada com transgênicos, como aconteceu em outros estados. É uma resistência solitária. Temos insistido com o governo federal para que o Paraná seja declarado livre de transgênicos, mas parece que as transnacionais pressionam o governo, fazem lobby. A saúde dos homens e dos animais impulsionam a nossa posição?, discursou.

Requião completou dizendo que o governo do Estado vai continuar resistindo e a prova disso é a insignificância da área plantada com soja transgênica no Paraná. O governador ainda reiterou os comentários feitos durante a recepção dos delegados no Memorial de Curitiba, no domingo à noite. Favorável à rotulação ?Contém OVMs? -organismos vivos modificados -, Requião disse que identificar carregamentos somente com ?Pode conter OVMs? é a mesma coisa que informar que carne enlatada ?pode conter carne estragada?.

Durante a plenária, o prefeito Beto Richa deu boas vindas aos delegados e todos os participantes do MOP3. ?Os eventos trazem muitos benefícios para Curitiba, como a consolidação da consciência de todos os curitibanos sobre a necessidade de se manter essa preocupação com a natureza?, explicou.

A presidente da Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, Nasron Fatimah Raya, comentou que a MOP2 (realizada ano passado no Canadá) ficou incompleta e, por isso, pediu o compromisso de todos os participantes para que não saiam de Curitiba sem a decisão quanto à identificação das cargas de OVMs. O secretário-executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica, Ahmed Ajoghlaf, aproveitou para solicitar que os países que ainda não aderiram ao Protocolo de Cartagena que façam isso neste momento, para que se construa um novo instrumento legal ambiental.

Durante a abertura oficial do evento, os Correios lançaram um carimbo comemorativo aos eventos da Organização das Nações Unidas (ONU) em Curitiba. Ele traz o símbolo criado paras as reuniões MOP3 e COP8, com o objetivo de divulgar as discussões em todo o Brasil e no mundo. (JC)

Camponeses protestam durante evento

Nájia Furlan

Enquanto no ExpoTrade, em Pinhais, as partes já prosseguiam nas atividades da 3.ª Reunião das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP3), ontem à tarde, quase 500 camponeses chegaram ao local, a pé, com faixas e bandeiras, para protestarem. Puxados pelo carro de som, os representantes de diversos movimentos sociais rurais, reunidos pela Via Campesina, divulgavam a postura que iriam defender durante o Fórum Global da Sociedade Civil, evento paralelo ao MOP3, que acontece na tenda montada fora do pavilhão de discussões.

?A idéia é protestar para que o governo brasileiro assuma a posição de que contenha nos rótulos de produtos de exportação, assim como todos os produtos, se contém transgênicos. Durante a MOP3, essa é a posição política mais importante. Não conter essa informação no rótulo ou trazer apenas que pode conter isenta as empresas de responsabilidade, caso prejudique a saúde?, explica o representante da direção nacional da Via Campesina, Altacir Bunde.

Segundo os manifestantes, nessa discussão a posição que prevalece seria a das multinacionais. Essa intensa participação das empresas, que enviaram delegados, também foi um ponto abordado pelos camponeses.

Entre os manifestantes, também representando a Via Campesina, estava Roberto Baggio, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Paraná. ?Essa manifestação tem o objetivo de fazer um debate com a sociedade civil para esclarecer o que vai ser decidido, no sentido de ir criando uma consciência, inclusive sobre os riscos que essa conferência pode trazer. É um evento de mobilização, de pressão, mas também de informação?, explica Baggio.

Fórum

A abertura oficial do Fórum Global da Sociedade Civil, do qual vieram participar os movimentos ligados à Via Campesina, será somente hoje, às 14h. No entanto, os movimentos vieram munidos pela Carta de Curitiba – um documento elaborado, em fevereiro, pelas organizações e movimentos sociais que participaram de oficinas que preparavam para esse evento – o MOP3 – e ontem já participaram de uma palestra sobre o que está em jogo no protocolo de biossegurança, com a socióloga Marijane Lisboa, também assessora da Associação de Agricultura Orgânica no Brasil.

A Via Campesina, de ontem até o próximo dia 31, ficará no acampamento organizado no Parque Newton Freire-Maia (antigo Parque Castelo Branco), em Quatro Barras, acompanhando o evento e discutindo paralelamente com os camponeses.

Greenpeace coloca País em relatório

Elizangela Wroniski

O grupo ambiental Greenpeace divulgou ontem seu primeiro relatório sobre a contaminação do meio ambiente por organismo vivos modificados (OVMs). São apontados 113 casos, dos quais 17 violaram o Protocolo de Cartagena, que impõe regras para o comércio internacional desses alimentos. Os demais casos aconteceram dentro dos próprios países.

O relatório foi elaborado pelo Greenpeace e pela organização inglesa GeneWatch e trata da mistura acidental de alimentos transgênicos com alimentos convencionais ocorrida nos últimos dez anos em 39 países. ?Quando falamos em contaminação, estamos utilizando o termo correto. Afinal, falamos sobre algo que não deveria estar no local em que está?, explica Benedikt Haerlin, chefe da delegação internacional do Greenpeace no evento.

O Brasil também está no relatório. Tem registrado quatro casos de contaminação desde 1998. O primeiro deles com a soja transgênica da Argentina contaminando lavouras no Rio Grande do Sul. O último foi em 2005, com o caso de comercialização de milho trasngênico também no Rio Grande do Sul.

O Greenpecae também fez pressão para que o governo brasileiro apóie a rotulagem de alimentos que contém OVMs. O diretor de políticas públicas da organização no Brasil, Sérgio Leitão, disse que a rotulagem dá o direito para as pessoas decidirem se querem ou não consumir aquele tipo de alimento.

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