Muitos professores estão recorrendo a atividades diferentes de sua profissão para conseguir melhorar a renda mensal. A maioria começa por possuir uma vocação natural, aliada com os pedidos de amigos e parentes. Assim, o que parecia uma distração como qualquer outra, acaba sendo a salvação para as contas. Como alguns professores acumulam dois cargos, existe a prática de uma terceira jornada de trabalho no intuito de vender cosméticos, artesanatos e outros produtos para alcançar um melhor equilíbrio financeiro.
A professora Rute Ivete Percicote prepara comida congelada todos os dias, durante a tarde. Esse período é o intervalo que tem do trabalho, pois leciona de manhã e à noite. Lasanha, nhoque, rondeli, canelone, sopas, codorna recheada, salgados, empadões e docinhos são alguns dos itens do cardápio de Rute. Ela recebe encomendas de vários lugares da cidade e também da Região Metropolitana. Os clientes, de acordo com ela, foram conquistados pelo sabor dos quitutes e com muita propaganda boca-a-boca. “Cada pessoa que vinha na minha casa dizia que eu cozinhava muito bem. Então os amigos e conhecidos começaram a pedir que eu organizasse lanches. Sempre gostei de cozinhar e já fiz cursos de nutrição e de culinária”, conta.
Para continuar com os clientes fiéis, ela preza pela qualidade da comida. Só compra ingredientes especiais, como ovos caipiras. Rute comenta que é uma vida corrida, mas vale a pena o esforço, pois está fazendo o que gosta e ainda consegue melhorar a renda familiar: “Eu faço por prazer e ainda me ajuda muito. Em alguns meses, consigo tirar o mesmo valor do meu salário no magistério. Em outros, chega à metade. Infelizmente tem esse inconveniente”, aponta.
Artesanato
A professora de educação artística Lucieni Muchagata Pecile leciona somente à tarde, por opção. Resolveu ter um pouco mais de tempo para cuidar dos dois filhos pequenos. Mas isso não a impediu de exercer outras atividades. Por ser muito ligada à arte, faz artesanato e produz artigos para decoração de festas infantis, como bonecos, painéis e toalhas.
Tudo começou com os pedidos insistentes de amigos e familiares. “Eu faço porque gosto e entra um dinheirinho em casa, o que é muito bom. Me dedico esporadicamente porque não tenho a obrigação de fazer para me sustentar. Mas como são muitos pedidos de festas, acaba sendo muito freqüente”, declara. Lucieni já pensou em montar uma casa de decoração de festas, o que exige dedicação total. A idéia foi deixada de lado, pelo menos por enquanto, justamente por esse motivo: “Exige muito tempo para crescer. Além disso, trabalho na escola e tenho dois filhos. Se fosse para tentar, até que teríamos um bom retorno”, avalia.
Carreira deve ser valorizada
O presidente da APP-Sindicato, José Lemos, conta que as atividades para complemento de renda ocorrem com muita freqüência entre os professores, que se envolvem nesse esquema naturalmente. De acordo com ele, a tentativa de aumentar os ganhos atrapalha na qualidade de vida do professor, em virtude do estresse acentuado da situação, da ausência de momentos de descanso e da preocupação pela necessidade de dar conta do que se propôs.
“Quando a qualidade de vida é afetada, acaba refletindo na sala de aula com implicações na qualidade do ensino”, comenta. Aqueles que praticam a tripla jornada são afetados por problemas de saúde decorrentes desses fatores, segundo Lemos. A Constituição brasileira permite a algumas profissões, entre elas a de professor, acumular cargos e praticar duas jornadas de trabalho por dia.
O presidente do sindicato afirma que existe um conceito internacional de que a jornada deveria ser de 20 horas semanais. Mas isso já foi extrapolado pela legislação. “E ainda fazendo bicos, a situação piora mais”.
A solução, para ele, é a valorização da carreira e a melhoria de salários: “A valorização dará um salário que dê condições de viver com dignidade, sem precisar de outra jornada. Os professores, por causa dos salários, já não têm acesso à livros, assinaturas de jornais e revistas, computador e conexão na internet. Não dá para oferecer o que não tem. Para ter, é preciso de mais condições para acessar o conhecimento, e tudo isto tem um custo”, opina. (JC)