Asilo mantinha idosos em condições subumanas

Latas enferrujadas acondicionando remédios; comida espalhada pela cozinha; pombos mortos boiando na água esverdeada da caixa d?água; gente dormindo espremida no sofá ou mesmo no chão. Cenas deprimentes flagradas pela delegacia do Alto Maracanã em uma residência que funcionava como um asilo clandestino na Rua Guilherme Rodbard, bairro Campo Pequeno, em Colombo. Cerca de quinze idosos e pessoas de meia-idade sem paradeiro fixo, homens ou mulheres, amontoavam-se nas instalações precárias da “casa de repouso”, cujos proprietários foram indiciados em inquérito policial.

A polícia descobriu a existência do asilo através de cartas com pedidos de socorro, escritas pelos internos e jogadas por cima do muro. Vizinhos as recolheram e repassaram à reportagem da TV Iguaçu, que acionou a delegacia do Alto Maracanã. Todo o drama dos velhinhos foi mostrado no programa do apresentador Carlos “Ratinho” Massa, terça-feira à noite, no SBT.

Além da precariedade estrutural, houve denúncias de maus tratos por parte dos proprietários, que mantinham a casa há oito meses. Três internas – uma de 60 e duas de 48 anos -, ouvidas pela DP do Alto Maracanã, foram unânimes em revelar que eram agredidas a socos e pontapés por “Daniel”, ou Wilson Daniel de Oliveira, 30 anos, e pela esposa do responsável pelo asilo, Marilin Cristiane de Souza, 29. Uma das mulheres contou que precisava tomar determinado medicamento controlado, mas há tempos não o recebia. Outra lembrou que no início até era bem tratada, mas no momento passava fome. Segundo as denúncias, todos os internos sofriam o mesmo tipo de tratamento.

Interrogados, Wilson e Marilin negaram as acusações de maus tratos. Eles afirmam que apenas separavam as brigas dos próprios internos, e que lhes davam assistência médica e psiquiátrica através do hospital público do Alto Maracanã. Cada “paciente”, como chamavam, pagava um salário mínimo pela mensalidade no asilo, através de parentes ou de procurações que repassavam as respectivas aposentadorias aos proprietários. Marilin falou ainda que alguns “pacientes” não podiam pagar e moravam de graça na casa. “Eles alegam que, pelo valor cobrado, as famílias tinham ciência da simplicidade das instalações”, falou o delegado José Mário Franco.

Depois da visita da polícia, e antes de a Vigilância Sanitária aparecer, os proprietários se apressaram em ajeitar o asilo. “Fizeram limpeza às pressas e colocaram até colchões novos”, falou o superintendente Job de Freitas. Mas a situação encontrada pela polícia não livrou Marilin e Wilson do indiciamento em inquérito por abandono material (deixar de provir alguém dos meios de subsistência), maus tratos e cárcere privado. O casal pode ainda responder por lesões corporais, caso o exame de corpo de delito feito nos internos aponte sinais de agressão, e está sujeito a multa por manter a casa sem alvará da Prefeitura de Colombo.

Os pacientes foram retirados por parentes ou pelos próprios donos do asilo, durante a madrugada de ontem. “Soubemos que parte deles foi levada de van a uma chácara em Almirante Tamandaré”, disse o superintendente da DP, Job de Freitas, que na manhã de ontem ainda tentava localizar os internos. A Prefeitura da cidade comprometeu-se a providenciar abrigo em local apropriado aos que não voltarem à tutela das famílias.

Segundo o delegado do Alto Maracanã, até mesmo os responsáveis por deixar os idosos no lar podem ser indiciados. “Temos que analisar caso a caso, mas creio que os parentes sejam os maiores culpados”, falou Franco. Além dos inquéritos da Polícia Civil, o Ministério Público estará acompanhando o caso.

Fome, espancamentos e prisão

“Não comemos direito e temos que calar a boca”. “Somos espancados, não temos ajuda nas nossas necessidades e não podemos usar o telefone”. “Por favor, tirem-nos daqui”. “Estamos presos. Chamem a polícia!”. Os trechos das cartas, recolhidas por vizinhos do asilo clandestino de Colombo, dimensionam o desespero vivido pelos internos.

Quatro bilhetes, escritos com três letras diferentes – um deles, assinado – foram anexados ao inquérito policial da delegacia do Alto Maracanã. Neles, os internos pedem explicitamente a ajuda de vizinhos, dizendo que eram “presos” no asilo e mostrando desejo de sair dali o quanto antes.

Iracema Pavão, moradora da casa ao lado do asilo, conta que os velhinhos jamais saíam dali. Seus passeios resumiam-se ao pátio de fundos, fora do campo de visão dos terrenos adjacentes. “Ouvíamos conversas deles, mas nunca vimos ninguém em oito meses”, conta a mulher, que não chegou a escutar gritos vindos da casa ao lado. “Acho que tapavam a boca deles”, suspeita.

Outra moradora da Rua Guilherme Rodbard, que se identificou apenas como Michelle, disse que não sabia que a residência era um abrigo de idosos. “Às vezes eu encontrava o dono (Wilson Daniel) carregando frutas e verduras velhas. Ele falava que era para os porquinhos”, contou.

A reportagem do Paraná-Online teve acesso ao interior da casa de repouso e encontrou panorama diferente daquele que levou a polícia a indiciar os proprietários. A casa estava relativamente limpa, apesar de alguns utensílios aparecerem fora do lugar e do cheiro de mofo reinante em todos os cômodos. Nos quartos, pequenos, abafados e com teto baixo, entre duas e quatro camas eram dispostas bem próximas umas das outras. Numa sala, sofás rasgados com cobertores serviam para os idosos dormirem. A caixa d?água onde pombos foram encontrados mortos já estava tampada. De acordo com a polícia do Alto Maracanã, os donos limparam e arrumaram a casa pouco depois da descoberta das más condições. (CS)

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