O Golpe Militar de 1964 é um divisor de águas na hitória do Brasil. Inesquecível, pelo lado bom para alguns e pelo lado ruim para outros, todos concordam que o Brasil dos últimos 30 anos seria completamente diferente sem o dia 31 de março de 1964.
Há 10 anos, nos 40 anos do Golpe, o jornal O Estado do Paraná publicou um relato da jornalista Teresa Urban, falecida em 26 de junho do ano passado. Formada em comunicação social em 1965 pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Teresa foi uma combatente ativa contra o regime militar. Foi presa diversas vezes e se exilou no Chile entre 1970 e 1972.
Trabalhou nos mais importantes veículos de comunicação do País e foi considerada uma das pioneiras do jornalismo ambiental. Quando recebeu a reportagem do jornal, há 10 anos, demonstrou não se sentir bem ao relatar as experiências que viveu. Confira trechos da entrevista concedida à repórter Lyrian Saiki.
31 de março de 64 – “Sempre tive interesse pelo que estava acontecendo no País, mas não era militante. A noção e a dimensão do acontecimento era de uma menina de 17 anos. Comecei a entender as implicações do golpe quando entrei na universidade, um ano depois.”
Jornalismo na Universidade Federal do Paraná (UFPR) – “Entrei na faculdade com um monte de sonhos, queria um País melhor, mais justo. E na verdade, o curso era uma droga. Nada do que eu tinha imaginado fazia sentido ali. A universidade sofria pressão de todos os lados. Entrei para o movimento estudantil, reclamando que não tinha aulas, que o curso era ruim. Esse pequeno movimento já provocou as primeiras reprimendas. O sistema da universidade parecia de colégio e o diretório acadêmico estava sob intervenção. Perceber que a universidade estava se desmantelando e vincular isso à ditadura foi um pulo.”
Final de 66 – “Não era mais ligada ao movimento estudantil, mas sim ao movimento organizado de esquerda. A primeira prisão foi no dia 3 de outubro, quando o Congresso iria validar Costa e Silva como presidente. Homens do Exército cercaram o quarteirão da minha casa e me tiraram à força. Foi um escândalo. Fiquei na Secretaria de Segurança Pública e me liberaram no mesmo dia. Foi uma ação intimidatória.”
1967 e 1968 – “Já tinha uma vida clandestina. Adotei vários nomes, como Rita, Roberta. Mas eu gostava mesmo era de Batista… não se sabia se se tratava de homem ou mulher. Passei a viver com a organização dos trabalhadores, principalmente no Norte do Paraná. Para conseguir tirar documento falso era simples: bastava me vestir de bóia-fria, ir a um cartório com alguém bem arrumado que dizia que eu não tinha certidão de nascimento. Com o AI-5, tudo mudou, ficou mais complicado.”
Julho de 70 – “Fiquei presa no Quartel da Rui Barbosa durante 60 dias. Foi um período de tortura, espancamento, muita pressão. Apanhei muito na região dos rins. Eu havia tido filho há pouco tempo e tive muito sangramento, infecção do útero. Fiquei doente e vi muitos companheiros sofrendo, muita gente destruída física e moralmente. Depois de dois meses, fui liberada com a condição de permanecer no País. Mas fugi para o Chile.”
Chile – “Fui de ônibus até Foz do Iguaçu. Atravessei o Rio Paraná de barco, à noite. De lá, segui para a Argentina e depois para o Chile, onde pedi proteção. Ganhei lá meu segundo filho. Achei que iria acontecer um golpe no Chile e resolvi voltar. Na fronteira entre a Argentina e o Chile fui presa.”
Final de 72 – “Quando consegui voltar ao Brasil fui presa e levada para a Penitenciária Feminina em Piraquara. Ficava isolada, numa cela muito pequena. Fiz greve de fome, comecei a ficar maluca. Conforme acordo entre o bispo dom Pedro Fedalto e a 5.ª Região Militar, fui transferida para um convento, o das Irmãs de Caridade, na Manoel Ribas. Fiquei lá dois a,nos: 73 e 74. Quando saí de lá, no início de 75, não conseguia me registrar como jornalista no Ministério do Trabalho. Exigiam atestado de bons antecedentes, e eu não tinha. Quando finalmente consegui um atestado, apenas de antecedentes, entrei com uma petição judicial. Consegui o registro, mas não trabalho. Só consegui trabalhar em 76, na revista Panorama. Depois, trabalhei na sucursal da Veja, Estadão. Só não podia cobrir visita presidencial, nem de ministros.”
Comando de Caça aos Comunistas (CCC) – “O período de 75 a 80 foi um dos piores. Fui perseguida pelo CCC, sem tréguas. Eu recebia carta com ameaças de morte, telefonemas anônimos. Eu não participava mais de enfrentamentos, tinha dois filhos pequenos e vivia em insegurança, porque não sabia quem eram os inimigos.”
Arrependimento? – “Não me arrependo nem um pouco. Foi um aprendizado pessoal riquíssimo. Aqueles anos determinaram um modo para a minha vida, da qual gosto até hoje. Só lamento o sofrimento pelos meus filhos, porque não foram eles que fizeram a escolha, fui eu.”
40 anos depois…. – “Quando olho para trás, penso muito mais no que aquilo (ditadura militar) significou depois: quanto mudou a vida do País e a minha própria vida. Não acho que a gente tenha chance de recuperar o tempo perdido e construir um País com cara própria. Somos uma cópia mal feita do capitalismo. E as gerações que vieram depois de mim desaprenderam a pensar. O resultado é uma formação voltada para um mercado de trabalho submisso, uma enorme falta de conhecimento. E vivemos uma guerra civil real, entre os que têm demais e os que nada têm. Era um País que tinha tudo para ser outro…”
Indenização – “Não pedi indenização. Não sinto que fui lesada e acho que o povo brasileiro não me deve nada. Estava consciente quando participei, foi uma escolha.”