Autonomia e desencanto na vida debaixo do viaduto

Osvaldo da Silva mora embaixo de um viaduto em Campo Largo, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC). Levanta todo dia ao amanhecer, recolhe seus pertences e coloca num saco plástico. Entra num ônibus e segue rumo à capital. Na cidade consegue dinheiro suficiente para comprar uma marmita e para voltar para a “casa”. A rotina é semelhante à de muitos moradores de rua. Segundo dados da Fundação de Ação Social (FAS) de Curitiba, em agosto, foram contabilizados 596 adultos e 119 crianças vivendo dessa maneira.

Segundo a coordenadora da Área de Enfrentamento à Violência, Célia Fayzano, a maior parte dos adultos que vivem nas ruas é formada por homens com idade entre 35 e 40 anos. Normalmente por problemas com o alcoolismo, a família os abandonam ou são eles que não querem voltar para casa. Já outros estão nas ruas porque buscam trabalho e acabam ficando sem dinheiro, o que os leva a virar pedintes. A maioria vive em grupo, cuidando uns dos outros.

A FAS recolhe os adultos, dá roupas limpas, banho, comida e, se necessário, atendimento médico. Depois é feito um contato com as famílias para tentar a reinserção. Quando isso não é possível, eles têm a opção de permanecer em um abrigo. Mas nem sempre os moradores aceitam.

Célia explica que muitos não conseguem largar o vício, por isso a opção de viver nas ruas não perece tão ruim. Além disso, eles não precisam seguir regras comuns ao convívio familiar e aos abrigos: ter horário para acordar, para as refeições e para tomar banho, por exemplo.

Cerca de 13% dos moradores de rua da capital são de outras cidades. Depois das agressões a pessoas que estavam dormindo nas ruas em São Paulo, alguns vieram para Curitiba. “Aqui ainda não existe esse tipo de violência”, comparam.

Osvaldo não troca a vida na rua por nada – poderia ir para a casa dos pais em Londrina. “Não quero viver às custas deles. Eles eram muito ruins”, afirma. Conta que, “graças a Deus”, tem tudo o que precisa: “As pessoas me ajudam, não me deixam passar fome”, conta. Enquanto a reportagem conversava com ele, uma pessoa se aproximou e deu meia garrafa de refrigerante.

O frio das ruas Osvaldo consegue aplacar com um cobertor que carrega para onde vai. Tudo o que possui, inclusive o registro de nascimento, está bem guardado dentro de um saco plástico. Roupas, não precisa de muitas. “A molecada passa correndo e leva embora”, justifica. É também por esse motivo que ele dorme em Campo Largo: segundo ele, lá dificilmente alguém vai maltratá-lo durante a noite.

Ele não sabe dizer exatamente há quanto tempo está na rua e nem a idade. Mostra ainda uma ferida no pé e alguns dedos mutilados. Diz que tem hanseníase e não quis ajuda da assistente social. “Me leva lá, só faz um curativo e manda lavar”, responde. Quando questionado sobre a possibilidade de morar em um abrigo, desconversou. “Vocês não sabem o que eles fazem com a gente”, afirma, sem entrar em detalhes.

Crianças

Já as crianças e adolescentes normalmente vão para as ruas porque vêm de um lar extremamente desestruturado: 35% delas são da Região Metropolitana de Curitiba. Geralmente já estão envolvidas com as drogas e precisam alimentar o vício. A reinserção familiar é complicada, pois depende de um tratamento para dependência química. Como os adultos, também têm a opção de ficar nos abrigos. “Mas permanecem somente se quiserem”, explica Célia.

Segundo a coordenadora, um dos motivos pelos quais muita gente ainda mora na rua é o fato de as pessoas darem dinheiro e comida. “Elas acham que estão ajudando, mas na verdade estão contribuindo para que essas pessoas não saiam desta situação”, ressalta. Eles podem ajudar de outra maneira, fazendo doações para os programas de assistência social.

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