Via-crúcis acaba mal

Aposentada não resiste a amputação e morre esperando vaga

Um pé amputado em uma cirurgia cheia de complicações, um mês de sofrimento no pós-operatório e 13 dias em um posto de saúde, à espera de uma vaga em um hospital. Essa verdadeira via-crúcis foi demais para a aposentada Maria de Paula, que faleceu no último dia 19 de junho, na unidade de saúde Campo Comprido, em Curitiba, com falência múltipla de órgãos.

A história contada ao Paraná Online por uma das filhas de Maria, a pensionista Laudelina Alves Correia, é um exemplo do drama enfrentado por quem depende do sistema público de saúde. Hospitais em péssimas condições, tratamento desumano por parte de alguns médicos e enfermeiros e uma espera por atendimento que às vezes parece sem fim… Tudo isso faz parte do enredo vivido por quem precisa usar um serviço pago por todo cidadão brasileiro, através de impostos.

Os últimos e tristes capítulos da vida de Maria de Paula começaram a ser escritos no dia 27 de maio, quando ela foi internada no Hospital de Piraquara devido a uma deficiência na circulação sanguínea. “Ela tinha três dedos do pé necrosados. O médico falou que iriam amputar os cinco dedos, mas cortaram o pé todo. Foi muito estranho. Em 15 minutos ela estava de volta ao quarto. Não fizeram nem um eletrocardiograma antes da cirurgia”, conta Laudelina.

Segundo a filha de dona Maria, as condições de atendimento e internação no Hospital de Piraquara são péssimas. “É uma nojeira, uma coisa medonha. Os banheiros são imundos, os lençóis dos leitos são secos no sol, a céu aberto. Os quartos são muito sujos, cheios de teias de aranha. Não servem sequer um lanche aos acompanhantes. E uma enfermeira ainda disse que não poderíamos reclamar, porque não tínhamos convênio e estávamos sendo atendidos de graça”, afirma. Apesar de ser particular, o Hospital de Piraquara atende quase todos os seus pacientes através do SUS.

Demora absurda

Após receber alta do hospital, dona Maria voltou para a casa de Laudelina. Mas logo precisou de novo atendimento. “Ela tinha muitas dores e sinais de infecção urinária. Chamamos uma ambulância, que levou ela ao posto do Boa Vista. Era meia-noite, mas às 5h da manhã já tinham mandado ela pra casa de volta. Alguns dias depois, piorou e iria voltar para o Boa Vista, mas não tinha vaga e mandaram ela para o Campo Comprido”, relata Laudelina.

Na unidade de saúde, foi constatada a necessidade de uma nova internação. A família de dona Maria, porém, não permitiu que ela fosse encaminhada novamente ao Hospital de Piraquara. “Eu disse que para lá ela voltaria só sob o meu cadáver”, diz Laudelina. A paciente então ficou no aguardo de um leito em outro estabelecimento, espera que demorou 13 dias, quando ela faleceu. A causa da morte apontada pelos médicos foi falência múltipla de órgãos, devido a uma infecção com origem no pé.

Laudelina não se conforma com o fato de a mãe ter ficado quase duas semanas à espera de uma vaga. “Minha mãe fechou os olhos ao meu lado, não tinha ninguém junto. Quando o médico foi chamado, disse que não tinha conhecimento da situação e que era um absurdo ela estar há 13 dias a espera de uma internação. Em Curitiba existe um Hospital do Idoso, mas não sei para quem”, lamenta.

“É um milagre hospital estar aberto”

Segundo o médico Samir Smaka Ivanoski, responsável pelas cirurgias de amputação no Hospital de Piraquara, os procedimentos cirúrgicos só são realizados com autorização expressa da família do paciente. Ele diz que casos como o de Maria de Paula têm grande possibilidade de compli,cações. “Falta circulação para uma cicatrização adequada, o que acaba acarretando em infecções”.

Segundo Ivanoski, o hospital é o único da região que recebe esse tipo de paciente. “Nenhum hospital de Curitiba pega”, afirma. Ele diz que as condições de higiene no hospital são normais. “Há dificuldades, pois está sempre lotado. O problema básico é financeiro, devido ao baixo valor pago pelo SUS. Na verdade, é um milagre o hospital ainda estar aberto”, avalia.

A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Curitiba diz que dona Maria permaneceu 13 dias na unidade de saúde Campo Comprido devido à recusa da família em voltar a interná-la em Piraquara. Segundo o órgão, é comum os hospitais não aceitarem pacientes que foram operados anteriormente em outro estabelecimento. A SMS afirma que os familiares foram informados sobre a situação.

Marco André Lima
Secretaria informou a família.
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