As pedras no caminho fazem parte da rotina do empresário Michele Liccardo, 76 anos, que está à frente da loja Pietra Nobile, um lugar incrustado no Centro Histórico de Curitiba, na Praça Garibaldi, desde 1990 e que reúne um exuberante acervo mineral de diferentes partes do Brasil e do mundo. O conhecimento sobre seus produtos foi adquirido com o filho, o PhD em Geologia, Antonio Liccardo, durante o “estágio” que Michele cumpriu por um ano antes de assumir o negócio que veio de “filho para pai”, como define o patriarca da família.

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A oportunidade foi providencial para ambos, já que na época, entre 1996 e 1997, Antonio queria prosseguir com a vida acadêmica cursando mestrado e, posteriormente, doutorado. Michele, por sua vez, estava encerrando a carreira de uma vida inteira como técnico em eletrônica. “Fui importado da Itália, no final de 1961, para o Brasil por conta da minha formação em eletrônica, da qual sou grato, mas o que sempre gostei de verdade foi o contato com o público e o estudo das línguas. Tanto que me determinei a cursar Letras Português-Inglês depois de me aposentar e, sem saber, isso me ajuda muito na loja e nas viagens pelas feiras que visitamos fora do país em busca de minerais”, constata. Claro que os estudos linguísticos do napolitano, que da Itália já veio entendendo um pouco latim e grego, não se restringiu ao português e inglês, também aprendeu francês, polonês e russo. Sem se dar conta, essa lapidação contínua na formação do “vendedor de minerais” como ele costuma se classificar, confere um motivo a mais para visitar o Pietra Nobile.

Gerson Klaina
O guerreiro de pedra: peça chama a atenção na loja.

Além da sabedoria acumulada por toda uma vida, Michele dispõe de um conhecimento respeitável sobre a origem das centenas de minerais comercializados na loja. Além disso, ele conta com alguns livros para suprir qualquer dúvida de seus clientes. Dispensando uma seriedade singular ao negócio, ele reconhece que há no mercado de pedras muita enganação e mistura, na qual a China ocupa lugar de destaque. “A Pedra do Sol é um exemplo disso. Ela é encontrada na Índia e nos Estados Unidos, mas muitas pessoas acabam sendo enganadas com artefatos fabricados em laboratório. E a invasão chinesa nesse mercado tem desdobramentos em diversos minerais como o âmbar e topázio que são alterados”, alerta.

Para eliminar qualquer dúvida sobre a qualidade do que está em sua loja, Michele conta com um refratômetro, um aparelho que mede a refração da luz em minerais. As pedras preciosas possuem uma refração acima de 1.500. Nessa graduação estão os quartzos e ametistas. O diamante pontua de 2.320 em diante na escala. “Já tive que mostrar a muitas pessoas que acreditavam ter comprado diamante que, na verdade, a pedra era zircônia, cuja refração possui uns 400 pontos abaixo”, explica.

Gerson Klaina
Maior parte das vendas se dá pelos aspectos estéticos e místicos.
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É por conta de tanta confusão que ele nem vende e nem compra pedras pela internet. “Pedra tem que ser olhada de perto. Precisa ver e analisar para comprar porque tem muito gato por lebre ou por má fé ou por falta de informaçã,o”. Apesar do cuidado que ele dispensa à seleção dos produtos, o empresário percebe que 80% de suas vendas são realizadas pelo aspecto estético ou místico. E ele não economiza elogios ao citar a esposa como principal trunfo do negócio. “Minha esposa Danuza é quem sabe escolher o que vai agradar o público e quem organiza as coisas por aqui”, defende. Ele conta que, certa vez, o filho trouxe um meteorito de Marte e que ficou na loja por mais de um ano para ser vendido. “Temos um público diferenciado, que me estimula a estar nesse negócio, mas a decisão de compra, na grande maioria das vezes, tem a ver com a beleza do mineral. E nesse sentido, nem sempre o mineral mais caro é o mais bonito”, afirma. Ele mesmo considera a mais bela de todas as pedras a água-marinha. Em compensação, a pedra conhecida com azul-neon, que só se encontra em pequenas quantidades na Paraíba e cujo quilate vale o dobro do diamante, não desperta muita admiração de Michele. “Prefiro o azul da água-marinha”.

Opção pelo Paraná

Gerson Klaina
Quartzos e ametistas fazem parte do cenário.
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O italiano veio de Nápoles para trabalhar na Philco em São Paulo (SP), mas a agitação da cidade não o cativou e pediu para mudar para um lugar menor. Foi então que Curitiba, na época com 300 mil habitantes, apareceu no mapa de Michele, que se mudou para a capital paranaense um mês depois de chegar ao Brasil. Curiosamente, lembra Michele, o nome Paraná já era do seu conhecimento, porque vinha daqui o “pinheiro do Paraná” usado na confecção de vagões na fábrica italiana, onde o pai de Michele trabalhava. “Era de uma qualidade incomparável o pinheiro do Paraná”, recorda. E para selar de vez o destino de Michele pelas terras daqui, logo na primeira semana em Curitiba, ele conheceu o amor de sua vida, Danuzia, com quem vai completar 50 anos de casados em dezembro.