Tradição

Bem gelado, mas com calor humano

Airton Serur dos Santos, 58 anos, trabalha de acordo com as estações do ano. Sua rotina, diga-se, é incomum: “No inverno descanso e no verão trabalho”. Essa variação entre o calor e o frio sacramenta o ofício que o progenitor da família, o pai Adalberto Pinto dos Santos, instituiu há 55 anos, quando abriu o Sorvetes Gaúcho.

Ele não tem do que reclamar. Busca nas recordações o tempo que passou e lembra que já foi pior. “O inverno era muito mais rigoroso. Em algumas épocas, o meu pai fechava as portas durante um ou dois meses porque ninguém queria tomar sorvete”.

Cravada na Praça do Redentor, ao lado do Cemitério Municipal, no tradicional bairro São Francisco, o antigo comércio renomeou o lugar. Hoje, o largo é mais conhecido simplesmente por Praça do Gaúcho – uma homenagem indireta ao pai de Airton, um gaúcho extrovertido de sorriso fácil.

A fama é justificável: “O meu pai era o típico gaúcho bonachão. Eu ia com ele no Mercado Municipal e ele conhecia todo mundo. Andando na Rua XV, as pessoas passavam cumprimentando”, lembra o filho com saudades do pai, que adotou Curitiba como morada durante os seus 73 anos de vida, até descansar em paz no ano de 1999.

Os irmãos de Airton – Leila, Adalberto e Marilis – enveredaram pelo mundo dos sorvetes assim, meio “sem querer querendo”. Em uma determinada época, todos seguiram para carreiras não ligadas diretamente ao legado do pai, mas acabaram se encontrando, mais cedo ou mais tarde, atrás dos antigos balcões. Depois da morte da mãe, Nádia Serur dos Santos, em 2003, são eles que tomam as rédeas da situação: a razão social agora é Irmãos Serur dos Santos.

E lá se vão 50 e tantos anos. Nesse tempo, o Sorvetes Gaúcho viu muita coisa acontecer. A profusão de casas e prédios e a construção da pista de skate mudaram o cenário do ambiente. Airton não quer ficar para trás. Com o tempo, os mais de 30 sabores de sorvetes passaram por algumas mudanças: os de café e iogurte, por exemplo, deram lugar aos sabores comemorativos como panetone e açaí, que vem acompanhado de granola e banana.

A oferta de sabores – todos produzidos por eles – também é regida pela estação do ano. “Damasco voltamos a fazer, que agora é uma época boa”.

Pregada na parede, ao lado da máquina registradora, uma fotografia do pai de Airton rende muitas histórias e lembranças. “Aquela foto é muito antiga, né? Muitas pessoas olham e nem reconhecem. Ele era bonitão naquela época, mas depois chegou a pesar 130 quilos”. 

A localização ao lado do cemitério rende muitos clientes ao lugar. Dia de Finados, então, é certeza de muitas vendas. Airton conta que, dias desses, apareceu um senhor lá pelos seus 80 anos que acabava de homenagear um amigo, morto há dez anos. “Até bolo teve. Ele saiu do cemitério, veio aqui, olhou a foto e disse que conheceu o meu pai. Ficamos aqui, batendo um papo. Os antigos clientes sempre reaparecem”, diz Airton.

O menino Adalberto nasceu e cresceu em Itaqui, Rio Grande do Sul. Aos 20 e poucos, veio para Curitiba estudar Química Industrial na Universidade Federal do Paraná. Conheceu Nádia em um chá de engenharia (espécie de baile) e se casou com ela em 1951. Ele se formou, os dois retornaram para a cidade natal dele para tentar a vida em uma fazenda da família. Não deu certo. Ela, que era de Porto Alegre, não se acostumou à vida na roça.

Tiveram filhos. Aqui, a experiência da faculdade não vingou e o casal saltou sem paraquedas para o que a vida poderia oferecer. Compraram uma lotação, mas não era exatamente o tipo de trabalho que os deixava felizes. Um dia, Adalberto viu o ponto, a dita casa, para alugar e arriscou. Deu certo.

Mudaram-se com a família toda, o comércio tinha nos fundos uma casa que serviu de morada. Na frente, o Bar, Mercearia e Sorveteria, do Gaúcho. Em 1976 – no mesmo ano em que foi construída a pista de skate – o casal decidiu largar mão da mercearia e do bar e apostou na sorveteria. Balcão, mesas, cadeiras e máquinas datam dessa época.

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